Charge: Bennett
por Carlos Eduardo, editor do Cafezinho
Juro pra vocês que tento escrever sobre outros temas que não sejam os constantes abusos e a falta de bom senso que tomou conta do Judiciário brasileiro, mas está difícil.
Nosso colega de blogosfera, o jornalista Fernando Brito do excelente Tijolaço, sempre atento às notícias da grande imprensa, nos conta nesta quinta-feira (28) sobre um “barraco das Excelências”em busca de mais poder, que está rolando entre a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a entidade dos juízes no Rio de Janeiro.
O motivo de toda confusão é uma campanha publicitária da AMB – vejam só, campanha publicitária de juiz! – que tem o mote #SomosTodosJuizes. Veja uma das peças divulgadas no Facebook:
Ao que parece a associação dos Juízes do Rio protestou contra a campanha, ‘não se sabe porque dá margem a imaginar que os juízes praticam estas transgressões ou por colocar todos os cidadãos como transgressores’, indaga Brito.
Até porque comparar os salários de marajás dos nossos magistrados e todos os benefícios que ainda possuem — como 14o salário, dois meses de férias, plano de saúde, auxílio creche e colégio para os filhos e até mesmo auxílio moradia para juízes que já residem no mesmo município em que trabalham, entre tantos absurdos — com furar a fila ou apresentar carteira falsa de estudante é patético.
Chega a ser ridículo que em meio a tantos escândalos de abuso do poder – o juiz do Porsche, os carteiraços, a funcionária punida por dizer a um magistrado, durante uma blitz da Lei Seca que ele não era Deus e, ainda esta semana, juiz condenando jornaleiro que o xingou a mais de sete anos de cadeia. – e a vergonha de centenas de milhões pagos em auxílio-moradia (com montanhas de atrasados – a quem mora em imóvel próprio, na própria cidade onde vive – suas excelências venham com historinha de carteirinha falsa de estudante e “furar fila ” são problemas de Justiça no país.
Ah, tenham paciência — diz Fernando Brito.
Sobre essa história não tenho o que comentar, Fernando Brito já disse tudo o que precisava ser dito. Imagino apenas que campanha publicitária para juiz deve ser mais uma jabuticaba brasileira, impensável em qualquer outro lugar do mundo.
Mas quero aqui falar de outra coisa.
Me choca ver os juízes lançando campanha publicitária para mostrar como são importantes para a sociedade quando vemos no dia a dia que o Judiciário, como um todo, presta um péssimo serviço à população.
O jurista Lenio Luiz Streck publicou hoje no Consultor Jurídico um artigo em que conta alguns absurdos praticados por nossas excelências. Ele conta que ser advogado de defesa hoje no Brasil ‘virou exercício de humilhação e corrida de obstáculos’, diante de tantos abusos cometidos pelos juízes.
Vide o caso dos advogados de defesa do ex-presidente Lula, perseguidos pelo juiz Sergio Moro e informados pela imprensa das acusações contra seu cliente, através de vazamentos que nunca cessam.
Não é surpresa para ninguém que o Judiciário brasileiro sempre foi elitista. A história nos mostra isso. Mas tem coisas que extrapolam o bom senso, como um juiz que determinou uma indenização de R$ 7,47.
Segue trecho do artigo de Lenio Streck:
Eu poderia começar com um caso ocorrido na Bahia, acerca da determinação de um juiz para que uma operadora de telefonia (companhias telefônicas são hipossuficientes!!!) pagasse uma indenização de R$7,47 (setereaisequarentaestecentavos) a uma cliente que foi molestada em R$ 193,50 (ler aqui).
A Associação dos Magistrados da Bahia justificou a decisão, dizendo que “as decisões judiciais não refletem as posições pessoais dos magistrados. Elas são fundamentadas na legislação vigente e no livre convencimento do mesmo” (ler aqui). Bingo.
Viva o livre convencimento. Ele está aí. Serve para blindar qualquer decisão. Ah: será que a associação de classe dos juízes esqueceu que o novo Código de Processo Civil retirou a palavra “livre” (artigo 371)? Portanto, nem a nota oficial se baseou na legalidade. Bem… o que mais precisaria ser dito?
Faço aqui adendo: Streck esqueceu-se do juiz palhaço que determinou uma indenização de R$ 1 a um homem que ofendeu o Partido dos Trabalhadores em Piracicaba, interior de São Paulo.
Leia trecho da matéria do Conjur:
Em uma decisão recheada de ironias, um juiz do interior de São Paulo condenou um homem a indenizar em R$ 1 o diretório do Partido dos Trabalhadores em Piracicaba. Segundo o juiz Eduardo Velho Neto, da 1ª Vara Cível de Piracicaba, esse é o valor devido diante da “injusta” publicação do cidadão, que, no espaço de cartas de um jornal, declarou-se cansado de pagar impostos aos “meliantes do PT”.
O partido acionou à Justiça contra o autor do texto, e o juiz ironizou: “As inverdades por ele propagadas são abusivas e caluniosas (…) o Partido dos Trabalhadores é o único partido, quer em âmbito nacional ou mesmo Internacional, que tem, dentro seus filiados, a única alma pura existente na face da terra”.
Lembro aos distintos leitores do Cafezinho que foi no interior de São Paulo que um juiz condenou um jornaleiro a sete anos de prisão por xingar-lhe no Facebook. Que ironia, não…
Como diz o jurista Lenio Streck, abusos e descumprimento de garantias tornaram-se comuns no Judiciário brasileiro. Sempre para um lado apenas, é claro. O lado do povo, dos pobres, dos negros, dos petistas. Para estes a presunção da inocência vira a não-presunção. O golpe de Estado prova que não há mais leis e Constituição Federal. Existe só o que o Judiciário diz que as leis e a CF são. Sai a lei e entra a jurisprudência.
Isso explica bastante porque os excelentíssimos juízes e os procuradores do MP estão todos mobilizados para barrar o projeto de lei que pune o abuso de poder no Judiciário.
Leia aqui o artigo do jurista Lenio Stenio Streck