Ódio aos blogs e retorno à Ditadura – Mídia pós-golpe não aceita ser contrariada, transforma notícia em ficção e regride mais de 30 anos

Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho

A chamada “grande mídia brasileira”, que está cada dia menor, usa a força de seu imenso aparato empresarial para manipular notícias e informações e transformar os fatos em pura ficção. E não é a ficção de Marcel Proust nem a de Thomas Mann, mas a das novelas insípidas da Globo.

O único senão que resta contra o totalitarismo da mídia é a má vontade dos blogs. Sem eles, sem a contradição e sem a exposição da mídia golpista ao ridículo, o mundo seria perfeito. Por isso, o sentimento de ódio e os ataques frequentes que a grande mídia dirige aos blogs.

Vive num mundo de fantasia quem acredita que a mídia não vai transformar seu ódio em guerra de extermínio contra os blogs. Por enquanto, assistimos a uma guerra de desgaste, de atrito, mas isso não vai durar para sempre.

Ainda que a mentira não seja fato novo na mídia, a falta de compromisso com a verdade ultimamente chegou à quintessência do desplante. Retornamos ao período pré-Nova República, aquela época (1984) em que a Globo anunciava no Jornal Nacional que o comício pelas Diretas Já na Praça da Sé, que reuniu 300 mil pessoas, era um evento de comemoração dos 430 anos da cidade de São Paulo.

A Folha de São Paulo, por sua vez, esquecendo sua tentativa de passar uma borracha no passado sinistro e se penitenciar de sua colaboração com a Ditadura, mea culpa que a levou a dar início a um projeto de jornalismo imparcial e equilibrado há 40 anos – mas que não durou tanto, é claro – mergulha novamente em práticas manipulatórias abaixo da linha da decência jornalística.

Enfim, a mídia brasileira regride voltando ao status quo ante, ou seja, à situação pré-Nova República, o que significa tornar-se, nada mais nada menos, que uma mídia de Ditadura. É o que temos hoje.

Um exemplo bem recente, e muito comentado, foi o da manipulação de dados de pesquisa do DataFolha sobre o apoio do eleitorado à figura de Michel Temer. Esse fato, que denuncia a total irresponsabilidade da mídia, agindo como se seus interesses justificassem qualquer distorção, já foi bastante discutido e me contento em remeter o leitor ao segundo artigo de Glenn Greenwald sobre o assunto.

Já que não podemos citar todos, porque são muitos, vejamos quatro exemplos da atual virada da mídia:

Para colaborar no esforço da Globo de promover um clima de ameaça terrorista, reforçando a iniciativa do governo Temer, através do seu ministro de Justiça, de prender um grupo de simpatizantes úteis na véspera das Olimpíadas, o ex-atleta e comentarista Tande recitou o script ditado pela emissora. No quadro que dividiu com Hortência, ex-rainha do basquete, Tande confidenciou que um dos momentos que marcou a sua história foi o atentado nas Olimpíadas de Munique, quando um comando palestino invadiu as instalações, sequestrou e matou diversos atletas israelenses (1972).

É provável que esse trágico acontecimento tenha sido lembrado pela produção do programa depois do episódio ocorrido no dia 22 na mesma Munique, quando um atirador matou 9 antes de cometer suicídio. De fato, são situações nefastas que nunca deveriam ter ocorrido. Involuntariamente, porém, ao fazer sua declaração, que tudo leva a crer nem foi imaginada por ele, o ex-jogador trouxe uma nota cômica. O fato é que o episódio aconteceu em setembro de 1972 e Tande nasceu em março de 1970. Portanto, ele tinha pouco mais de dois anos na ocasião.

É pouco provável que o pequeno Tande, embora a precocidade não possa ser descartada, desse alguma atenção à política internacional naquele período. Não fosse o crescente distanciamento do público (que nem notou) dos critérios de realidade, esse teria seria eleito um dos grandes micos da mídia nos últimos tempos. A cegueira do público (de direita e de esquerda) mostra a atual hipnose coletiva com a aproximação do evento.

Na mesma linha, a home do G1, embalando a atmosfera de terror, deu em letras garrafais a fuga de dois suspeitos de terrorismo para o exterior (22/07). Poderia haver prova mais contundente de que a ameaça terrorista era real do que dois envolvidos fugindo?

 

O link, contudo, aponta para uma matéria da rádio CBN em que não se encontra uma gota de verdade. Sem qualquer fonte, a matéria afirma com toda segurança informações que logo depois vão ser desmentidas, e cuja única função foi atuar como um factoide coadjuvante para criar a sensação de plausibilidade para as prisões arbitrárias (Vale ler o texto e depois ouvir o áudio, que chega a fazer acusações à mulher de um dos presos envolvendo-a na trama como a pessoa que teria dado o sinal para a fuga dos dois terroristas):

Outro episódio interessante, na mesma linha, apareceu na home da Folha-UOL, na qual se estampou uma chamada destinada, ao que parece, a amenizar as críticas que estão vindo à tona (junto com água, fios elétricos, esgoto, e outras impurezas da política brasileira) com os primeiros hospedes que chegam à Vila Olímpica.

O número de problemas de acabamento e defeitos registrados é tão grande que choca as delegações que se aventuram. No afã de amaciar para o governo Temer, uma chamada insistentemente grudada na home do UOL ontem (27/07) nos informava que haveria coisa pior pelo mundo:

Embora não seja coisa agradável de ouvir quando alguém tenta disfarçar a imundície de uma residência, ou de uma Vila, com a alegada menção ao suposto desleixo (“situação pior”) do vizinho, o fato é que até isso na matéria é falso. Lendo a matéria, constatamos que o   halterofilista brasileiro Fernando Reis, em entrevista na terça-feira (26) na Vila Olímpica, disse coisa diferente:

“Já competi em inúmeros eventos nos Estados Unidos e na Europa e nem sempre as condições são as melhores”, emendou, em entrevista na tarde desta terça na Vila.

Uma coisa é ter visto “coisa pior”, outra muito diferente é dizer que “nem sempre as condições são as melhores”. Mas o mais interessante é que o título da matéria insiste em não ser fiel ao que o atleta disse: Atleta brasileiro defende Vila e diz que já competiu em condições piores no exterior. Essa insensibilidade à contradição, ou esse desprezo pela verdade, parece agir na crença de que a mídia tornou-se tão forte, que os títulos viraram palavras mágicas, bastando pronunciá-los para criar um real que se encaixaria perfeitamente no desejo dos patrões.

E não foi isso que a mídia fez no período que antecedeu ao golpe? A mídia dizia “fiat lux”, e fazia-se a luz. Pedia chuva, e chovia. A realidade, formada pela multidão de zumbis, se tornou cada vez mais dócil e amestrada. Não é à-toa, portanto, que o ódio aos blogs cresce diariamente na grande mídia. Eles são o grande obstáculo ao fascínio e à mágica da mídia.

Enfim, parece que chegamos a uma nova situação, em que a mídia está convencida de que bastam suas palavras para que a realidade brote, ofertando suas flores e frutos, não precisando senão que um apresentador, um repórter ou jornalista, as pronuncie. Estamos vivendo a era não do Anti-Cristo, mas do Anti-Nietzsche, já que em vez do crepúsculo dos deuses presenciamos a ascensão de uma nova divindade, a Mídia.

A Mídia divinizada logo ressuscitará os antigos códigos canônicos, aqueles que justificaram as atrocidades da Inquisição, e cobrará do judiciário a imolação dos novos infiéis, os blogs. Como a Globo, do alto do seu poder, tentou bloquear o aumento do Judiciário dizendo que era esquizofrenia temerária, pode ser que o assunto não prospere. É aguardar para ver.

Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES

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