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Análise Diária de Conjuntura – 25/07/2016[/s2If]
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As conspirações golpistas: o fator geopolítico
Por Miguel do Rosário, editor-chefe do blog O Cafezinho
Poucos acreditam em conspirações. Mas muitos gostam de usar, em referência a elas, o antigo ditado espanhol: no creo em brujas, pero que los hay, los hay!
Em meados de junho de 2014, o preço do barril de petróleo, tipo West Texas, chegou a 105,54 dólares.
Era um bom preço, que assegurava excelentes lucros às empresas produtoras de petróleo, como a Petrobrás.
A estatal brasileira tinha um problema de endividamento, mas por uma boa razão: havia investido dezenas de bilhões de dólares para construir uma novíssima em folha infra-estrutura de exploração das reservas de pré-sal, descobertas no litoral do Sudeste.
Agora chegava, para a Petrobrás e, por extensão, para a toda a cadeia de gás e petróleo do país, o momento da colheita. Que veio, efetivamente: depois de alguns anos de estagnação, a entrada em produção do pré-sal fazia a oferta brasileira de petróleo voltar a bater recordes.
Em receita, contudo, a performance do setor de petróleo iria sofrer terrivelmente do segundo semestre de 2014 para cá, em função de dois fatores: a queda abrupta das cotações do petróleo, que parecia não encontrar um fundo; e o aprofundamento da operação Lava Jato, que deixaria de ser uma investigação importante para se tornar a ponta-de-lança de uma série de operações de mudança de regime, que culminariam com o golpe de 2016.
Em janeiro de 2016, o preço do barril afundaria para míseros 28,5 dólares. Os preços baixos, somados à Lava Jato, ajudavam a criar, para a Petrobrás, uma atmosfera de fim de mundo.
Entretanto, o avanço das tecnologias de exploração da Petrobrás seria tão notável e acelerado, que o custo de extração de petróleo havia caído para US$ 8 dólares por barril.
A Petrobrás provava ao mundo que conseguira se adaptar à nova realidade de preços e seria uma das últimas companhias de petróleo a quebrar, se um dia viesse a quebrar.
Seu pior inimigo, contudo, não seriam os preços internacionais (que afinal afetam também suas concorrentes), mas as conspirações midiático-judiciais pelo golpe.
A operação Lava Jato, que tivera início em março de 2014, havia se tornado não somente uma monstruosa campanha de destruição da imagem da estatal, mas também um esforço sem precendentes para destruir físicamente a empresa e todas as suas fornecedoras.
Entrava em ação, sob liderança de setores irresponsáveis e vingativos do próprio Estado, uma verdadeira operação de guerra contra a indústria de petróleo e gás no país, com reflexos devastadores para todo o setor de construção pesada, de engenharia, além da paralisação de algumas obras estratégicas, como o submarino nuclear.
No dia 6 de fevereiro de 2015, a força-tarefa da Lava Jato, acompanhando a cúpula da Procuradoria Geral da República, incluindo seu titular, Rodrigo Janot, viajavam aos Estados Unidos, para se encontrar com autoridades do governo americano e trocar informações que incriminavam a estatal.
Uma das notícias informava que “a comitiva do Ministério Público (…) participará de reuniões no Banco Mundial, no Departamento de Justiça, na Agência Federal de Investigação (FBI) e na Organização dos Estados Americanos (OEA).”
No parágrafo seguinte, o repórter desatento do portal de notícias G1 se referiria aos procuradores da Lava Jato como membros da “República do Paraná”, apelido que os críticos da Lava Jato dão a operação para compará-la à República do Galeão, uma “força-tarefa” criada em 1954 para derrubar o governo Vargas.
“Há a previsão de os procuradores da República do Paraná participarem de uma reunião técnica com a Securities and Exchange Commission”, dizia o portal.
A Securities é a agência reguladora das bolsas americanas. O encontro com procuradores também fazia parte da guerra da Lava Jato contra a Petrobrás.
Segundo notícias veiculadas na grande imprensa em julho de 2016, Sergio Moro, o juiz da Lava Jato, autorizaria o envio de informações sigilosas da Petrobrás, colhidas pelas investigações, a autoridades britânicas interessadas em mover ações contra a estatal.
Ao longo dos meses que antecederam a votação do impeachment, a Lava Jato protagoniza ações sucessivas de grande impacto midiático, preparando psicologicamente o atmosfera política do país para a mudança de regime. É uma operação tão bem feita que a maioria da população parece sentir alívio com a tomada de assalto do novo governo, apesar da quantidade de ministros indiciados por crimes de corrupção.
A prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, do marketeiro do partido, João Santana, a estranha e brutal condução coercitiva de Lula, e, por fim, o vazamento de áudios do ex-presidente e da própria presidenta da república, já haviam criado focos de profunda tensão política, com auxílio luxuoso de grupos de mídia comprometidos com o golpe.
Em julho de 2016, eu tive a oportunidade de realizar uma entrevista exclusiva com a presidenta Dilma e lhe perguntei se achava que o golpe contra seu mandato tivera participação, como havia acontecido em 1964, de agentes internacionais.
Prudente, Dilma preferiu atribuir as conspirações por seu afastamento a grupos políticos domésticos, incluindo a mídia. Mas admitiu uma coisa: a ideologia dos grupos que assaltaram o poder representava, notoriamente, interesses geopolíticos estranhos à nossa soberania, a começar pela velha obsessão das elites de privatizar nossas riquezas naturais.
É uma obsessão, eu gostaria de acrescentar, que nasce do viralatismo doentio de nossas elites, que não acreditam em nossa capacidade de nos desenvolvermos de maneira soberana, controlando nossos recursos públicos.
Pode-se até concordar com a presidenta, de que o golpe não tenha sido planejado lá fora, mas seria indesculpável ingenuidade não considerar que as potências ocidentais continuam tão imperialistas e agressivas como sempre foram. As táticas de domínio político é que mudaram: a guerra híbrida, em geral, usa as próprias contradições internas do país.
Nos últimos anos, os interesses imperialistas, que se confundem com o das empreiteiras militares e civis dos países centrais, voltaram a prejudicar severamente os esforços mundiais pela paz. Vários países, sobretudo no oriente médio, foram invadidos, bombardeados, ou vítimas de rebeliões armadas patrocinadas desde o estrangeiro.
Provavelmente não é coincidência que o Brasil, assim que a produção de petróleo das camadas do pré-sal se revela consistente, de boa qualidade, com um custo de extração baixo e rentável, comece a enfrentar graves turbulências políticas, sobretudo a partir de junho de 2013.
E aí entramos no tema das guerras híbridas.
Interessante notar, antes de tudo, o estranho silêncio da mídia brasileira sobre o conceito de guerra híbrida. Uma pesquisa no Google, por exemplo, mostra que o Globo só menciona o conceito uma vez, num artigo de opinião assinado por um estrangeiro. Outros órgãos de imprensa não dizem nada sobre o assunto.
Na mídia internacional, porém, o termo guerra híbrida já está se tornando familiar.
À diferença da guerra convencional, que busca atingir o núcleo duro do governo inimigo, na guerra híbrida a batalha pela opinião pública é o objetivo mais importante.
Aí está também o que talvez tenha sido o principal erro do governo Dilma: não entender que o Brasil estava sob ataque não-convencional, que se utiliza sem piedade de táticas de guerra psicológica e midiática, com as quais se arrebanha seguidores primeiramente nas elites judiciais e, em seguida, nos segmentos médios da sociedade.
A guerra não-convencional tem um capítulo a parte sobre esse esforço para conquistar os setores médios da sociedade.
O documento ressalta que, para a “resistência” vencer [ou seja, para a mudança de regime], é preciso “convencer a população média não-comprometida”, que inclui gente passiva de ambos os lados.
Com a mídia que temos, além do grau de ignorância e credulidade de nosso povo, levar essa “população média não-comprometida” a apoiar atos de sectarismo, não deve ter sido tão difícil.
Em setembro de 2010, nos Estados Unidos, realizou-se uma audiência no Congresso, na qual autoridades militares explicaram aos deputados que as guerras híbridas constituiriam o futuro das ações militares do país. Dentre as técnicas descritas como típicas da guerra híbrida estaria a “manipulação das informações e da mídia”.
O site da Otan também andou publicando artigos sobre a “guerra híbrida”. Assim como a audiência no congresso americano, essas manifestações costumam vir dos lobbies militares, que defendem gastos maiores dos governos com esse tipo de iniciativa, além de mais liberdade de ação. O fundo sujo, criminoso, das guerras híbridas, pedem que elas sejam terceirizadas para empresas privadas, para não comprometer a reputação de governos supostamente democráticos e “humanitários”. O dinheiro, no entanto, vem sempre do Estado.
A justificativa não varia muito: acusam os seus inimigos de levarem adiante uma guerra híbrida que eles mesmos é que desejam fazer.
Ainda em 2010, seria vazado para a internet um documento secreto do governo americano, a Training Circular 18-01, ou Circular de Treinamento 18-01, intitulada “Guerra não-Convencional das Forças Especiais”.
O conceito de “guerra não-convencional” e de “forças especiais” americanas existem desde a II Guerra, quando os EUA estudavam maneiras de estimular a criação de focos de subversão e instabilidade dentro dos regimes contra os quais lutava. O conceito se expande durante a guerra fria, mas os EUA esbarravam na objetividade dos governos comunistas, que sempre monitoraram minuciosamente (na verdade, até exageravam nesse ponto) a circulação de informações em seu próprio país, e detinham serviços secretos bastante sofisticados.
Com o surgimento das novas tecnologias de espionagem eletrônica, algumas delas reveladas por Edgar Snowden, as guerras não-convencionais ganham uma dimensão jamais vista.
No documento mencionado (TC 18-01) acima, o termo “psicológico” é usado quase vinte vezes. Alguns exemplos:
Guerras não-convencionais tem um componente psicológico fundamental, tanto na execução quanto em seus efeitos.
Determinar fatores psicológicos mais importantes no ambiente da operação.
Identificar ações com efeitos psicológicos que possam criar, mudar ou reforçar comportamentos desejados em grupos ou indivíduos específicos.
Quais são as vulnerabilidades psicológicas do inimigo?
Ora, a melhor maneira de identificar ações que gerem efeitos psicológicos impactantes, e de revelar as vulnerabilidades psicológicas de determinados segmentos sociais, é devassar, e classificar eletronicamente, através de softwares dotados sistemas altamente sofisticados de inteligência artificial, as informações privadas de milhões de indíviduos, de países inteiros, conforme Snowden provou ser o objetivo principal da NSA!
Pepe Escobar, analista geopolítico independente, publicou este ano dois importantes artigos sobre o uso de técnicas de guerra-híbrida, ou guerra não-convencional, na crise política que levou ao impeachment da presidenta Dilma.
O primeiro deles, escrito pouco antes da votação na Câmara que deu início do processo de impeachment, termina com alguma de esperança de que o golpe poderia ser revertido. O segundo, escrito pouco depois da votação, é um texto cheio de dor e indignação, sem deixar de ser uma brilhante exposição sobre os desdobramentos geopolíticos do impeachment.
Escobar explica, no primeiro artigo, que o conceito de “inimigo”, para os Estados Unidos, não mais tem o significado que possuía na guerra fria. Hoje em dia, inimigo é qualquer governo cujos fumos de soberania possam representar um obstáculo para os planos geopolíticos dos EUA.
Brics, diz Escobar, é um termo extremamente mal visto nas rodinhas de Washington e Wall Street, e por razões óbvias: esses países planejam aumentar as trocas comerciais não apenas entre si, mas entre a América do Sul e a Ásia, usando apenas suas moedas correntes, dispensando o dólar.
Ainda no primeiro artigo, o jornalista brasileiro (que escreve em inglês, para sites internacionais) apresenta a Operação Lava Jato como uma emblemática etapa da “guerra híbrida” no Brasil:
“Então, em junho de 2013, Edward Snowden vazou as práticas de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA). No Brasil, a NSA espionava a Petrobrás por todos os lados. E então, de repente, sem mais nem menos, um juiz regional, Sergio Moro, baseado numa única fonte – depoimento de um corretor clandestino de câmbio no mercado negro (“doleiro”) – teve acesso a uma grande lixeira de documentos da Petrobrás. Até agora, a investigação de corrupção que já dura dois anos, “Operação Lava Jato”, ainda não revelou como conseguiiu saber tanto sobre o que os próprios investigadores chamam de “célula criminosa” que agiria dentro da Petrobrás.
O que realmente interessa é que o modus operandi da revolução colorida – a “luta contra a corrupção” e”em defesa da democracia” – já estava posta em andamento. Foi o primeiro passo da Guerra Híbrida.
(…)
Os 0,0001% mais ricos e as classes médias altas precisavam de um Outro para demonizar. E ninguém seria mais perfeito para o complexo judicial-policial-midiático-velhas-elites-comprador, que a figura que tratariam de converter num Saddam Hussein tropical: o ex-presidente Lula.
“Movimentos” de ultradireita financiados pelos nefandos Koch Brothers repentinamente começaram a surgir nas redes sociais e em movimentos de rua. O procurador geral da República visitou o Império do Caos chefiando uma equipe da “Operação Lava Jato” para entregar informações da Petrobrás que talvez levassem a uma acusação formal pelo Departamento de Estado.
A “Operação Lava Jato” e o – imensamente corrupto – Congresso brasileiro, o mesmo que, agora, vai decidir sobre um possível impeachment da presidenta Rousseff, já se mostram absolutamente indistinguíveis, uma e outro.”
***
Escobar observa que a Lava Jato, que não pode ser mais distinguida do golpe, e apenas seria bem sucedida plenamente se levasse a um afrouxamento das leis brasileiras para exploração do petróleo, com abertura do país às corporações norte-americanas, além dos esmagamento de programas sociais e gastos com educação e saúde.
As grandes empreiteiras nacionais, que a Lava Jato quebrou ou deixou bem perto da falência, já vinham sendo vítimas de ataques imperialistas no oriente médio desde a guerra no Iraque, em 2003. Pois, assim como a Petrobrás, elas tinham grandes contratos no Iraque, na Líbia, na Síria. Em todos esses países, as “guerras híbridas” empreendidas por EUA e Europa resultaram em quebras de contratos, com vantagem para empreiteiras militares e civis dos países que fizeram a guerra, em detrimento dos governos que votavam na ONU contra os ataques.
Com o desaparecimento ou diminuição dessas empresas, suas concorrentes norte-americanas e europeias encontrarão um enorme mercado disponível por aqui.
Em julho de 2015, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou uma estimativa segundo a qual o Brasil necessita de investimentos em infra-estrutura da ordem de uns 2 trilhões de reais em 10 anos.
Naturalmente, às empresas estrangeiras seria muito melhor que, antes de ocuparem as lacunas oferecidas pela Lava Jato e pelos governos neoliberais, as leis trabalhistas fossem desregulamentadas, os sindicatos desmantelados ou emasculados, e houvesse, enfim, um ambiente mais permissivo para exploração do trabalho e envio do lucro para suas matrizes.
A guerra não-convencional e o golpe podem ser um ótimo negócio para alguns de seus patrocinadores no exterior!
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Links para algumas das fontes citadas:
http://www.al-akhbar.com/sites/default/files/pdfs/Special_Forces_Report.pdf
1º artigo de Pepe Escobar: https://www.rt.com/op-edge/337411-brazil-russia-hybrid-attack/
1º artigo de Pepe Escobar: https://www.ocafezinho.com/2016/03/31/brasil-e-russia-sob-ataque-de-guerra-hibrida/
U.S. GAO – Hybrid Warfare: http://www.gao.gov/assets/100/97053.pdf
http://www.nato.int/docu/review/2014/Also-in-2014/Deterring-hybrid-warfare/EN/index.htm
https://www.ocafezinho.com/2016/07/22/sergio-moro-municia-adversarios-da-petrobras-em-londres-com-dados-sigilosos-da-lava-jato/[/s2If]