(Charge: Latuff)
Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
Há algumas semanas estávamos eu e dois amigos indo jogar futebol na Zona Leste de São Paulo. O padrão aparente de renda dos bairros e das residências vai diminuindo e um deles comenta: “aqui a Rota atira antes de perguntar”.
Esse episódio é revelador: a percepção do autoritarismo e da seletividade penal do Estado é generalizada. Em São Paulo, coração do conservadorismo brasileiro, temos a tempestade perfeita.
O estado, que comanda as polícias civil e militar, é governado pelo PSDB há mais de 20 anos. O nome do partido permanece o mesmo, mas os tempos da social democracia ficaram para trás. A aproximação com a extrema direita nos últimos tempos, especialmente desde a eleição de 2014, levaram os tucanos a apoiar pautas arcaicas como a redução da maioridade penal, defendida por Aécio Neves e seu vice, Aloysio Nunes, na última campanha.
A repressão violenta aos protestos – só os da esquerda, os da direita são brindados com absurdos como o fechamento da Av. Paulista para meia dúzia de coxinhas, como aconteceu no dia seguinte ao episódio da divulgação dos áudios de Lula por Sérgio Moro – é um padrão do governo Alckmin e do seu ex-secretário de segurança pública e atual ministro da justiça, Alexandre de Moraes. Não esqueçamos que os protestos de junho de 2013 tiveram seu estopim na repressão desmedida da PM a um ato do Movimento Passe Livre.
A Rota, considerada a polícia mais letal do país, é paulista. No ano passado o seu comandante foi substituído sob críticas por não ter conseguido diminuir as mortes provocadas por policiais. O novo comandante assumiu afirmando que “não tolera vagabundo”. Promissor.
O procurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Gianpaolo Smanio, por sua vez, está em perfeita sintonia com a visão autoritária de Estado dos tucanos. É próximo de Alexandre de Moares, já tendo escrito livros com o ministro da Justiça interino. Em entrevistas à Folha e ao Estadão defendeu que os meios de investigação só podem ser fortalecidos e nunca limitados; a prisão após a sentença condenatória em segunda instância; a manutenção da repressão ao tráfico e da resposta penal ao problema das drogas.
Negou que o MP de São Paulo seria condescendente com o governo estadual: “Temos ações propostas contra todas as questões trazidas: o cartel de trens, o Metrô, a merenda”. Não foi questionado sobre o motivo pelo qual não foi indiciado nenhum político no caso de suborno da Alstom.
Perguntado sobre o porquê de ainda não ter sido ouvido o presidente da Assembleia, Fernando Capez, e seus assessores, suspeitos no escândalo da merenda, respondeu que “Estamos na fase investigativa. Vamos ouvi-los no final dessa etapa”.
A última frase da entrevista à Folha é para sacramentar o entrosamento com o PSDB: “Não tenho dúvida de que o impeachment segue as regras constitucionais de solução”.
Folha e Estadão, os maiores jornais do estado, sustentáculos da ditadura militar e fiadores do golpe de 2016, completam o mosaico do conservadorismo paulista. Para se ter uma ideia, uma das perguntas do Estadão a Gianpaolo não foi uma pergunta, mas a seguinte afirmação: “Com frequência surgem projetos que buscam enfraquecer o Ministério Público”. Levantada de bola de dar inveja à seleção de vôlei, não?
PSDB, mídia velha e Ministério Público são os grandes representantes da visão conservadora de Estado: inchado na área penal, para proteger a propriedade privada, e mínimo na economia, para que os detentores do capital tenham que lidar o menos possível com os absurdos cometidos pelo Estado, como cobrança de impostos dos mais ricos e distribuição de renda. São Paulo sente na pele os efeitos dessa sintonia macabra.