Por Miguel do Rosário, editor-chefe do Cafezinho
Recentemente, tivemos a oportunidade de entrevistar a presidente Dilma Rousseff, e ela afirmou, com todas as letras, que agora existem elementos concretos para se discutir o papel da mídia na produção das nossas crises políticas, e, sobretudo, a sua participação no golpe de Estado de 2016.
Não se passaram nem duas semanas e um escândalo jornalístico, envolvendo o principal jornal impresso do país, confirma as observações da presidenta.
A Folha não apenas escondeu números consolidados de sua própria empresa de pesquisa, o Datafolha, como distorceu (ou mesmo inverteu) o que apurou, oferecendo ao leitor uma versão completamente mentirosa da realidade.
Mesmo com o desmascaramento do escândalo, há um fator trágico em tudo isso. Walter Benjamin escreveu o clássico “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica”, no qual explicava como a técnica podia ser usada para mascarar ou diluir conteúdos artísticos, inclusive aqueles de teor revolucionário. Poderíamos parodiá-lo, e falar em “A Mentira Jornalística na Era de sua Irreversibilidade Política”. Sim, porque a mentira da Folha tinha um objetivo, que foi cumprido: subsidiar todo o sistema nacional de comunicação, o qual funciona, por aqui no Brasil, como uma espécie de cartel, fortemente hierarquizado, controlado ideologicamente pelos grupos Globo e Folha. A intimidade entre Globo e Folha é tão grande que ambos, na contramão das regras mais básicas do capitalismo concorrencial, são donos siameses de um mesmo jornal, o Valor.
Quem vai agora deletar das consciências as manchetes mentirosas reproduzidas em milhares e milhares de sites de notícias e programas de rádio e TV, de que 50% dos brasileiros querem a continuidade do governo Temer até 2018?
Glenn Greenwald, em artigo publicado hoje à tarde sobre a fraude da Folha, enfatiza a magnitude desse escândalo jornalístico, visto que ele se dá justamente diante da maior crise política de toda uma geração.
É, portanto, o maior escândalo jornalístico de toda uma geração. A mentira é veiculada semanas antes da votação final do impeachment pelo Senado, e visa naturalmente consolidar o golpe.
A explicação da Folha piora a situação. O editor do jornal diz que:
“o resultado da questão sobre a dupla renúncia de Dilma e Temer não nos pareceu especialmente noticioso, por praticamente repetir a tendência de pesquisa anterior e pela mudança no atual cenário político, em que essa possibilidade não é mais levada em conta.”
O cinismo é avassalador! Se o resultado não era relevante, por que a Folha deu MANCHETE justamente à mentira de que apenas 3% queriam novas eleições?
Além do mais, a Folha induziu o leitor a acreditar numa realidade política exatamente oposta ao que os números diziam. Isso é jornalismo?
O espanto de Glenn Greenwald, assim como de outros correspondentes estrangeiros no Brasil, é interessante porque tem um sabor jovem, novo. Eles estão genuinamente perplexos com o descaramento da nossa imprensa.
A blogosfera monitora há tempos o golpismo, o cinismo e a delinquência dos nossos grandes meios de comunicação. Não estamos surpresos.
Em sua matéria, Glenn Greenwald menciona e elogia o trabalho do Tijolaço e de seu editor, Fernando Brito – que escreveu hoje um post explicando como descobriu a patranha da Folha.
A grande imprensa brasileira é, de fato, agente protagonista do golpe. Essa fraude é apenas mais uma prova.
Outra prova é o absoluto boicote imposto à Dilma Rousseff e aos eventos dos quais ela participa.
O Tribunal Internacional pela Democracia no Brasil, ocorrido nos últimos dias 19 e 20, com presença de renomados juristas estrangeiros, foi solenemente ignorado pela grande imprensa. Se fosse qualquer evento em favor do impeachment, todos os canais de tv estariam presentes.
Entre os números escondidos pelo Datafolha, temos o seguinte gráfico, que traz um dado surpreendente. Mesmo com a incrível manipulação das notícias, com o boicote absoluto à Dilma e a todos os eventos contrários ao golpe, 39% dos brasileiros consideram que o impeachment está desrespeitando as regras. Ora, está claro que, se as notícias não fossem tão acintosamente fraudadas, esse percentual poderia explodir – o que seria fatal para o golpe.