Fotos: Maurício Nahas e Miguel Lebre
No melhor estilo metralhadora giratória, Ciro Gomes não poupa ninguém
Em meio ao caos político, Ciro Gomes volta com a contundência habitual: propõe mudanças radicais na condução da economia, só tem palavras duras (e palavrões) para os adversários e roda o Brasil denunciando o impeachment que, para ele, não só é golpe, mas também pode significar a dissolução da Constituição
por Fábio Dutra e Nataly Costa, para a Revista PODER
É difícil pensar que os garotos da rua de baixo se atrevessem a arrumar confusão com algum dos irmãos Ferreira Gomes em Sobral, interior do Ceará. É que dos cinco filhos (só uma menina) do ex-prefeito da cidade José Euclides Ferreira Gomes, defensor público já falecido, três entraram para a política e nenhum deles se notabiliza pelo temperamento tranquilo. Ivo, o mais novo, e que deve ser candidato à prefeitura de Sobral este ano, já foi notícia quando respondeu com palavrões a um internauta que criticou sua gestão na Secretaria de Educação de Fortaleza. Cid, ex-governador do Ceará, causou uma saia justa para a presidente Dilma Rousseff quando, recém-empossado ministro da Educação, subiu no parlatório da Câmara para acusar o presidente da Casa, o então todo-poderoso Eduardo Cunha, de “achacador” – quando ninguém ainda tinha coragem de dizê-lo em público. Custou-lhe o cargo. E Ciro… ah, o Ciro!
Pouca gente faz tanto jus ao nome. Ciro quer dizer “aquele que tem autoridade”. Foi Ciro, o grande, imperador da Pérsia, quem conquistou a Babilônia. E Ciro, o Gomes, não costuma fugir ao enfrentamento. Ao longo de 36 anos de vida pública, seu nome virou quase sinônimo de destempero, para a alegria dos repórteres. Eles voltam à redação com pérolas como “Eduardo Cunha é um f.d.p.”, “José Serra é um traidor em si mesmo” e “Michel Temer é o vice-bandido da nação” (e Cunha, o bandido-mor, que fique claro), algo que qualquer outro tubarão mais cauteloso seria incapaz de soltar. Para PODER, cravou que “Lula decidiu brincar de Deus”. Assim, vai se consolidando como um dos últimos representantes do folclore que sempre marcou a grande política brasileira, pródiga em frasistas do porte de Leonel Brizola, Jânio Quadros e Paulo Maluf. Se bem que a língua afiada já rendeu maus frutos ao paulista – sim, Ciro nasceu em Pindamonhangaba em uma das vezes em que seu pai se mudou a trabalho. A mais famosa, de longe, foi a entrevista durante a campanha de 2002, em que afirmou que a função de sua então mulher, a atriz Patrícia Pillar, seria a de dormir com ele. Reage: “Foi uma piada infeliz, fruto da minha formação machista e pela qual me desculpei. Como não tenho escândalos, isso hipernovelizou. Por que não olham como tratei as mulheres no poder? Sou o único prefeito e governador do Brasil que teve metade do secretariado formado por mulheres. Trocar isso por uma piada de mau gosto? Terei de pagar para sempre? Pagarei. Mas nesse ponto , ponho um f…”. Vai encarar?
ALFABETO
PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB, PROS e, agora, PDT. Não há conversa de botequim sobre Ciro Gomes que não esbarre na sopa de letrinhas de sua trajetória partidária – que ele mesmo define como “tragédia”. Contudo, garante o político, os partidos é que mudaram, não ele. Nem sempre é o que pensam os militantes das legendas que abandonou. De todas as mudanças, três foram muito ruidosas – a saída do PSDB, em 1996, durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso; do PPS, porque escolheu seguir fiel a Lula quando seu partido foi para a oposição, em 2005; e em 2013, quando preferiu endossar Dilma a apoiar a candidatura de Eduardo Campos. Roberto Freire, presidente do PPS, partido pelo qual Ciro foi candidato em 1998 e em 2002, é duro: “Não tenho nenhuma relação com ele. Rompemos com o PT porque fomos contra a política econômica e o aparelhamento do Estado, mas ele preferiu desrespeitar a decisão de um partido que lhe permitiu ser candidato a presidente duas vezes. Ele é de acordo com os próprios interesses , nunca se sabe de que lado vai estar. Mas paro por aqui: não costumo discorrer sobre ele”, ataca. Mas Ciro, afinal, tem condições de ser presidente? “Se Lula e Dilma foram, por que não?”, ironiza o comunista arrependido. FHC fez uma pausa na maratona de entrevistas semanais que costuma dar mundo afora quando soube que a pauta era o mais velho dos Ferreira Gomes. Preferiu não se pronunciar. Luizianne Lins, deputada e ex-prefeita de Fortaleza pelo PT, protagonista do rompimento do diretório municipal do partido com os Ferreira Gomes, não poupa críticas: “Ciro Gomes é um grande embuste, filho da política tradicional e um camaleão político por puro oportunismo. É um homem perigoso para o Brasil. Quem o conhece sabe”. Em um vídeo na internet, de 2012, ele chama a ex-prefeita de “arrogante”.
CIRÃO DA MASSA
Talvez a intempestividade, o grande calcanhar de aquiles do ex-ministro, seja também a razão de ter se tornado recentemente uma espécie de celebridade entre os jovens. Se para o cientista político Cláudio Couto o “mercurial” temperamento de Ciro atrapalha sua condição de homem público, “já que o eleitor espera uma pessoa mais serena”, para os universitários Ciro parece encerrar em si uma luta que há muito os anestesiados jovens não estão acostumados a ver. Para eles, Ciro é o que entusiasma. PODER esteve em uma palestra que ele proferiu no mítico Teatro Oficina, do libertário teatrólogo José Celso Martinez Corrêa, e presenciou cenas de tietagem explícita da garotada. O postulante a uma eventual candidatura do PDT ao posto máximo da República já ganhou até uma página bem-humorada dedicada a si, a famigerada – e divertida – Cirão da Massa. Desde um “Roda Viva” de 1995, quando ainda era discípulo de Mangabeira Unger, em que dá aulas de economia ao jornalista Luis Nassif (mesma entrevista em que afirma que tem “tudo diferente do Brizola”, fundador do partido em que milita e que o apoiou em 2002, indicando o vice Paulinho da Força: “Deus me livrou e livrou o país disso”, é o que diz Ciro em relação ao quase vice), a um vídeo em que prevê a derrubada de Dilma Rousseff por Eduardo Cunha já em 2014, tudo o que fala viraliza com fúria. Jura de pés juntos que não faz força para isso nem tem contato com os autores das paródias. “A espontaneidade dessa molecada emociona a um velho como eu, não quero atrapalhar”, diz, aos 58 anos.
Juventude gosta de lenha na fogueira. Mas juventude também aprecia ideias, ainda mais se forem bem expostas, qualidade indubitável do polêmico Ciro Gomes. “Ele tem um discurso no limite da retórica. Repercute, é hábil com as palavras e serve a esse momento em que as pessoas estão órfãs de um discurso sincero. Porém, gera tantos admiradores quanto inimigos, o que dificulta o apoio de vários setores”, acredita o cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira, que ainda sustenta que ficar fora do governo o deixou com “mais paixão do que razão” – bom como observador, mas pernicioso como gestor.
É A ECONOMIA, ESTÚPIDO!
Paixões à parte, seu discurso econômico encanta serpentes de plateias de todos os tipos. Advogado de formação mas bem enveredado pela economia – na academia e em governos –, Ciro é talvez o único a levantar questões cruciais de qualquer projeto de desenvolvimento, caso do perfil da dívida pública – “serve às 10 mil famílias mais ricas do país e acaba com a produção” – e da desindustrialização – defende o Nordeste como lugar de oportunidade para combater nosso déficit de US$ 120 bi nessa área. O professor Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda de José Sarney e criador da teoria do neodesenvolvimentismo, vê as postulações de Ciro com bons olhos. “Ele está certo em várias ideias, mas só conhece metade do dilema. Há que se falar da apreciação demasiada do câmbio no longo prazo em países intermediários, com picos de desvalorização, o que mina a competitividade. Mas estarei com ele em um workshop que estou organizando e vou explicar a parte que falta”, brinca. Bresser ainda defende os esforços de Ciro por Dilma, concorda com sua nomenclatura “a fiadora da democracia”, e encerra: “Não tenho voto ainda, mas ele é um candidato a ser observado. É um bom político e isso já é grande coisa nesse momento, o país precisa disso”. Será que Ciro Gomes conquistará a Babilônia que o Brasil virou?
A seguir, os principais pontos da entrevista que Ciro Gomes concedeu com exclusividade a PODER:
IMPEACHMENT: Não faltam razões para não gostar do governo Dilma, mas o impedimento se dá quando é cometido, pessoalmente e dolosamente, crime de responsabilidade. Governo ruim não é crime de responsabilidade. Não cometeu nem as pedaladas, porque isso se apura no exercício e ela encerrou 2015 com todas as contas pagas. É mero pretexto, como em 1964. Na ocasião, o Auro de Moura Andrade, um Renan Calheiros da época, presidente do Senado, declarou vaga a Presidência da República alegando que Jango tinha fugido do país. Sobre essa base mentirosa se ergueu um castelo de cartas: Ranieri Mazzilli, o Eduardo Cunha de então, era o último da linha sucessória, convocou eleição indireta – já tinha se passado dois anos da eleição – e Castelo Branco foi eleito no Congresso Nacional – com voto de JK, que acreditou na mentira de que seria apenas para terminar o mandato. Hoje ninguém duvida que foi golpe. Naquela época o STF também declarou a legalidade de tudo aquilo, exatamente como estão fazendo hoje.
DILMA: É honrada e a fiadora da democracia. Mas não tem treinamento para a política e se cerca mal. Nomeou o Levy, que não é um quadro brilhante – trabalhei com Persio Arida, Gustavo Franco, Edmar Bacha… sei quem é brilhante mesmo sendo conservador – e está na ancestralidade da falência do Rio de Janeiro. Caso o golpe se consume, ela crescerá muito como referência de firmeza. Aliás, é impressionante que a sociedade brasileira aceite o nível de mesquinharia de proibi-la, ainda presidente, de andar nos aviões da FAB, enquanto o Eduardo Cunha anda pra cima e pra baixo, um marginal afastado pelo STF. E cortar comida do palácio, como se a Dilma estivesse comendo 60 mil por mês no maior luxo. Há um destacamento de 50 homens do Exército morando lá! Nunca quis viver pra assistir a isso. É justa a queixa da corrupção, do desmantelo do governo, mas não é possível que não saibam separar uma coisa da outra.
LULA: É o responsável por entregar parte da administração aos ladravazes da República. Temer já era essa figura pequena e moralmente indefensável quando Lula o colocou na linha sucessória. Disse-me que não daria Furnas a Eduardo Cunha “de jeito nenhum” e no dia seguinte o nomeou – inclusive me afastei por isso. Dilma também deu a Cunha a vice-presidência da Caixa Econômica Federal, onde ele levantou uma propina de R$ 52 milhões. Nada justifica, porém, a violência que o Lula tem sofrido. Foi ilegal a condução coercitiva: só pode levar debaixo de vara, como se diz no Ceará, quem se negou a obedecer a intimação.
SÉRGIO MORO: Tem um papel importante, mas pode estar sendo manipulado por ser muito jovem e a política ser mais complexa do que ele consiga perceber. Começou a aceitar o incenso, essa coisa de ir pro estrangeiro de gravatinha-borboleta… Juiz bom é o severo, aquele que não vai nem ao bar para não dizerem qualquer coisa. Certas ilegalidades cometidas na Lava Jato abrem brecha para a anulação de muita coisa lá na frente, como aconteceu na Satiagraha. O delegado herói de então (Protógenes Queiroz) está exilado, com ordem de prisão, e os acusados estão livres porque as nulidades destruíram as evidências reais. Nos Estados Unidos, divulgar gravação de um presidente da República dá até pena de morte. Moro sabe que violou a lei e tinha obrigação de destruir as gravações.
GOVERNO TEMER: Salvo o Henrique Meirelles (de quem discordo, mas é meu amigo), justiça seja feita: esse governo é um misto de incompetência com bandidagem. O povo tem razão de estar zangado, porém o desastre de um governo ilegítimo se projeta para 20 anos, enquanto um mau governo passaria em dois. E é a maior frouxidão fiscal que eu já vi.
ECONOMIA: Defender o mandato da Dilma e ao mesmo tempo criticar o desastre que foi seu governo tem me deixado na maior solidão. O desemprego saltou de 6% para 11%, a dívida pública galopou, os juros mais altos do planeta. A próxima crise é do setor financeiro: ninguém paga ninguém, é a maior inadimplência da história. Sabe quem mica com a quebra da Oi? O Estado. Os bancos privados empurraram todos os créditos para os públicos, como de praxe. Este país está sendo assaltado há muito tempo, e o sintoma disso não é um tríplex cafona no Guarujá. Agora vem essa emenda constitucional para congelar a despesa primária, deixando os juros, que é a maior despesa corrente, por fora. Um governo ilegítimo, precário, aproveitando a perplexidade do momento, pode congelar o gasto primário por 20 anos! Se fizerem, é o caso de ir lá quebrar tudo, porque isso é a revogação da Constituição de 1988.
SUDESTE MARAVILHA: O Nordeste tem tudo para ser o polo da reindustrialização. O Centro-Oeste tem renda per capita maior que a do Sudeste. O agronegócio e a mineração têm R$ 90 bilhões de superávit e são satanizados pelo ambientalismo difuso. A Marina Silva bate neles, o PT empurra esse povo para a direita. E são eles que pagam o conforto nacional.
PARTIDOS: Minha vida partidária é um desastre. Minha única defesa é que eu fico na minha, os partidos é que mudam radicalmente. Mas Serra também já foi de quatro partidos; Marina Silva, essa flor de pessoa, mudou três em três anos, tudo por projeto pessoal. Mas só a mim perguntam… Vim para o PDT para mobilizar as pessoas e defender a democracia. Vou pensar mil vezes antes de ser candidato.
JOSÉ SERRA: Obcecado pelo poder, traidor da própria memória. Ninguém quer bem a ele. Agora resolveu, escorado no interesse estrangeiro e no golpe, forçar a mão para ser o FHC do Itamar. Mas está muito longe de calçar o sapato do charmosíssimo Fernando Henrique, e o Temer também não é Itamar – que era decente, um grande estadista.
MARINA SILVA: É séria, mas não compreende o Brasil. Vocês acham que eu não gostaria de não ser polêmico? Adoraria ser homenageado pelo Greenpeace, mas tenho de defender o país. Sou a favor da BR-163, que liga Santarém a Cuiabá e vai tornar a produção de soja do Centro-Oeste a mais competitiva do planeta. A Marina era radicalmente contra, até que foi lá comigo – somos amigos – e voltou com a cabeça virada. A “indiarada” toda pedindo a BR! É muito bom ter ar-condicionado central, Hospital Israelita Albert Einstein, e querer para os outros, em abstrato, o atraso.
TEMPERAMENTO: Não vou mudar meu jeito. Fico p… da vida com esse fru-fru aristocrático. Já viu o Cunha sendo chamado de ladrão? Ele olha para o outro lado. Essa é a elegância que a elite brasileira gosta. Tenho longa biografia e ocupei muitos cargos, mas na pauta de vocês nunca vai aparecer a pergunta “como o senhor explica tanto dinheiro no seu patrimônio”– e olha que é dever de vocês me fustigar. Por isso olho para trás e digo “no regrets!”.
TRABALHO NA CSN: Finalmente ganho o salário que eu sempre achei que merecia. O Benjamin Steinbruch (diretor-presidente da empresa) não fica bravo quando falo de juros e das 10 mil famílias mais ricas. Ele e todos os empreendedores brasileiros sabem que estou certo. Defendo um projeto nacional que defina o protagonismo do país, começando por uma moeda estável, algo que não se consegue com esses saltos de desvalorização cambial. É só ir lá ver o balanço da CSN: liderada por ele, lucrou R$ 4 bilhões no auge da recessão, mas no fim teve queima de caixa por conta de juros.
ROTINA: Moro em São Paulo com meu filho Yuri, vou a pé para a CSN, tenho uma vida pacata. Gosto de boemia, mas com moderação. O Gael (filho mais novo, de 8 meses, que mora em Fortaleza) foi uma luz.