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Reformar para resgatar o senso político e ampliar a participação da cidadania

Infelizmente, nenhum governo pós-ditadura pode elaborar um projeto de reforma política, muitas vezes por falta de maioria e outras vezes por falta de vontade política enviado por Marilza de Melo Foucher, de Paris Certamente existe um desencanto político no Brasil. Existem muitas decepções com o modo de fazer política, e como os ditos representantes do povo lidam […]

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Infelizmente, nenhum governo pós-ditadura pode elaborar um projeto de reforma política, muitas vezes por falta de maioria e outras vezes por falta de vontade política

enviado por Marilza de Melo Foucher, de Paris

Certamente existe um desencanto político no Brasil. Existem muitas decepções com o modo de fazer política, e como os ditos representantes do povo lidam com o poder… Talvez falte a maioria dos políticos uma educação tanto para entender o poder como para exercê-lo em uma democracia. O Poder Legislativo é composto de partidos políticos superficiais, sem princípios ideológicos, com legendas sem nenhuma representação. A maioria se caracteriza como “camaleônica” capaz de mudar várias vezes de partidos e se adaptar às circunstancias.

O golpe parlamentar deflagrado contra a Presidente Dilma Rousseff mostrou para o mundo um espetáculo digno de uma republiqueta bananeira e envergonhou milhares de brasileiros. Centenas de canais de televisão, jornais, rádios e sites de todo o mundo mostraram o triste espetáculo, era tão ridículo e surrealista que dificultava a narrativa dos jornalistas internacionais. Como explicar que os maiores corruptos votavam em nome da moralidade publica para destituir uma presidente honesta? Como explicar que o papel constitucional poder judiciário brasileiro? Como explicar que a grande mídia brasileira estava envolvida como parceira deste triste espetáculo? O poder legislativo foi alvo de sátiras, galhofas, assim como de indignação, sua imagem se degradou completamente.

Infelizmente, nenhum governo pós-ditadura pode elaborar um projeto de reforma política, muitas vezes por falta de maioria e outras vezes por falta de vontade política. Existe uma pulverização do sistema partidário no Brasil que dificulta a formação de maiorias nas assembleias estaduais e no Congresso Federal.

Os poucos partidos com princípios ideológicos são de esquerda e centro-esquerda, todavia, com raras exceções eles pouco se mobilizaram para mudar o funcionamento do sistema político. O pior é que diante do caos generalizado da política no Brasil, os partidos progressistas de base filosófica são incapazes também de construir estratégias de ação para apresentar uma candidatura única para a presidência da Câmara. Em geral é diante do trágico que a união passa a ser uma exigência. Porém vimos de modo perplexo uma esquerda dispersa e confusa, sem nenhuma estratégia política face aos conservadores da direita, aos grupelhos neofascistas e fundamentalistas presentes hoje na casa dita do povo. Em vez de se reunir para analisar a situação depois da renuncia de Cunha, e de se indagar sobre certas questões fundamentais: Como agir diante deste cenário? Qual seria a pessoa indicada para a Presidência nesse período de crise? Infelizmente, o que se assistiu foi uma esquerda dispersa e confusa. Ela sofreu uma derrota e desgastou sua credibilidade junto aos militantes pela postura confusa e por suas divisões.

Logicamente a derrota era previsível face ao bloco hegemônico da direita, (DEM-PSDB-PPS-PSB), todavia, a esquerda unida teria mais força para enfrentar o cenário de desmonte do estado democrático. Ela deveria entender que dentro do contexto de crise de representatividade do congresso ser minoria combativa, melhoraria a imagem e credibilidade junto aos militantes, e resgataria o senso de fazer política. Bastaria levar em conta, que o congresso brasileiro atualmente não representa a diversidade do povo brasileiro, a maioria dos brasileiros não se sentem representados.

Esta crise de representatividade fragiliza a democracia brasileira, pois os cidadãos estão hoje relegados como atores passivos.

Esse congresso hoje é o retrato da deformação do sistema político brasileiro. A cidadania democrática prevista na Constituição de 1988 exigia a participação dos cidadãos, entretanto, o resultado é que a maioria no parlamento atual rasgou a Constituição. Os processos de tomada de decisão não contemplam o debate público e não refletem as preocupações dos cidadãos. O desrespeito aos partidos minoritários é total, assim como das entidades que integravam as comissões. Temos um Legislativo incapaz de dar vazão às demandas, de permitir que os problemas e insatisfações coletivos sejam discutidos. O caos político é hoje generalizado.

Desafios para a esquerda

Diante da ofensiva brutal das forças conservadoras não se deve vacilar em construir pontes que facilite a união das forcas progressistas e populares. A esquerda tem que construir um discurso político pedagógico e uma nova pratica no modo de fazer política. Torna-se imprescindível que a esquerda busque extrair todas as lições da conjuntura política nacional.

O Brasil hoje tem uma direita e extrema direita organicamente articulada para impor não só um modelo econômico neoliberal para o Brasil, mas de executar sua ideologia. Ou seja, existe uma ideia normativa que associa um projeto socioeconômico a regras e valores. Esta ideologia hoje é uma evidência. Basta ver as medidas tomadas pelo o Presidente provisório e ler suas declarações e de seus ministros, todos sem distinção pregam a mesma cartilha: Os defensores do neoliberalismo argumentam que se as pessoas não são capazes de pagar certos serviços básicos porque eles são muito pobres ou incapazes de encontrar um trabalho decente, eles devem assumir a responsabilidade. Eles que se virem! Nada de lhes proteger ou ser solidários, pois o Estado e a sociedade não devem promover a dependência e o assistencialismo.

Esta visão estreita dos problemas sociais ignora o fato de que o sistema econômico atual deixado a si mesmo não oferece uma verdadeira igualdade de oportunidades, além de provocar conflitos e acirrar a luta de classes. O Estado deve assegurar o bem estar para todos.

Interessante a leitura da cientista política Wendy Brown para entender as entranhas desta ideologia. Se a racionalidade neoliberal coloca o mercado para o primeiro plano, hoje no projeto neoconservador para o Brasil, a ideologia neoliberal não se encontra somente centrada na economia; ela consiste na ampliação e disseminação dos valores de mercado em matéria de política social e envolve todas as instituições do Estado, mesmo que o mercado conserve como tal sua singularidade. A política então fica submetida a uma racionalidade econômica. O que esta em jogo hoje é uma mudança radical de um projeto de sociedade que a esquerda timidamente vem construindo há mais de uma década. Logicamente com todas as imperfeições muitas pautas de reivindicações oriundas de lutas foram postas em praticas. Podemos dizer que houve certos avanços no reconhecimento dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Levando em conta o ambiente social e político degradado e uma democracia sob ameaça urge que a esquerda, centro-esquerda e demais forças progressistas deste país possam ter convergência para explicar de modo pragmático e pedagógico o que representa uma ideologia neoliberal e suas consequências; Porque ela fragiliza o papel do estado democrático e porque ela rompe com políticas de inclusão social e de solidariedade. Além disso, a esquerda deve se dotar de reflexos dialéticos para entender as contradições entre os neoconservadores brasileiros e a ideologia neoliberal, principalmente no tocante a nebulosa ordem moral e civil.

Os valores da esquerda são opostos a esta ideologia pautada no egoísmo dos homens, no interesse pessoal. Trata-se de defender uma visão humanista do mundo que deposita confiança no individuo e acredita na generosidade entre os seres humanos. A esquerda defende uma democracia não apenas como um regime na garantia dos direitos fundamentais. A democracia política como a democracia da cidadania implica a criação de espaços onde a contradição se expressa e onde se age em conseqüência; Serão nesses espaços que poderemos discutir um projeto de sociedade pautado num eco desenvolvimento alternativo.

“Nem só de sol é feito o dia…

Encontrarás abruptos caminhos

O terreno de certeza será árido.

Atravessarás deserto…

Entretanto, nos caminhos de pedras,

Boas surpresas te esperam

Da aridez da terra nascem magníficos cactos…

A brisa da aurora vem sempre acariciar seus duros espinhos,

Eles desabrocharão em ternura germinando beleza.

Entre pedras o belo também se reproduz…

No horizonte surge sempre um arco-íres

Que virá compartilhar a beleza com os cactos em flores.

Então a esperança renascerá

E entre pedras continuarás a caminhar

Assim é a utopia…”

( Teimosia dos utópicos-Marilza de Melo Foucher-2005)

Marilza de Melo Foucher, é economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil, em Paris

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