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Entrevista: Renato Cinco, vereador do Rio pelo PSOL

Por Lia Bianchini, especial para O Cafezinho Quando se fala em Renato Cinco, a população carioca pode remeter imediatamente à legalização da maconha. Desde 2005 participando da organização da Marcha da Maconha, o vereador do PSOL é um dos principais representantes da pauta. Definindo-se como ecossocialista libertário, Cinco fez de seu primeiro mandato na Câmara municipal um […]

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Reprodução - Facebook Renato Cinco

Por Lia Bianchini, especial para O Cafezinho

Quando se fala em Renato Cinco, a população carioca pode remeter imediatamente à legalização da maconha. Desde 2005 participando da organização da Marcha da Maconha, o vereador do PSOL é um dos principais representantes da pauta. Definindo-se como ecossocialista libertário, Cinco fez de seu primeiro mandato na Câmara municipal um porta-voz das causas sociais.

Nesta entrevista, o vereador fala ao O Cafezinho sobre momento político atual, eleições, drogas e Olimpíadas. 

 

O Cafezinho: Em junho de 2013, o aumento do preço da passagem do transporte público foi o estopim para grandes manifestações que tomaram todo o país e culminaram em críticas aos governos federal, estadual e municipal. Em 2016, houve não só aumento do preço da passagem, como também um golpe de Estado. Mas, se formos comparar, a quantidade de manifestações nas ruas em 2016 é consideravelmente inferior à de 2013. As chamadas jornadas de junho serviram para politizar ou despolitizar a sociedade?

Renato Cinco: Olha, eu não sei se já dá pra gente chegar a grandes conclusões. A gente está olhando tudo muito de perto ainda. O que vai acontecer nos próximos anos é o que eu acho que realmente vai ajudar a gente a responder a essas questões.

Mas o que eu acho que ocorreu em junho de 2013 é o somatório de duas coisas. Por um lado, nós tivemos durante muito tempo uma política econômica que estabeleceu uma espécie de “ganha-ganha” no país: todas as classes sociais estavam ganhando com a política do primeiro mandato do Lula e até o período do primeiro mandato da Dilma (os mais pobres tiveram Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida; pra classe média, o aumento real do salário mínimo, os trabalhadores formais tiveram esse impacto, a classe média com acesso a crédito mais barato; e a burguesia ganhando mais do que nunca, inclusive, aumentando a desigualdade no país nesse período, porque a parte mais rica abocanhou a maior parte do crescimento no governo Lula). Agora, esses ganhos não foram acompanhados, vamos dizer assim, de ganhos mais estruturantes pra vida das pessoas. Então, os moradores de favelas continuaram a morar em favelas sem saneamento básico, metade da população brasileira continua trabalhando na informalidade, a gente não teve avanços na saúde e na educação pública, então, isso tudo, essa política do ganha-ganha teve uma capacidade de amortecimento muito grande, mas a vida das pessoas não mudou, de fato.

Quando a crise econômica mundial chega ao Brasil (que é um pouco atrasada em relação ao resto do planeta, porque a nossa crise começa com o desaceleramento da economia chinesa, que aí faz cair o preço das commodities), a política do ganha-ganha não é mais possível e através da Agenda Brasil, o governo PT começa a estabelecer uma política de arrocho sobre os trabalhadores e as trabalhadoras pra atender aos interesses do grande capital de manter suas taxas de lucro. Então, a gente chega a uma situação em que aqueles ganhos se esvaem muito rapidamente, porque eles não são estruturais, eles não reestruturaram a vida das pessoas.

Ao mesmo tempo, a gente tem a primeira geração de movimentos sociais, pra falar de uma maneira mais ampla, do pós-ditadura militar, que não foi ganha para a política através do campo político do PT e de seus aliados. Durante muito tempo, as pessoas querendo fazer movimento estudantil, movimento sindical, se insurgir contra a desigualdade social no país viam no PT, na CUT, na UNE, no PCdoB instrumentos de mobilização social. Esses partidos e movimentos sociais, durante o governo Lula, adotaram uma política de contenção das lutas sociais. E aí acho que houve um descolamento entre a juventude e esses instrumentos tradicionais de organização de esquerda no país.

Então, essa juventude que vai pra rua em 2013 é uma juventude profundamente insatisfeita com a situação econômica do país e sem referência política definida (não estava ganha naquele primeiro momento nem pela direita nem pela esquerda). Eu acho que essa disputa, na verdade, continua acontecendo. E os setores tradicionais da política não estão conseguindo ganhar as novas gerações.

Eu prestei atenção nas manifestações pró e contra o impeachment da Dilma e elas tinham uma faixa etária muito alta. As manifestações a favor do impeachment tinham média de 44 anos; as manifestações contra o impeachment tinham média de 38. A juventude de junho não foi pra rua nem a favor nem contra o impeachment. Onde a gente tem encontrado a juventude de junho? Em diversos movimentos sociais do país, eu acho que especialmente no movimento em defesa da escola pública, ocupações estudantis, solidariedade à greve dos profissionais de educação. A gente percebe uma adesão muito grande em lutas pontuais, como, por exemplo, a luta em defesa da Vila Autódromo. E a gente também, infelizmente, tem visto setores que participaram das jornadas de junho participando da rearticulação da extrema direita no país. Inclusive algumas figuras icônicas daquelas manifestações, como o Batman, por exemplo, que ficou famoso nas manifestações e hoje é um dos principais porta-vozes da extrema direita na cidade.

É como se a gente tivesse um deslocamento…o centro político que se configurou no Brasil pós-ditadura militar, acho que acabou se descolando das novas gerações. Então há o crescimento tanto dos movimentos sociais mais combativos, da extrema esquerda, como também o crescimento da extrema direita.

 

E esse deslocamento da juventude seria com a política institucional em si ou só com esses setores da esquerda que foram governo nos últimos anos?

RC: Olha, eu acho que tem uma rejeição generalizada aos partidos políticos no Brasil. Ela não é novidade, mas ela se acentuou muito nesse período recente. Porque os principais partidos políticos no país foram experimentados no poder e nenhum deles conseguiu mudar estruturalmente a vida da população. Então acho que há um esgotamento desses partidos construídos no período pós-ditadura militar. Agora, a maioria da população brasileira acho que continua inerte politicamente. Acho que uma minoria da população é ativa politicamente. Esse setor minoritário, hoje, acho que ele se sente menos representado pelos partidos políticos do que ele jamais se sentiu. Mas ele também não se sente representado por instituições tradicionais dos movimentos sociais, como o sindicalismo, por exemplo.

 

Em sua opinião, quais foram os principais erros do PT que fizeram com que o impeachment acontecesse?

RC: Eu acho que o principal erro do PT foi ter rasgado o programa democrático popular e ter abraçado um programa de continuidade dos fundamentos macro-econômicos da política do Fernando Henrique Cardoso. O PT, como se diz, capitulou. Ele foi um partido político construído pela resistência ao regime militar, pelos setores oprimidos da sociedade, mas fez um governo conservador. Um governo que tentou dourar a pílula do neoliberalismo, mas que não fugiu dos princípios fundamentais do neoliberalismo. Em outros aspectos também rompeu com seus princípios históricos. Por exemplo, o PT não apresentou nenhuma medida no sentido de fazer uma reforma tributária no país que pudesse encerrar o nosso sistema de tributação regressiva e estabelecer o programa de tributação progressiva. O Estado brasileiro antes do PT, durante o PT e depois do PT continua arrecadando seus impostos principalmente dos pobres e da classe média e gastando seus impostos principalmente com o pagamento da dívida pública que remunera 2% das famílias mais ricas do país.

A questão dos direitos humanos, por exemplo, foi uma das coisas que mais me doeu, como ex-militante do PT. A gente passou décadas debatendo com os reacionários no Rio de Janeiro, negando a ideia de que a solução para a segurança pública fosse a ocupação militar das favelas. “Colocar tanques em cima dos morros”, era o discurso dos reacionários. Quem colocou tanque em cima dos morros? Foi o governo PT. As forças armadas sobem os morros do Rio de Janeiro a partir de um decreto de uma operação de garantia da Lei da Ordem, assinada pelo presidente Lula pessoalmente. Era em parceria com o governo do PMDB do Rio de Janeiro, mas a decisão de envolver as forças armadas, fazer a ocupação do Complexo do Alemão, foi uma decisão do governo do Partido dos Trabalhadores.

O PT participou dos governos do PMDB no Rio de Janeiro, do governo Sergio Cabral e do governo Eduardo Paes. Esses governos implementaram uma lógica de militarização radical, a sociedade está muito mais militarizada hoje do que era antes, com a ocupação dos morros através das UPPs.

E isso, do ponto de vista da disputa da juventude com a direita, é muito ruim. Porque imagina o seguinte: durante pelo menos duas décadas, o PT, o PCdoB, a CUT, a UNE eram o contraponto aos discursos da direita. Então, a direita dizia que tinha que ocupar a favela com tanque, essa esquerda política dizia que não. Quando essa esquerda política ocupa a favela com tanque, quem é que diz que não tem que ocupar? Praticamente ninguém. A crítica fica restrita à oposição de esquerda ao governo, que é muito pequena até hoje no país. Então, isso consolida uma espécie de pensamento único. Quando a gente diz assim (durante décadas): precisa ter auditoria da dívida pública, a dívida pública é um problema para o país, o PT dizia isso; quando o PT assume o governo e faz, por exemplo, aquela operação midiática de pagar a dívida com o FMI, que era uma dívida pequena, de juros baixo, de longo prazo, era, inclusive, do ponto de vista econômico, a última dívida que devia ser paga, mas como era com o FMI eles fizeram uma operação midiática em parceria com o que eles chamam de imprensa golpista, com a Rede Globo, pra dizer “acabou o problema da dívida no Brasil, pagamos o FMI”. Até hoje a gente encontra a militância próxima ao PT e tem que discutir isso. A dívida pública deixou de ser majoritariamente externa e passou a ser majoritariamente interna, mas ela continua sendo um problema, a gente continua pagando dívida injusta, com juros elevados, dívidas de empresas que foram transformadas em dívida pública, nada disso foi resolvido.

Você me perguntou qual foi o maior erro do PT…é uma catástrofe, na verdade, não é um erro. É uma capitulação política dos principais instrumentos de organização de defesa dos interesses da classe trabalhadora. A classe trabalhadora ficou desarmada, sem ter como inclusive fazer o debate político a respeito de seus interesses. E isso vem acompanhado a uma política de garantia à governabilidade, sufocando os movimentos sociais, fazendo com que os movimentos sociais mobilizadores passassem a ser movimentos sociais desmobilizadores e, ao mesmo tempo, fazendo aliança com a direita tradicional. Nessa aliança, a gente vê o PT capitular ao avanço do fundamentalismo religioso, quando não faz enfrentamento ao fundamentalismo religioso, ao contrário, se alia, coloca o fundamentalismo religioso na base do governo, pra garantir a governabilidade e ainda ajuda a eleger parlamentares da chamada bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia). É possível, eu até agora não vi ninguém fazendo esse estudo, que a maioria dos deputados que votaram a favor do impeachment foram eleitos em aliança eleitoral com o PT.

Então, o PT fez um processo de traição de classe, mudou a classe social que ele representa: foi construído e eleito representando a classe trabalhadora e governa representando a burguesia, o alto capital do país. E muda sua base de sustentação: deixa de ser os movimentos sociais e passa a ser a direita tradicional. Com isso, ele nos desarma e permite esse avanço da direita, inclusive, o golpe.

 

As eleições municipais deste ano vão acontecer em meio às discussões sobre a votação do impeachment no Senado. Como o cenário político nacional vai interferir no municipal?

RC: Eu acho que vai interferir mais do que nunca. As eleições municipais normalmente são “eleições paroquianas”, inclusive, no Rio de Janeiro predomina a lógica de eleger o vereador/prefeito síndico, e a gente vai ter uma eleição em que esse debate nacional vai ter um peso importante. E isso é uma mudança considerável e eu não sei exatamente como as campanhas e os eleitores vão se comportar frente a essa questão. É uma novidade de fato. Então, é difícil antecipar o que vai acontecer.

 

Você acha que a extrema direita tem chance real de ser eleita para um cargo majoritário?

RC: Não, eu acredito que eles não tem chance. Inclusive, eu acho que a família Bolsonaro vem prestando um papel importante para a sociedade brasileira, que é colocar nu o que é ser de direita. A família Bolsonaro representa um setor muito minoritário da nossa sociedade, que é tão fechado, com propostas tão conservadoras e tão reacionárias como as deles. Inclusive, eu acho difícil encontrar um eleitor do Bolsonaro que concorde com tudo que ele fala. Ele aglutina um setor de extrema direita que vem com uma cara muito dura, muito claramente protofascista, então acho que eles não conseguem, pelo menos na configuração atual da sociedade brasileira, vencer eleições majoritárias na grande maioria dos municípios do país e em nenhum estado eles ganhariam e não ganhariam nacionalmente.

 

No Rio, há uma discussão grande sobre a necessidade de unificação das chapas de esquerda concorrentes à prefeitura. Na sua opinião, a unificação seria o ideal ou foi uma decisão correta manter as candidaturas próprias?

RC: Eu acho que a gente precisa manter a coerência. Eu sou a favor da unidade da esquerda, tanto partidária como dos movimentos sociais, que fizeram e fazem oposição ao governo Eduardo Paes, ao governo Cabral e Pezão. O PT participou de todo o processo de construção do governo Cabral e da eleição do Pezão. E continua participando da prefeitura do Rio de Janeiro, apesar de oficialmente o partido ter entregue os cargos, vários militantes do PT continuam exercendo cargos na administração do Eduardo Paes. E também não adianta dizer “ah agora eu mudei de ideia, eu saí agora”. Eu acho que o PT não vem se comportando – nacionalmente e muito menos regionalmente – como um partido de esquerda. E o PCdoB, como sua linha auxiliar principal, também não.

Então, eu acho que é uma falácia a gente falar em unidade de esquerda no Rio de Janeiro incluindo o PT e o PCdoB no hall da esquerda. Eu acho que nós precisamos ter unidade programática. Quem apoiou, implementou os programas dos governos Lula, Dilma, Cabral, Pezão e Eduardo Paes não implementou um programa de esquerda, não defendeu um programa de esquerda na nossa sociedade. Então, acho que essa aliança tem que ser do ponto de vista institucional com o PCB e com o PSTU, em termos de partidos institucionais, e com as dezenas, centenas de movimentos sociais organizados que têm na cidade e fizeram um enfrentamento com essa política que foi implementada pelo PMDB, PT e PCdoB.

 

Você é conhecido pela luta pela legalização da maconha. Uma das principais críticas a essa pauta é que ela seria puxada por pessoas que não são as mais prejudicadas pela guerra às drogas (que seriam pessoas brancas, de classe média/média alta). Então, eu queria que você explicasse qual é a forma de legalização que você defende.

RC: Em primeiro lugar, eu acho que há muito preconceito na avaliação de quem participa, de quem luta no movimento pela legalização da maconha. A marcha da maconha acontece em Ipanema e, assim como a Parada do Orgulho Gay (que ocorre em Copacabana), é muito claro que a grande maioria das pessoas que participam da marcha não são de moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro.

Acho que as pessoas têm muita dificuldade em compreender a praia do Rio de Janeiro. As pessoas veem a praia como um espaço elitizado. Eu gosto de brincar dizendo que só não vai à praia no Rio de Janeiro no fim de semana dois grupos: a extrema esquerda ultra-radical, que não quer se encontrar com a burguesia, e a burguesia, que, pra quem não sabe, frequenta a praia de segunda a sexta-feira (sábado e domingo, a burguesia vê como o dia da farofada invadir a praia). Se você olhar um estudo sobre quem frequenta as praias do Rio, você vai ver que a maioria dos frequentadores no fim de semana não são moradores da Zona Sul nem da Barra e do Recreio. E a gente percebe isso na própria marcha [da maconha].

Existe uma configuração espacial em Ipanema em que os pontos de ônibus para a Zona Norte ficam mais próximos do Arpoador. A marcha começa no Jardim de Alah e conforme ela se desloca em direção ao Arpoador, ela cresce quando chega no Posto 9 e cresce de novo quando chega no Posto 8, quando entra a juventude mais pobre, a juventude da Zona Norte. Além disso, as pessoas que forem às reuniões da marcha da maconha, por exemplo, vão ver também que a maioria da militância não é de playboys da Zona Sul. E a marcha já vem acontecendo na Baixada Fluminense. Já aconteceram várias edições em Nova Iguaçu, já aconteceram edições em São Gonçalo, na Ilha do Governador e eu acho que, na verdade, de fato, a classe média não está preocupada com a legalização da maconha, porque a classe média está fumando maconha, os ricos estão fumando maconha livremente. Quem sofre realmente com a proibição são os trabalhadores, que vivem nos territórios controlados pelo tráfico e que recebem toda a sorte de violência estatal no controle desses territórios. Então, existe, claro, uma adesão da classe média a essa pauta, a essa luta, como existe uma adesão da classe média a várias outras pautas e lutas que elas não sofrem mais na pele do que outros setores da sociedade.

 

E qual seria a maneira ideal de acabar com a guerra às drogas?

RC: Eu acho que precisa haver a regulamentação do mercado de drogas. Na verdade, algumas drogas são proibidas. A grande maioria das drogas circula livremente na sociedade. A droga que mais faz mal à saúde da população, a gente tem uma dificuldade enorme de convencer as pessoas de que ela é uma droga, que é o açúcar. Pela definição da Organização Mundial de Saúde, o açúcar é uma droga, causa dependência e problemas na saúde. Algumas drogas são proibidas, mas a proibição dessas algumas não funciona do ponto de vista de impedir a circulação dessas drogas. A proibição não funciona, ela provoca violência, provoca corrupção, provoca existência de um mercado bilionário, fora de controle e, é claro, a gente não acredita que a legalização das drogas vai resolver todos os problemas da violência, todos os problemas da corrupção, mas a gente consegue desmontar o que hoje é a principal fonte de violência e de corrupção no Brasil e em vários outros países do mundo, que é o tráfico de drogas.

 

Desmontar o tráfico de drogas não geraria como problema a falta de atividades para realocar essas pessoas que sobrevivem do tráfico?

RC: É difícil dizer exatamente o que vai acontecer. Mas, hoje, a economia do tráfico é perversa. A guerra às drogas cria o discurso que criminaliza os traficantes e que em sociedades como o Brasil leva os traficantes a serem enquadrados na categoria dos matáveis. Acho que hoje no Brasil, a maioria da sociedade concorda com a execução extra-judicial de traficantes.

Ao mesmo tempo, cria-se uma economia que faz do tráfico o melhor pagador das favelas. Então, se você for traficante, você vai morrer. Mas, sendo traficante, você vai ter a maior renda possível. Isso captura a juventude. Como é um crime muito capitalizado, leva ao armamento, à disputa armada do controle desse mercado. Então, você acaba criando, inclusive na relação entre o tráfico e as favelas, uma situação parecida com a de uma polícia política. Porque você tem um desequilíbrio de poder dentro das favelas e tudo que desagrada ao tráfico de drogas é reprimido pelo tráfico de drogas.

Então, uma mobilização social contra o projeto de desapropriação, por exemplo, são inúmeras as denúncias que nós recebemos do tráfico de drogas pressionando famílias pra aceitarem indenizações inadequadas pelas suas propriedades, em função do tráfico não querer confusão com a polícia dentro da favela, porque vai atrapalhar os negócios.

O tráfico cumpre um papel muito duro junto às comunidades. Se a gente cortar o financiamento do tráfico de drogas, a gente vai ter, claro, uma situação de queda na renda das pessoas. Mas em troca do que? Em troca do desarmamento? Em troca de o tráfico de drogas ter menos condições de recrutar, ter menos condições de colocar o jovem de uma favela como inimigo do jovem de outra favela? Agora as pessoas alegam: “não, mas essas pessoas vão todas virar criminosas, vão assaltar, vão roubar”. Isso é muito questionável. Em primeiro lugar, a grande maioria das pessoas envolvidas com o tráfico de drogas não usa armas, elas trabalham em funções variadas (de ser vapor, de ser olheiro), as pessoas que têm essa relação com o tráfico dificilmente vão, de uma hora pra outra, criar a disposição pra assumir uma conduta violenta, não é assim. A pessoa se transformar em um criminoso violento é um processo que envolve, em geral, inclusive, ela sofrer muita violência (ela está devolvendo essa violência pra sociedade). Então, isso não é uma mágica assim.

Segundo lugar, não existe até hoje na história nenhuma atividade criminosa que seja tão rentável como o tráfico de drogas e que possa substituir o tráfico de drogas. Enquanto a cocaína não chegou às bocas de fumo do Rio de Janeiro, o crime tinha um 38, uma pistola, uma 12, no máximo, o crime não era capitalizado o suficiente pra ter o armamento de guerra que tem hoje e nem a capacidade de recrutar (que hoje é até menor do que já foi no início dos anos 90, que o tráfico pagava ainda melhor do que paga hoje). Então, eu acho que é equivocado imaginar que o crime conseguiria substituir o espaço do tráfico de drogas com facilidade.

Agora, eu acho também que a gente deve tomar medidas, ter políticas públicas pra tentar fazer com que essas pessoas se formalizem no mercado, tenham uma alternativa de sobrevivência, inclusive, acho que a gente pode pensar numa legalização de bocas de fumo. Claro, não com a configuração que elas têm hoje, mas tentando absorver o máximo possível dessa mão de obra.

 

E já existem discussões nesse sentido?

RC: Olha, eu acho que a gente pode ver a descriminalização do uso de drogas acontecer por iniciativa do Supremo Tribunal Federal depois que passar a turbulência política do impeachment. Já começaram a votar, já foram três votos. Dois favoráveis e um contra (na verdade, um só a favor da descriminalização da maconha e não de outras drogas). No Congresso Nacional, não temos nenhuma chance de vermos passar qualquer projeto progressista libertário com a configuração atual e dificilmente em 2018. Sem querer prever a configuração política até lá, mas as coisas não costumam mudar tão rápido a ponto de a gente imaginar uma mudança muito grande. E o Executivo podia resolver tudo, porque a proibição das drogas chama-se de lei penal em braco, porque eles estabelecem a punição, mas quem faz a lista é a Anvisa, não é o Congresso. Então, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, se quiser, pode reclassificar as drogas proibidas, colocar em outras categorias e já amenizar bastante a situação.

Mas se com Lula e Dilma não houve nem a possibilidade de isso acontecer, de ser discutido, imagina com o Temer. Não sei se você sabe disso, mas o primeiro a ser demitido do governo Dilma, foi demitido antes de assumir. Foi anunciado que o Pedro Abramovay seria o Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas, aí ele deu uma declaração na imprensa dizendo que queria acabar com a pena de pequenos traficantes e foi exonerado antes de ser nomeado.

 

Ainda falando sobre drogas, o álcool é uma das mais viciantes e uma das mais nocivas aos usuários. Ainda assim, seu consumo não é tão criminalizado socialmente quanto o da maconha. Por que acontece essa diferenciação?

RC: Eu acho que isso tem a ver com as origens culturais. Nós somos fruto de uma sociedade hegemonizada pelo cristianismo. Existem setores do cristianismo que negam a utilização do álcool, mas o álcool está presente na tradição cristã, nos evangelhos, a partir do milagre da transformação da água em vinho, por exemplo. Então acho que o cristianismo e o álcool têm uma relação milenar.

A maconha já chega no Ocidente cristão principalmente a partir do período das grandes navegações. Mesmo existindo maconha na Europa antes disso, por questões climáticas e ambientais ela não era utilizada como psicotrópico, ela era uma fonte de fibra para os europeus. Eles plantavam a maconha pra produzir a fibra do cânhamo. Já na África existia o hábito de fumar maconha. Então, nas Américas, esse contato se dá a partir dos negros escravizados trazendo o hábito de fumar maconha pra dentro de uma sociedade hegemonizada pelo cristianismo.

Inclusive, a primeira legislação proibindo a maconha no mundo é uma postura municipal da cidade do Rio de Janeiro, de 1830, que dizia que é proibido aos escravos e outras pessoas o “pito do pango”. Essa lei é uma pista boa de quem é que se estava querendo criminalizar com a criminalização da maconha. Depois, no início da República, chegou a operar na cidade do Rio de Janeiro uma delegacia de polícia chamada inspetoria de tóxicos e mistificações. E essa delegacia prendia o maconheiro, o sambista, o capoeirista, o pai de santo, todos os traços da cultura negra estavam criminalizados no Brasil do início do século XX.

Outras drogas também não têm origem no cristianismo nesse hall de substâncias proibidas. Os opiáceos são uma tradição do Oriente, não estão na cultura cristã; a cocaína é uma invenção da cristandade, porque é da empresa Merk, mas a partir da utilização de uma planta que fazia parte das tradições andinas; a ayahuasca faz parte das tradições indígenas. Então, na verdade, nessa questão da política de drogas também estão imbuídas as questões culturais que têm a ver com a relação entre a dominação cristã e os outros povos do planeta.

 

Vamos falar um pouco sobre as Olimpíadas. Com a vinda dos Jogos para o Rio, ficou latente a dicotomia entre direitos humanos e economia. Nunca se investiu tanto no Rio, mas nunca os direitos humanos foram tão desrespeitados. Era possível que o projeto do Rio para as Olimpíadas tivesse sido voltado para a população carioca e não para o mercado?

RC: Acho que era possível, sim. Por exemplo, no início do debate sobre as Olimpíadas virem para a cidade, havia uma discussão, uma defesa por arquitetos, economistas de que a concentração maior dos equipamentos olímpicos fosse na Zona Portuária e não na região do Autódromo de Jacarepaguá. Fazer no Autódromo de Jacarepaguá é utilizar a estrutura dos Jogos Olímpicos pra uma lógica antiga do Rio de Janeiro de expansão da zona rica da cidade pra regiões oceânicas.

Então, o poder público expulsa os pobres, investe na infraestrutura, as empreiteiras ganham dinheiro com isso, a especulação imobiliária ganha bilhões (porque eles sabem pra onde vai ser a expansão, vão estocando terrenos e quando chega o investimento público há uma grande valorização da área).

Fazer as Olimpíadas na Zona Portuária significava utilizar a infraestrutura dos Jogos Olímpicos pra adensar a ocupação de uma região já infraestruturada, não precisaria derrubar o meio-ambiente nem fazer tantos investimentos públicos com saneamento, com vias públicas, iluminação, e poderia usar esses investimentos pra moradias também de baixa renda. Lá na Barra, estão fazendo só moradias de luxo, a Vila dos Atletas vai virar um condomínio com apartamentos acima de R$ 1 milhão.

E mais: trazer população para a Zona Portuária é importante, inclusive, pra gente enfrentar o problema de mobilidade urbana, porque um dos grandes problemas do Rio de Janeiro é que 60% da população mora na Zona Oeste e lá só tem 6% dos empregos, então há um deslocamento muito grande da população.

A prefeitura tinha que investir, na verdade, em adensar a região da Zona Portuária, usar as Olimpíadas pra isso e permanentemente estar adensando uma região da Zona Norte mais próxima ao Centro, que tem capacidade de crescimento populacional ainda, que é a macro-zona de ocupação estimulada da cidade.

Então, por uma lógica de evitar a expansão às áreas preservadas, de evitar uma expansão que dificulta a mobilidade, de evitar investimento público em função de interesses da especulação imobiliária, a gente teria que ter um modelo de Olimpíadas bem diferente. Do ponto de vista dos transportes, por exemplo, o grande investimento foram os BRTs. Se as Olimpíadas fossem na Zona Portuária, o grande investimento poderia ser no metrô, na rede ferroviária federal, que atenderia às demandas da comunidade.

Eu acho que seria possível, mas num outro contexto do país. Nesse contexto que a gente está vendo, além de toda essa questão de usar as Olimpíadas pra favorecer a especulação ainda tem os problemas de como foram feitas as obras, os contratos, que ainda têm que ser investigados.

 

Qual será o verdadeiro legado olímpico?

RC: O legado é para os empreiteiros e pra especulação imobiliária, que vão ficar com todo o ouro. Independente de quem ganhar as medalhas de ouro, o ouro ficou com eles.

 

Pra finalizar, quais serão os grandes desafios da próxima gestão da prefeitura do Rio de Janeiro?

RC: A prefeitura do Rio pode enfrentar problemas orçamentários graves nos próximos anos, porque está havendo queda de arrecadação, por conta da crise econômica. E também houve o endividamento de mais de R$10 bilhões por conta das Olimpíadas nesse período do mandato do Eduardo Paes. E essa conta começa a ser paga ano que vem. Então, a gente suspeita que, a partir de 2017, mas especialmente de 2018, a gente pode começar a ver uma situação na cidade do Rio de Janeiro semelhante à que a gente está vendo no estado do Rio, que é a dificuldade de fechar as contas.
A gente precisa, por exemplo, de uma política de reforma tributária, pra cobrar impostos dos ricos e também de reversão das isenções fiscais, que são muitas, tanto no município como no estado, que é dinheiro que deixa de entrar pra garantir o funcionamento da máquina pública.    

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Macaquinho feio do bananal

19/07/2016 - 23h03

deus me livre votar em um cara da esquerda.

João Luiz Brandão Costa

19/07/2016 - 18h35

O PSOL deveria fazer um auto crítica, de sua participação e ações nos movimentos de 2013. Foram as ruas por um motivo, mais um pretexto, a reboque do movimento Passe Livre de São Paulo, que , aliás, refluiu e retratou-se quando viu que mais tarde foi acaparado por instâncias das direitas golpistas. O mesmo se deu aqui. E o PSOL, inclusive por motivos eleitoreiros paroquiais ajudou a caixa de ressonância, sob a qual mais adiante, se apoiou a direita golpista. De resto falar em juventude, onde eu a vi foi nos blackblocks. O resto foi no Leblon, os golden boys contra Cabral. De povo, só os da rocinha, com a exploração da morte do pedreiro. No centro tinha o pessoal sindicalista do Freixo, enquadrado por Sininho por agentes provocadores da direita, como Sininho. O movimento aqui no Rio só teve a intensidade do de São Paulo, quando polarizou contra Cabral. Quanto ao Batman, só um desavisado poderia dizer que ele mudou de lado. Foi desmascarado no Leblon, bem antes da reeleição de Dilma, num rolezinho furado que visava o shopping. Tem filme. É só ver. Vomitou em público seu fascismo enraizado. Foram sim, um dos precursores do Fora Dilma. É tarde, Inês é morta. Agora, que cagou prá todo mundo, querem pousar de vítimas. Ora faça-me o favor.
P.S. O PT também, com figuras como Ruy Falcão, tem muita culpa da queda do nosso governo popular socialista [ou pelo menos, algo no rumo]., mas isso é outra longa história.


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