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por Carlos Eduardo, editor do Cafezinho
Honestamente, esta eleição americana tem tudo para ser a mais idiota de todos os tempos.
Donald Trump e Hillary Clinton, candidatos dos partidos Republicano e Democrata, respectivamente, foram nomeados em convenções e primárias profundamente equivocadas, repleta de erros e manipulação.
Tanto Clinton, quanto Trump, são oriundos da mesma elite plutocrata que os norte-americanos já conhecem há décadas e ambos, sem em exceção, são rejeitados por uma parcela considerável de correligionários.
No campo democrata, Hillary Clinton não é bem vista por alguns dos eleitores de Bernie Sanders, que enxergam nela uma oportunista, obcecada pelo poder.
Uma das piadas mais recorrentes desta campanha era de que Clinton mudava seu discurso de acordo com a plateia. Ela também foi a candidata das primárias que mais recebeu doações de Wall Street. O oposto de Bernie Sanders, que ao longo das primárias defendeu o fim do financiamento empresarial de campanha.
Em tese, podemos imaginar que um eventual governo Hillary Clinton será mais do mesmo, a manutenção do neoliberalismo, com alguma reforma aqui e outra acolá, mas nada que altere de verdade o status quo.
Ela só foi nomeada porque contou com a ajuda dos superdelegados, uma maluquice que os democratas inventaram em 1969, depois que um candidato liberal e progressista, com ideias consideradas de ‘esquerda’ para a época, foi eleito candidato à presidência da república em 1968, batendo todos os adversários por larga margem de diferença, impedindo deste modo a realização de um segundo turno.
Os democratas perderam o pleito do mesmo ano, o republicano Richard Nixon foi eleito presidente, e para nunca mais repetir o erro de permitir candidaturas consideradas de ‘esquerda’ ou ‘reformadoras demais’ os líderes democratas inventaram o sistema de superdelegados, bastante antidemocrático por sinal.
Os tais superdelegados nada mais são do que os deputados, senadores e governadores, além de alguns medalhões do Partido Democrata. Sozinhos eles são capazes de eleger quem quiserem, pois atualmente cerca de 15% dos delegados democratas são superdelegados, mas seus votos correspondem por 30% do total.
Sem o empurrão dos superdelegados, Hillary Clinton provavelmente teria passado sufoco com Bernie Sanders.
A mídia pró-democrata, como a CNN, também favoreceu sua candidatura ao criticar as propostas de Sanders como ‘utópicas’, ‘radicais’, ‘fora do orçamento’ do Estado e por ai vai…
No outro lado do ringue, Donald Trump desperta o ódio dos líderes republicanos, trapaceados em seu próprio jogo pelo empreiteiro popstar, famoso por demitir pessoas na televisão.
A cobertura da campanha de Trump nas primárias foi uma das coisas mais patetas e imbecis que já vi na vida.
Não apenas a mídia alinhada com os republicanos, como a Fox News, mas também todos os demais canais de notícias 24 horas, como ABC News, CBSN, CNBC, CNN e MSNBC, dedicaram horas e horas de sua programação aos impropérios e bizarrices de Donald Trump.
Sua campanha polêmica bateu recordes de audiência e as emissoras se deliciaram com o fanfarrão rumo à Casa Branca. Vale tudo em busca de Ibope.
Segundo reportagem do New York Times, o tempo de TV dedicado à Trump pelos canais de notícias se somado custaria US$ 2 bilhões de dólares. Enquanto seus adversários desembolsaram uma fortuna em anúncios na TV, Trump recebeu uma cobertura 24 horas por dia, sete dias por semana, sem gastar um tostão.
Lembro de uma primária em que Donald Trump e Bernie Sanders venceram. Interessado em saber mais sobre o assunto, liguei na CNN. A emissora transmitia ao vivo um palco vazio, onde Trump se pronunciaria a qualquer momento. Ao mesmo tempo Sanders realizava seu discurso de vitória, mas a CNN mostrava uma imagem reduzida no canto da tela e mantinham apenas o áudio. Se não bastasse, o discurso de Sanders era interrompido o tempo inteiro para o apresentador do jornal ‘informar’ que a ‘qualquer momento Trump subiria no palco para seu discurso da vitória’. Faz sentido isso?
Programas de comédia no estilo Fake News tornaram-se melhores fontes de informação que boa parte do noticiário. Comediantes como John Oliver, Stephen Colbert, Seth Meyers, Trevor Noah e Larry Wilmore demonstraram isso ao longo da campanha.
Quando as emissoras perceberam o monstro que haviam criado, já era tarde demais.
Como explicitei no artigo ‘Os motivos que levaram americanos e brasileiros a apoiar políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro’, a classe média norte-americana está de saco cheio da globalização, da perda de direitos trabalhistas e poder econômico proporcionado pelo neoliberalismo, e da eterna crise que parece não ter fim.
Trump foi sábio ao se apropriar da hipocrisia republicana e incrementá-la com doses de nacionalismo, xenofobia, preconceito e, principalmente, um discurso antiglobalização que agradou muitos eleitores.
Não estranhem se nas próximas eleições os republicanos criarem, eles também, um sistema de superdelegados para que um candidato como Donald Trump jamais se repita.
Nas últimas semanas Trump se aproximou de Hillary Clinton, e de acordo com a média de pesquisas do RealClearPolitics, agregador de notícias que realiza os melhores levantamentos nos Estados Unidos, os dois se encontram num empate técnico. Clinton tem 43,8%, frente a 41,1% de Trump, apenas 2,7% pontos de diferença.
Às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016, o Brasil sofre um golpe de Estado e a tão sonhada Olimpíada do Rio de Janeiro, a primeira a ser realizada na América do Sul, corre sérios riscos de ser um fiasco; no Reino Unido, o ultranacionalismo egoísta de direita vence o plebiscito do ‘Brexit’; na Europa, o fascismo avança e ataques terroristas tornaram-se frequentes. No dia seguinte a mais um atentado na França, somos surpreendidos por um golpe de Estado na Turquia, transmitido ao vivo pelo YouTube, Twitter e Facebook.
A sede por petróleo dos norte-americanos devastou o Oriente Médio. Líbia, Iraque e Síria não podem mais ser considerados países, no estrito significado do termo. Xiitas, sunitas, curdos, Estado Islâmico e rebeldes sem causa lutam entre si e contra forças estrangeiras, enquanto o mundo assiste ao maior êxodo de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial.
Diante de tudo isso, faço lhes a seguinte indagação: Donald Trump tem alguma chance de ser eleito presidente dos Estados Unidos da América? Claro, é 2016 e o mundo está de cabeça pra baixo.