Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho.
A situação vivida no Brasil hoje viola a tal ponto qualquer princípio de realidade, que não podemos entende-la sem a engenharia do inconsciente das classes médias, lapidado pela mídia nos últimos anos. Sem isso não conseguimos explicar como fatos tão insólitos, como esse de corruptos veteranos liderarem um golpe para “combater a corrupção”, sejam aceitos e comemorados por esses grupos.
Um golpe dado pela força combinada da mídia, do judiciário, de políticos afundados na corrupção até o pescoço, e de setores empresariais, derrubou um governo democraticamente eleito e o fez contrariando a Constituição. Para tentar legitimá-lo e conferir a ele um verniz de legalidade, se pôs em prática artimanhas as mais ridículas e risíveis. Dentre elas, a de juntar os depoimentos de alguns ministros do STF para nos dizer que o impeachment está na Constituição e, portanto, não é golpe.
Com a mesma lógica se pode dizer que, se o assassinato em legítima defesa está no Código Penal, quem mata não comete crime. Ora, nem todo assassinato é em legítima defesa. A maioria dos homicídios, não se enquadra nessa etiqueta. Há um abismo, uma distância enorme, entre um princípio ou lei estar na Constituição ou no Código Penal e aplicar-se em um caso concreto. O argumento de que o impeachment está na Constituição e por isso não é crime, é do tipo publicitário, fabricado pelo marketing da Globo, e viola todas as leis da argumentação jurídica ou política. Ele se destina a um público zumbi.
O mundo da propaganda nos incita a consumir sem pensar, e não a problematizar ou refletir.
Esse público foi fabricado por décadas de lixo televisivo, de empobrecimento da percepção e da capacidade de problematizar. Diferente dos que nunca tiveram acesso à educação, eles tiveram e têm, mas as toxinas da mídia extinguiram neles a capacidade de pensar. Em seu lugar, receberam um implante duo core de ódio e amor, acionado à distância por slogans publicitário-políticos:
– O PT acabou com o Brasil; bandido bom, é bandido morto; direitos humanos, para humanos direitos; Direitos dos héteros estão sendo violados; Negro é feio e loiro é bonito; Beleza são as “musas” expostas no açougue dos Portais; Tem gente que tem cara de pobre; Ele saiu da pobreza mas a pobreza não saiu dele, etc.
Esse catálogo de idiotices só funciona porque tem como dispositivo afetivo o dueto de ódio e amor. Sem o ódio que cega, e sem as projeções amorosas incitadas pela mídia, não funcionaria. É impossível ignorar que as massas do golpe amam os objetos, os valores sociais, os ambientes, que o marketing e a mídia os ensinaram amar. Eles amam tudo que lembra poder e riqueza, como os ambientes de luxo que veem nas novelas. Um índice interessante disso é a decoração de residências da classe média e alta, que passou há algum tempo a seguir o modelo clean da decoração e do mobiliário das empresas.
Um modelo sem memória, sem lugar para nichos de fotos de família, de objetos disparatados que se coleciona ao longo da vida, e que resguarda a experiência, para montanhas de livros nas salas, etc. No lugar disso, uma TV tela plana às vezes até excessiva para as dimensões do ambiente, que garante ‘imagem limpa’, e móveis de MDF ou MDP lembrando a fria e plana (isto é, sem história) sala de espera de uma empresa. Já os móveis fabricados em ‘madeira de demolição’, por exemplo, com proposta artesanal e irregular, que buscam um certo ar de interior ou de tradição, irritam alguns segmentos da classe média.
Há uma libido treinada para adular os vitoriosos, que se tornou um reflexo condicionado depois de 15 anos de reality shows, com disputas por liderança e vitória no final. Os vitoriosos sociais, os ricos, são os depositários naturais desse treinamento pavloviano de identificação com os vencedores. E que agora mobilizam camadas e mais camadas de desejos amestrados, orientados por uma ardente identificação com o poder e os poderosos.
Esse amor pela empresa bem sucedida, pelo espírito capitalista (mas esvaziado de espírito), pelos vencedores – sejam os dos reality shows, sejam os dos Vale-tudo – é um ativo enorme em favor do golpe. À começar pelo fato de que, desde o início do segundo mandato de Dilma, a presidente apareceu sob o signo da derrota: seu governo começou com uma demonstração de vulnerabilidade, ao ser esmagada na Câmara com a vitória de Eduardo Cunha.
No último capítulo encenado pelo golpe no Congresso, agora no dia 14, assistimos às maquinações e articulações de compromissos para a eleição do presidente da Câmara. O primeiro ato de Rodrigo Maia, horas depois de ser eleito, foi prestigiar Aécio Neves, e retirá-lo do monte de escombros sob o qual se encontrava soterrado por toneladas de denúncias. Ou seja, o capital de vitória de Maia foi mobilizado como dispositivo técnico para a desinfecção de Aécio.
Esse é um bom exemplo de como a libido da vitória passa a ser tecnicamente mobilizada pelo golpe. Aécio, estava sumido fazia semanas, enquanto as denunciações premiadas em que era citado iam se avolumando. Suas fotos tinham sido banidas das homes e portais. Um silêncio de morte pairava sob seu nome, como se nunca tivesse existido. Raras eram as menções positivas. Então, de repente, adentra a cena política como se em momento algum houvesse se ausentado.
É nesse quadro de mundo da fantasia tosco, como uma versão do antigo programa de Xuxa para adultos zumbis, que o golpe evolui e se afirma. Só a nova subjetividade publicitária da classe média, permite entender essas viradas bruscas e absurdas. E só ela explica que um golpe tão desprezível vá ganhando ares de uma manobra política vitoriosa. A última pesquisa do DataFolha, que diz que 50% dos entrevistados estão satisfeitos com Temer e apenas 32% querem a volta de Dilma, segue exatamente a estratégia de conferir verdade àquilo que aparece como vitorioso.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.
cesar a giometti
21/07/2016 - 10h39
Bom texto, uma análise perfeita da atual situação capacidade de pensar(?) dos brasileiros, alimentados pelas notícias que a mídia veicula. Por acompanharem o que acontece(?) pela mídia, que diz bobagens com uma desenvoltura fulminante e irresponsável, bateram palmas para eduardo cunha, como defensor da luta contra a corrupção, palmas para romero jucá, acham que temer vai fazer um governo para a classe média, tudo isso porque não são capazes de entender que tuberculose pega, riqueza não. Se você conviver com um tuberculoso sem os devidos cuidados e higiene, poderá ser contaminado. Já com a riqueza, trinta anos de convivência não tornarão rico. E a classe média sonha com o alçamento ao degrau acima…
Roberto Santana
20/07/2016 - 20h14
Nunca me submeti ao consumo desenfreado por causa da mídia, o meu computador deve estar fazendo 8 anos e funciona redondo apesar de alguns drivers está desatualizado, até os fabricantes de placas de computador entram nessa roda viva pois não disponibilizam atualizações para placas antigas, mais enquanto der vou continuar usando o meu velho computador, só troco algum item em casa se estiver estragado ou com defeito, nunca por moda, acho que por isso já conheci vários países a economia é substancial.
Roberto Santana
20/07/2016 - 20h02
BIANA, eu ia escrever algumas palavras, mais você disse tudo, fiquei perplexo quando soube de trabalhadores batendo panela, o nosso empresario é o mais desonesto que existe, aposta sempre no caos porque é aonde ele lucra mais. Se você trabalha em uma empresa e o dono está sonegando algum imposto, denuncie, se você é servidor publico a mesma coisa, não deixe um chefe colocado pela politica cometer atos ilícitos, aqueles que ocupam cargos de políticos tem que ser vigiados constantemente, o Ministério publico esta ai pronto pra investigar.
Biana
19/07/2016 - 00h37
Muito apropriado o texto do colunista.
Eu acho incrível quando vejo as bancadas ditas “cristãs conservadoras” entrelaçadas com a Rede Globo, a mesma que anunciou com alarde a transmissão do primeiro beijo gay da TV brasileira, e que agora anuncia a da primeira transa gay. Como essa manipulação é eficaz….
Na sala de espera do dentista, senti vontade, mais uma vez de esperar lá fora, pois tinha uma TV ligada no Jornal Hoje. Como é uma segunda-feira, tem a matéria sobre emprego e aquelas dicas patéticas de como ser completamente submisso, mas estava uma pérola hoje. Falou de como se preservar no emprego em tempos de crise. Disse que não é para reclamar, que é hora do empregado ceder, fazer sua parte no sacrifício, ficar até mais tarde, “flexibilizar”, e ainda colocou “aquele” exemplo do “seo fulano”, que aceitou redução de seu salário para garantir a “sobrevivência da empresa” e “salvar o mundo”, pois todos os cortes de despesas possíveis já ocorreram. Isso antecedido pelo caso de “seu sicrano” que ficou 8 meses desempregado e agora está feliz em seu período de experiência, no qual deve demonstrar sua completa submissão. Confesso que senti nojo, pois essa modelagem no comportamento é monstruosa, coloca na mente do trabalhador uma sensação se solidão, como se ele não tivesse nenhum amparo, como se a coletividade fosse uma ameaça a sua carreira, ” ensina” a abrir mão dos direitos mais básicos já conquistados.
Jaderson Oliverira
21/07/2016 - 11h57
Lembro na década de 80 quando TV Globo veio “Operário Padrão” o escravo que não faltasse, não chegasse atrasado e não apresentasse atestado durante o ano inteiro recebia uma quantia em dinheiro é um certificado para por na parede.
TV GLOBO e sua geração de zumbis.
Gabriel Moreno
19/07/2016 - 00h20
Brilhante artigo, vale ler com atenção.
B Brito
18/07/2016 - 22h13
Em tempo, para que não me compreendam mal (nem me levem a mal): não tenho implicância com mdf/mdp, nem faço apologia de qualquer mobiliário. Só aponto a tendência atual em voga na classe média de transformar a casa em um escritório, ou melhor, o desejo de acatar essa tendência. Bajonas
Biana
19/07/2016 - 01h05
Bajonas,
Essa tendência, a meu ver, está relacionada com a impessoalidade, com o afastamento emocional do outro, com a desagregação de qualquer laço que possa unir as pessoas. Isso me remete a um estudo sobre reciclagem de lixo, pois a cultura do consumismo foi incentivada após a segunda guerra mundial como forma de demonstração de competência e poder. “Nós não precisamos reaproveitarr, nosso modelo nos permite obter um produto novo”, diferentemente dos tempos de escassez vividos durante a guerra. Então essa cultura evoluiu e tudo foi se tornando descartável, e as crianças deixaram de amar seus brinquedos, pois ao perceberem que são substituídos rapidamente pela nova moda, deles enjoam rapidamente (com o incentivo comercial, é claro). Daí, passam a ver que seus amiguinhos preferidos, também podem ser substituídos se não estiverem mais agradando, na adolescência têm namoros relâmpagos (as vezes deixando filhos como lembrancinha) , e na fase adulta, já estão completamente habilitados a não se apegar, a olhar o outro como descartável de sua vida. Então, trazem esse comportamento, para o associativismo em geral, não se envolvendo com nada, não abraçando nenhuma causa que não seja restrita a sua pessoa. Nada de se importar demais com os familiares, com os vizinhos, com colegas de faculdade, com colegas de trabalho, com sua categoria profissional, com sua cidade , com seu país, o negócio é ser “cidadão do mundo”….e assim fecham os olhos para as injustiças, a corrupção e todos os abusos que “não são de sua conta”. Este é o benefício da apatia, o melhor presente para um dominador.
ANONIMA
18/07/2016 - 22h57
Não foi o povo que esteve nos protestos mas a sempre classe média mesquinha com a hipócrita bandeira contra corrupção.
Messias Franca de Macedo
18/07/2016 - 21h39
Presidenta Dilma Rousseff: golpistas são “parasitas” que agridem a democracia
https://www.facebook.com/DilmaRousseff/videos/1159671200753136/
Rachel
18/07/2016 - 21h16
Desculpa Bajonas mas ainda acreditas em pesquisa de uma empresa aliada aos golpistas e verificada por organizações também golpistas?
Quanto a uma população alienada e imbecilizada pelas redes de TV, concordo em gênero nº e grau.
PS. Quanto aos móveis tens razão. Nossos objetos falam por nós. (viva Barthes) Meus móveis não são de demolição nem de MDF, quase todos são os sobraram de meus pais, de filhas que casaram e etc. E é muito bom comer na mesa onde comi com meus pais e irmãos, lembrar do que vivemos. Oxalá meus descendentes os reutilizem.
B Brito
18/07/2016 - 22h03
Nao creio. Digo apenas que a pesquisa diz isso e usa essa estrategia. Abrac.
Dulce
18/07/2016 - 22h11
Temos hoje no Brasil uma cena social explosiva, o ódio
nas redes contra tudo que a classe média bolsonarista estranha (pobre,
preto, puta, sem-terra, sem-teto). Mas o pior é estarmos voltando ao
tempo dos gladiadores, com o Vale-Tudo e as pessoas apreciando um ser
humano sendo moído, sangrando, e torcendo para que o fígado dele
exploda. O trans que fez o Cristo na parada gay foi massacrado em SP
esses dias. Para chegar a esse ponto foi preciso muito trabalho
profissional da mídia. Esse ódio tem que ser proporcional ao amor que da
identificação da classe média com os poderosos e os vencedores (cara e coroa da mesma moeda, certo?), seja lá o
que eles aprontem para chegar lá em cima! Parabéns!! O texto pode desagradar os cerebrinhos preguiçosos, mas é muito bom mesmo.
Dulce
18/07/2016 - 22h07
Andei lendo o Anti-Édipo e essa discussão me recorda bem algumas
passagens do livro, como os autores reivindicam Wilhelm Reich como
precursor da psicanálise materialista. Não imaginei essa discussão
aplicado ao Brasil de hoje e ao golpe, mas faz todo sentido e achei o
artigo brilhante. Temos hoje no Brasil uma cena social explosiva, o ódio
nas redes contra tudo que a classe média bolsonarista estranha (pobre,
preto, puta, sem-terra, sem-teto). Mas o pior é estarmos voltando ao
tempo dos gladiadores, com o Vale-Tudo e as pessoas apreciando um ser
humano sendo moído, sangrando, e torcendo para que o fígado dele
exploda. O trans que fez o Cristo na parada gay foi massacrado em SP
esses dias. Para chegar a esse ponto foi preciso muito trabalho
profissional da mídia. Esse ódio tem que ser proporcional ao amor que da
identificação da classe média aos poderosos e aos vencedores, seja lá o
que eles aprontem para chegar lá em cima! Parabéns!!
Maria Eunice
18/07/2016 - 20h39
Faz muito sentido. Mas não nos esqueçamos da pesquisa que diz que uns 92% ou mais não lê um texto difícil. “Cabeça vazia, oficina do diabo”.
Helena Veiga
18/07/2016 - 20h20
O João confunde a libido com o Cupido. Alguém tem que explicar a ele a diferença! ahaha
João Luiz Brandão Costa
18/07/2016 - 18h44
Libido? Consequência de reality shows. Sei não…. Meio vago. Parece psy de pocket-book. Mas uma coisa é consistente. A aculturamento da noção de vencedor, carcterística dos anglo-saxões, USA à frente.
Flavio Wittlin
18/07/2016 - 19h41
A CARTILHA da velha mídia que esta pequena burguesia segue como oráculo é fundamental na condução maniqueísta, fetichista e libidinosa dos seus integrantes
1. A mídia agita um fato ou não-fato 2. Ela noticia o fato ou não-fato que ela agitou, e aí 3. Ela agita a notícia do fato ou não-fato agitado lá atrás. Ah, tem vez que sua opção é silenciar sonoramente sobre fatos ruidosos envolvendo seus apaniguados.
Sandra Francesca de Almeida
18/07/2016 - 18h23
Parabéns pelo texto, que articula política e subjetividade (social). Brilhante.
Atreio
18/07/2016 - 17h54
a surrealidade só vive na tela, no texto, na arte – entreterimento. O brasil real é de fatos, de pessaos q esperam Dilma voltar e exercer seu mandato. Não há outra opção, não houve crime. Os responsaveis na midia por propagar mentiras serão julgados. Os juizes canalhas que atuaram em conluio com midia e midiotas serão presos. Os filhos e netos de quem apoiou a atrocidade q vemos hj serão ridicularizados em praça pública por anos. O BRASIL É NOSSO. O PODER É NOSSO.