Análise Diária de Conjuntura – 17/07/2016.
Um dos editores do Cafezinho gosta de acompanhar de perto o debate político norte-americano e a gente conversa sobre o assunto de vez em quando. Eu até tenho tentado lhe convencer a produzir uma coluna periódica sobre o assunto. Uma das coisas que ele me diz é que, nos Estados Unidos, há uma quantidade enorme de institutos de pesquisa respeitados. Mesmo assim, a crítica ao desempenho desses órgãos é constante, crescente, permanente.
A circulação instantânea, caótica, maravilhosa, de informações, mexeu profundamente na dinâmica da opinião pública. Os institutos de pesquisa estão tendo muito mais dificuldade de captá-la do que antes.
A imprensa norte-americana, para evitar críticas à parcialidade das pesquisas, costuma fazer uma média com um grande número de pesquisas.
Aqui no Brasil não há crítica às pesquisas. Quer dizer, há crítica política, quando os resultados nos parecem estranhos, de alguma maneira. Mas não há uma crítica à metodologia.
E aí eu faço uma crítica à academia. Ela deveria estar à frente dessas críticas. Porque a academia, inclusive, deveria participar da apuração das opiniões políticas dos brasileiros.
Há tempos que eu venho notando uma distorção no debate midiático sobre a política. A mídia não analisa o voto, única apuração realmente científica, porque mostra a opinião individual de cada brasileira, cada região, cada zona eleitoral.
Alguém já viu quais estudos foram realizados sobre os resultados das eleições de 2014? Eu não vi. Ao contrário, desde o resultado do pleito, apenas vemos as contestações da oposição, mas não vimos as necessárias análises correlacionando o resultado em cada zona eleitoral com o perfil sócio-econômico da região, raça, idade, etc.
A convicção eleitoral de 206 milhões de brasileiros é substituída pela sondagem de alguns milhares de entrevistados.
Entretanto, o que mais me choca é a distorção óbvia provocada pela cronologia política das pesquisas. É óbvio que os patrocinadores das pesquisas no Brasil tem seus interesses políticos, e me parece fora de dúvida que, na atual conjuntura, esse interesse é pelo impeachment, contra o PT e em favor do neoliberalismo.
Sabemos também que essas pesquisas tentam se apegar a um simulacro de credibilidade estatística, até porque entendem que perderiam o seu poder de influência política caso perdessem essa credibilidade.
Assim como a fingida imparcialidade da mídia é uma das suas principais armas, a suposta competência dos institutos de pesquisa também é um instrumento fundamental para o poder da mídia.
Na construção do impeachment, o papel dos institutos de pesquisa foi crucial.
A opinião pública hoje se tornou instável, dinâmica, fluida. Hoje está de um jeito. Amanhã, de outro. Escolher o dia em que se faz a pesquisa se tornou peça chave para chegar aos resultados almejados. Ou seja, não é preciso sequer alterar os dados apurados – embora seja difícil que isso também não aconteça.
Digo isso para comentar o último Datafolha.
Repare a capa do Estadão de hoje, retuitada por Michel Temer.
Então, se a atuação concertada da mídia age de maneira combinada com a cronologia dos institutos de pesquisa, então se reforça o controle da opinião pública.
E aí eu gostaria de fazer, mais uma vez, uma crítica à academia. Ora, me parece óbvio que uma democracia como a do Brasil, que sofre com problemas de concentração de mídia muito mais graves que os observados em outros países, precisa, por isso mesmo, criticar a maneira como se faz pesquisa. As pesquisas precisam ser feitas por órgãos isentos, e seguir uma cronologia regular, apartidária, sistemática.
Claro, se a pesquisa fosse feita todo dia 15, por exemplo, os grandes meios de comunicação poderiam combinar em soltar denúncias, de maneira combinada, todo dia 10, para influenciar nos resultados. Mas isso ficaria muito na cara.
O importante é tirar, da pesquisa, esse arbítrio de escolher a data da apuração, atrapalhando o jogo armado entre mídia e institutos.
A pesquisa de opinião no Brasil é mais um meio de controlar a democracia, de transferir a soberania popular para o controle da elite midiática.
Isso precisa ser denunciado.
Eu acho lamentável que a esquerda não faça a crítica correta, estrutural, a esse fato. Criticar o resultado das pesquisas não adianta nada, porque o público interpretará que é uma crítica parcial, interessada, apenas porque o resultado não agradou.
Saindo do campo da observação genérica e analisando os fatos específicos apontados na pesquisa Datafolha, a gente poderia destacar os seguintes pontos:
1) A queda de todos os principais candidatos, com exceção de Lula, que cresceu.
2) A queda acentuada, em particular, dos candidatos do PSDB.
3) A forte queda na taxa de rejeição de Lula.
Esses itens merecem algumas considerações. Por que isso acontece? Como assim, Lula continua tão forte? Lula não tem mídia, tem sido alvo de uma perseguição covarde, ilegal, arbitrária, de todos os setores golpistas incrustados nos órgãos judiciais, e mesmo assim cresce?
A força de Lula deixa claro que as medidas judiciais que o impediram de se tornar ministro foram essenciais ao golpe, e desmoralizam o argumento de setores golpistas do judiciário e da mídia de que Dilma chamou Lula apenas para protegê-lo da sanha persecutória de Sergio Moro: Dilma o chamou porque Lula, como provam mesmo as estatísticas tendenciosas do Datafolha, mantém uma força política extraordinária, e, portanto, tinha condições de ajudar a presidenta a superar a crise e vencer o impeachment.
A resistência política de Lula tem um quê de místico. E traz um dilema aos golpistas: a perseguição à Lula apenas reforça a impressão de aparelhamento dos órgãos judiciais pelas forças do golpe, e com isso, paradoxalmente, aumenta a força de Lula. Ao mesmo tempo, Lula representa o maior desafio para o golpe.
Não é difícil prever qual será a postura da mídia: ela tentará, com ajuda dos setores mais partidários da Lava Jato e do judiciário em geral, elevar o grau de sofisticação de seus ataques a Lula.
O golpe tem várias cartas na manga: as principais estão na Lava Jato e seu rol de presos políticos, expostos às torturas prisionais de Sergio Moro, juiz orgânico da mídia e da direita, que desde sempre age antes como um acusador do que como um magistrado imparcial, que deveria também defender os réus contra a sanha persecutória do Estado.
Daí a importância, por exemplo, de forçar uma delação de João Santana, por um lado, e de criminalizar o PT, por outro. Lula pode até ter força eleitoral, mas o seu partido, a sua estrutura, precisam ser destruídos, ou enfraquecidos a tal ponto que não possam oferecer ao ex-presidente a base necessária para a disputa eleitoral.
Entretanto, que fabuloso fracasso do golpe!
Eles não conseguiram matar Lula. E o próprio golpe, cada vez mais desmascarado, mina dia a dia as forças de seus patrocinadores, na medida em que a população vai percebendo que eles não tem nada de bom à oferecer à população brasileira, apenas arrocho salarial, retirada de direitos, desmantelamento do Estado, interrupção das investigações contra a corrupção, austericídio fiscal, autoritarismo, perseguição à mídia crítica, brutalidade policial, arbítrio judicial, manipulação das notícias.
Agora, há dois elementos na pesquisa Datafolha que se aproximam perigosamente da fraude estatística.
O primeiro é essa história de “50% preferirem Temer a Dilma”. Ora, a própria pesquisa mostra que mais de um terço dos entrevistados não sabem nem o nome do presidente da república interino. Temer acabou de assumir, teria o privilégio de receber o benefício da dúvida. Todos os presidentes do Brasil iniciam seu mandato com popularidade alta. Temer é uma exceção. Já começa de baixo. Esse ponto da pesquisa é uma falácia golpista.
Outro ponto, ainda mais estranho, é o brutal e súbito esvaziamento do apoio às novas eleições. Antes, havia 60%, hoje apenas 7%?
Ora, está claro que o golpe está com medo do que seria a “bala de prata” da Dilma: convocar um plebiscito, e assim convencer os senadores indecisos a votarem contra o impeachment.
E para isso, o golpe, cujo centro nervoso é a mídia, apela à mais grosseira fraude estatística.