(Foto: Reuters).
Análise Diária de Conjuntura – 16/07/2016
Vamos analisar a situação do Brasil a partir da tentativa (felizmente fracassada) de golpe na Turquia.
Ontem, às 19:41, o blog O Antagonista, principal blog da direita brasileira golpista, fez um post curto e grosso sobre o caso, dando o golpe contra o presidente eleito Erdogan como fait accumpli , e praticamente festejando a violação das urnas.
Não aconteceu nada disso. O povo foi às ruas defender o regime eleito. A Europa não ficaria nem um pouco aliviada com o golpe, porque qualquer pessoa de bom senso sabe que um golpe não termina no mesmo dia. Em geral, um golpe dá início a um longo período de instabilidade política, incluindo aí o pesadelo do ocidente: o terrorismo.
Aliás, esse é o principal trunfo do regime democrático: a legitimidade do governo e a paz. Pode ser uma merda de governo, mas é legítimo e se a população quiser trocar, há eleições para isso. Ninguém precisa pegar em armas, chamar o exército ou se tornar homem bomba.
Entretanto, tenho ouvido algumas asserções injustas sobre o Brasil, que eu gostaria de comentar.
Não me refiro, todavia, à declaração do ex-presidente da Turquia, Abdullah Gul, à CNN: “A Turquia não é um país latino-americano. Peço àqueles que tentaram derrubar o governo que voltem a seus quarteis”.
Aí não é uma asserção totalmente injusta, e sim uma verdade dolorosa, embora incompleta, porque – eu quero crer – a democracia em nosso continente é um sistema de valores bem mais arraigado do que na Turquia. Mas, de fato, temos uma elite profundamente golpista e um histórico de governos eternamente fragilizados por sistemas de mídia controlados ideologicamente por Washington.
É triste, mas essa é a imagem do Brasil hoje no mundo. Sujamos não apenas a reputação do nosso país, mas de toda a América Latina, que volta a ser conhecida por seu histórico de golpes de Estado patrocinado por elites impacientes com o processo democrático.
As “asserções injustas” que ouvi nas últimas horas se referem à capacidade do povo turco, que saiu às ruas, para derrubar o golpe, em comparativamente à apatia da sociedade brasileira.
Não é que o povo turco tenha muito a ensinar ao povo brasileiro. Até tem, porque todo o povo tem muito a ensinar a outro. Mas é sobretudo os golpistas brasileiros que deveriam ensinar os golpistas turcos a dar um golpe bem sucedido em pleno século XXI.
Quartelada não pega bem, e, nos dias de hoje, acaba por mobilizar a opinião pública – doméstica e internacional – contra o golpe.
Um golpe hoje, para dar certo, precisa seguir o modelo testado no Brasil: uma guerra híbrida, baseada sobretudo na construção meticulosa de uma narrativa.
Agora as coisas mudaram: parte significativa da opinião pública mundial agora sabe que houve um golpe do tipo “brando” no Brasil (embora eu não ache que seja brando nada; é um golpe tão brutal como qualquer outro). Mas sabe hoje, depois do golpe consumado (quer dizer, depois do afastamento da presidenta e da quase consolidação do impeachment). Até pouco tempo, a opinião pública internacional apenas sabia que havia enormes “manifestações populares contra a corrupção”, e uma “grande operação policial de combate à corrupção”. Essas informações vinham, naturalmente, da mídia corporativa brasileira.
Uma amiga francesa que vive no Brasil me contou que, quando o golpe foi ganhando corpo no Brasil, ela se correspondeu eletronicamente com seus parentes e alguns amigos, e ficou horrorizada com a desinformação deles. Eles estavam achando legal. Então ela escreveu alguns emails e conseguiu mudar a opinião de quase todos – mas os próprios acontecimentos foram ajudando a trazer mais esclarecimento. Não foi fácil, porém, ela disse. Seu irmão brigou com ela: não queria acreditar quando ela tentava lhe explicar que não era bem assim, que os golpistas é que eram os corruptos, tentando derrubar uma presidenta honesta, e que as manifestações “contra a corrupção” vinham dos segmentos mais ricos da população, que usaram a corrupção apenas como um pretexto hipócrita para justificar um golpe que levaria ao poder um grupo de políticos infinitamente mais corrupto do que o governo de Dilma.
Ou seja, não há comparação. O golpe no Brasil foi anos-luz mais sofisticado do que o golpe turco. Aliás, a bem da verdade, os golpes latino-americanos sempre foram relativamente sofisticados. Hoje a gente sabe que o golpe de 64 não foi apenas uma “quartelada”. Os Estados Unidos participaram ativamente de sua elaboração. Em vários aspectos, o golpe de 2016 repetiu estratégias usadas em 1964: foram criados antes e hoje think tanks especializados em demonizar políticas públicas distributivas, em especial através da grande mídia. A diferença principal do golpe de hoje é que talvez não tenha precisado, conforme inclusive entende Dilma, de participação estrangeira. Foi um golpe inteiramente bancado por nossas elites.
A bem da verdade, o golpe de 64 pode até ter tido (e teve, conforme se comprovou) participação dos Estados Unidos, mas também a iniciativa veio principalmente da elite brasileira, dos mesmos setores do golpe de hoje, e com o apoio dos mesmos setores da burguesia.
Em resumo: os golpistas brasileiros têm muito a ensinar aos golpistas turcos. Mas não basta ter as técnicas, é preciso haver uma situação similar a do Brasil, uma hegemonia midiática quase absoluta por parte de meia dúzia de grupos de comunicação, liderados todos por um grupo maior, que exerce assim uma espécie de monopólio ideológico sobre um mercado já oligopolizado. Esse grupo maior (que é a Globo) detêm a maior fortuna familiar do país.
Com esses elementos, pode-se dar um golpe infinitamente mais sofisticado — e portanto com mais chances de ser bem sucedido — do que na Turquia.
Tanto é assim que o golpe no Brasil, mesmo já tendo sido deflagrado, com o afastamento da presidenta, ainda tem munição para gastar. Gilmar Mendes é o presidente do TSE, em breve terá maioria na corte, e tem em suas mãos um plano B no caso do impeachment falhar.
A direita se organizou e elegeu Rodrigo Maia, nome forte do DEM, para a presidência da Câmara dos Deputados. Maia não é uma besta fera como Eduardo Cunha. Ele representa uma direita mais orgânica, mais ideológica, mais firmemente neoliberal.
Para finalizar, reproduzo algumas opiniões postadas no Twitter pelo crítico de cinema Pablo Villaça, que nas horas vagas é um dos meus analistas políticos preferidos.