Por Eder Casagrande, colunista de religião do Cafezinho
Um senhor branco de bochecha rosada ficou viúvo. Ele mora em frente ao ponto de ônibus. É comum vê-lo no portão de sua garagem; ora recolhendo as folhas que caíram da árvore; ora com os braços pra fora, quieto, olhando o movimento da rua que não visita mais, ou pelo menos quase nunca. Às vezes ele usa chapéu. Mora com seu filho e seu cachorro, mas parece só. O seu Paulinho, dono da mercearia, reparou que ele murchou depois que perdeu a esposa; nem a cachacinha, nem o dia ensolarado lhe animava mais. Sua vizinha do outro lado da rua, Irene, mulher de uns 40 e poucos, passou a visita-lo com frequência. Toda manhã ela checa se ele está bem, se está comendo direito ou se precisa de algum cuidado especial. Além disso, ela tem insistido pra que ele saia de casa e caminhe com ela pela rua. Apesar de sua resistência, ela tenta persuadi-lo carinhosamente, como as mulheres bem sabem. Ele cede. Ela sorri. Eles caminham e conversam. Ele até esboça uma alegriazinha. Irene quer mais; o convida pra almoçar com sua família. Ele reluta. Ela insiste. Ele cede.
Irene, essa interesseira irreparável, só quer que ele se abra um tantinho assim, que não se entregue à clausura e solidão.
Os dias seguem iguais; Irene tentando transformar tormento em boa esperança.
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Uma mulher jovem e seu filho piquininho saíram pra almoçar num desses fast foods. O dia estava bonito, o shopping lotado. Hora de almoço, alvoroço. Ficaram na fila. Pediram. Ela o segurava pela mão, atenta. O menino parecia ter 4 aninhos, no máximo. Ela usava um laço lilás no cabelo. Escolheu uma mesa e sentaram-se. Acomodou o pequeno na cadeira. Abriu a embalagem. Colocou na mão dele o pacotinho de batata frita. Ele olhou pra ela e disse: – obrigado mamãe, meigo e com a pronúncia perfeita. Sua boquinha dava conta de comer um filete de batata por vez.
Essa cena tão corriqueira de grandes cidades passaria despercebida não fosse a atenção especial de um rapaz. Ele viu tudo. Mais ainda; o “obrigado mamãe” dito pelo niño invadiu seu peito com força, de tal modo que seu dia, pautado por uma rotina repetitiva cheia de coisas vãs, ganhou outro significado.
É difícil encontrar uma palavra que defina o que lhe ocorreu.
Epifania?
Revelação?
Catarse?
O fato é que sua dimensão misteriosa e profunda foi visitada.
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Moradores de um bairro periférico da grande São Paulo costumavam fazer um buraco no muro da escola pra jogar futebol de salão fora do horário de aula. O problema era antigo; apesar da alternância na direção ao longo dos anos, nenhuma solução havia sido encontrada. Nenhum dos lados cedia e o muro seguia em constante reparo.
Até o dia em que uma diretora porreta decidiu dialogar com os moradores. Para ela a questão era simples: a escola estadual pertence à comunidade, logo, a comunidade poderia usufruir seu espaço, contanto que respeitasse a agenda escolar. A diretora explicou. Os moradores entenderam. Ambos concordaram. O muro agradeceu.
Ficou decidido que o portão da quadra ficaria sem cadeado, possibilitando a entrada de quem quisesse.
Algumas pessoas, entre elas professores e moradores do bairro, fizeram pressão pra que sua decisão fosse revogada, alegando que o patrimônio público seria destruído. Ela ficou firme e não retrocedeu.
Sua convicção residia no fato de que na periferia não moram bichos, mas gente.
Nenhum problema aconteceu até então.
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O amor é um verbo. O Evangelho é ação amorosa. É também percepção e consciência sobre as consequências dessas ações ou da ausência delas.
Como bem diz um querido pregador: Deus escolheu ser amado no próximo!
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