Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
Notícia de ontem, no site da Folha, dá conta de uma gravação de áudio anexada a um dos processos da Lava Jato no STF na qual é revelado o funcionamento de um verdadeiro mercado de delações. Na gravação, Alexandre Margotto, ex-sócio de Lúcio Bolonha Funaro, acusado de ser operador de Eduardo Cunha, pede dinheiro para não delatar Funaro: “Eu quero estar do lado do Lúcio e que ele não me desampare financeiramente nem juridicamente. Mas eu já quero cem pau agora, R$ 100 mil”.
Essa gravação expõe toda a perversidade do funcionamento da Lava Jato. Primeiramente há uma profusão inacreditável de delatores. Quem fecha o acordo de delação é premiado com reduções generosas de pena, possibilidade de cumprir pena de prisão em casa, etc. Treze delatores da Lava Jato condenados a penas que somam 283 anos de reclusão conseguiram reduzir esse tempo para menos de 7 anos graças aos acordos de delação. Delatar é, portanto, um ótimo negócio.
E quem valora a delação? Não é a lei, mas o procurador, de acordo com quaisquer parâmetros subjetivos e, no caso da Lava Jato, explicitamente políticos. Ou seja, o delator, para bem vender sua delação, precisa agregar valor a ela, dizendo o que os procuradores e o juiz querem ouvir. Como estes atuam em sintonia com a mídia cartelizada, ao cabo o delator delatará o que a mídia quer ouvir.
É um dos efeitos nefastos da relação fraterna entre MP e Justiça com a “imprensa amiga”, como referiu Sérgio Moro em um artigo sobre a Operação Mãos Limpas. Moro e os procuradores não enxergam nada de errado nessa parceria entre o sistema judicial e conglomerados de comunicação. Mas quando a investigação bate às portas da Globo, como aconteceu na 22ª fase da Lava Jato, oportunidade em que foram descobertas ligações entre a empresa dos Marinho e a Mossack Fonseca, e a investigação simplesmente recua, fica mais do que evidente a imoralidade e o conflito de interesses.
Os bandidos, apavorados com a perspectiva de sofrerem uma condenação pesada, às vezes presos por meses antes do julgamento, ficam com duas opções. A primeira é entrar no jogo da operação. Os vazamentos seletivos, as operações com um timing impecável para abafar fatos políticos favoráveis ao PT ou ao governo Dilma, a perseguição alucinada a Lula, a nítida falta de qualquer investigação séria de políticos do PSDB, como o citadíssimo Aécio Neves, enquanto são presos petistas em série, deixam claro qual o jogo: delate alguém do PT e você pode ter seu acordo de colaboração premiada.
Caso não aconteça o acordo de delação, resta vender o seu silêncio para um ex-comparsa, como fez Margotto. Perguntado pelo seu interlocutor sobre o que poderia falar sobre a disputa entre Funaro e o grupo Schahin, Margotto falou: “Não depor contra ele já é um grande favor. Eu sei toda a história do Schahin”. É óbvio que bandidos, em função mesmo da especialidade dos seus crimes, irão usar a delação como mercadoria.
Para tentar escapar das condenações medievalescas de Moro, ou vendem suas informações ao Ministério Público (só as que interessam à dupla MP/mídia, obviamente) ou vendem o seu silêncio a outros bandidos em troca de amparo jurídico e financeiro. O Estado praticamente força réus a escolherem uma dentre duas opções imorais. Trata-se de verdadeira barbárie cometida em nome da luta contra a corrupção. Tudo sob aplausos generalizados, graças ao trabalho semiótico diuturno da mídia concentrada. Assim como o Brasil, a Lava Jato não é para amadores.