Por Tadeu Porto* (@tadeuporto), colunista do Blog O Cafezinho
Não sou muito fã das fábulas de Esopo desde que consegui enxergar que “a Cigarra e a Formiga” é um prato cheio para a disseminação de uma falsa meritocracia que, certamente, hoje é argumento crucial de uma direita alucinada que consegue enxergar merecimento em triunfos no jogo de cartas marcadas da desigualdade social.
[Por falar nesses invertebrados, faço aqui uma menção honrosa ao filme Vida de Inseto, da Pixar, que me instigou, ainda adolescente, a conhecer melhor a luta de classes]
Mas hoje, ao ver o dilema vivido pelo Partido dos Trabalhadores na disputa do presidente tampão da câmara dos deputados, não pude deixar de lembrar de “A Lebre e a Tartaruga”, outra fábula do autor grego.
O fato é que, internamente ao certame parlamentar, na corrida principal das esquerdas, o pequeno PSOL angariou mais mentes e corações do que o gigante PT, o que pode render bons frutos na mudança iminente que está para acontecer no cenário da política nacional.
Não julgo o partido do presidente Lula pela posição na eleição da câmara por si só, afinal, votar no menos-pior-com-chances-de-ganhar é uma prática que já utilizei um bocado de vez e, talvez, faria a mesma coisa se fosse deputato (por exemplo, se Marcelo Castro trouxesse algum voto de senadores contra o golpe). Todavia, o pragmatismo é como a Lebre do Esopo ou O Vencedor dos Los Hermanos: oriundo de uma sede infinita de conquistas, acaba contaminando as tomadas de decisões com a visão imediatista. Desse expediente, infelizmente, o PT abusou algumas vezes, querendo a vitória sem pensar na falta que faz, de vez em quanto, a glória de chorar.
Por outro lado, o Partido Socialismo e Liberdade conseguiu, graças a todo seu histórico de derrotas recheadas de posições coesas, levar o pleito da câmara a um campo ideológico, que não vale nada para os quatrocentos achacadores, entretanto tem ótimo apelo entre a esquerda nacional, espaço de eterna competição entre psolistas e petistas.
Em outras palavras, o PSOL jogou para conquistar as ruas enquanto o PT jogou para ganhar migalhas de um legislativo sem o mínimo de confiança. Claro que no âmbito civil ainda há uma luta ferrenha contra o conservadorismo, mas no âmbito progressista o partido de Jean Wyllys acabou avançando um pouco mais, enquanto a estrela vermelha dormiu no ponto.
É certo que a deputada psolista possui seus próprios vícios pragmáticos, como dividir partido com Heráclito Fortes e Júlio Delgado até outro dia e ter coordenado a campanha da Marina Silva com Neca Setubal, Silas Malafaia, Eduardo Giannetti e demais figuras de direita.
Também é sabido que Erundina lançou sua candidatura a presidência da câmara de olho nas eleições de São Paulo, cidade na qual já foi prefeita, deixando o PT de Haddad, candidato a reeleição, numa posição super delicada.
Mas nada disso tira o mérito do PSOL em poder utilizar essa cartada política – a de se apresentar como uma candidatura genuinamente de esquerda – por ter ficado alheio as barganhas legislativas, escancaradas na gestão Cunha.
E que o PT passe a enxergar que, cada vez mais, a combate político sairá dos limites de Brasília e será travado, com muito mais força, nas ruas e na opinião pública. Consequentemente, êxitos no velho e saturado presidencialismo de coalizão poderão ser tão inúteis quanto gritar “lobos” quando não se tem alguma credibilidade.
P.s. ironicamente ou não, o pragmatismo de Erundina que a aproximou de Marina nas eleições de 2014 pode ter lhe ensinado algo crucial para sua “vitória moral” na eleição da câmara: “é melhor perder ganhando do que ganhar perdendo”.
Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (SindipetroNF)