(Foto: Marri Nogueira)
Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista político do Cafezinho.
Aécio Neves não morreu, isso é certo. Mas na política, especialmente na política brasileira, existe entre a vida e a morte muitos níveis intermediários. Muitos dos cadáveres políticos da véspera, vendem saúde na semana seguinte. Ou no momento em que se torna conveniente. É só lembrar de Delcídio do Amaral. Preso, abandonado em uma masmorra, jogado na lama pelos seus admiradores do Senado, comeu o pão que o diabo amassou. Mas então, veio a delação premiada, a liberdade, e Delcídio passou a frequentar, com as melhores fotos e os melhores ternos, as manchetes dos principais portais e das emissoras de televisão. Era preciso extrair até a última gota do efeito das denúncias de Delcídio que atingiam o PT. Uma vez feito isso, foi trancado de novo no ataúde, de onde de vez em quando fala pelas frestas de novas denunciações premiadas. Delcídio é um dos mais premiados entre os delatores.
Já Aécio Neves acumulou nos últimos meses um histórico de aparições e desaparições ao ritmo das denúncias, o que o tornou uma entidade intermediária, uma sombra, aquilo que antigamente se chamava de “aparição”. Por um estranho paradoxo, a especialidade das aparições é justamente a de desaparecer. Nem dentro nem fora, mas vivendo no ponto de sutura entre a presença e a ausência, essas entidades fantasmáticas podem se materializar nas linhas quase imperceptíveis de uma notícia, para depois hibernar por dias ou semanas.
Aqui reside a grande diferença entre o ex-senador petista e o atual presidente do PSDB. Enquanto Delcídio já está em uma tumba bem lacrada, e que tudo indica será o seu jazigo perpétuo, a localização de Aécio se parece mais com um limbo, um não-lugar. Mas um limbo especial, com direito à visitas e declarações, além de passeios esporádicos pelas homes. Depois da imersão no sumiço profundo, das últimas duas semanas, ele tem esgueirado sua triste figura, timidamente, para a morada dos vivos, mas sem assumir a incomoda tridimensionalidade das formas materiais, que são recobertas por ternos e gravatas e registradas por fotos. Ao invés disso, sua presença vem sendo meramente espectral. Assim, numa chamada do G1 na segunda-feira, 13, sua aparição emanava tímida e meio velada, sem imagens:
Essa timidez certamente responde ao temor de tornar-se vitima da ingratidão dos vivos. De fato, nas falanges dos apoiadores do impeachment de Dilma, que até pouco tempo atrás tinham o tucano como um herói, cresce a repulsa pelo Aécio andrajoso e descarnado pelo efeito de tantas denúncias. Assim, no post de Gerson Camarotti, linkado no G1 na imagem acima, encontramos uma tentativa de devolver um sopro vital ao mineiro, com o título de Aécio defende candidatura única da antiga oposição na Câmara. Essa tentativa, contudo, logo desfaleceu diante da frente unida de comentários de leitores escandalizados com essa janela de oportunidades dada a Aécio para ingressar no mundo dos vivos. Ninguém entendeu o motivo desse sursis espectral. Os comentários foram em sua grande maioria negativos e bastante contundentes:
Desde então o G1 da Globo fez descer um véu de omniausência sobre Aécio. Mas é claro, são jogos de tentativa e erro que não esgotam as possibilidades, deixando sempre a porta aberta para um retorno ou um sumiço oportunos. Uma oportunidade cuja colocação em prática, ao que parece, depende cada vez menos do próprio Aécio como agente político, variando crescentemente em decorrência do interesse da própria mídia. Ou seja, suas credenciais como político estão de tal maneira debilitadas que sua presença obedece apenas aos imperativos da lógica (e dos interesses) da própria mídia e não à sua capacidade de se impor como sujeito político. Essas condições, há vários indicativos disso, foram perdidas por ele.
Exemplar, nesse sentido, é o tratamento que vem recebendo do UOL desde o domingo, dia 10 de julho. Antes deixado no silêncio do esquecimento, por duas semanas de retiro espiritual profundo, sua imagem voltou à ribalta na home do UOL/Folha de São Paulo sob uma luz muito desfavorável. No domingo, numa primeira aparição espectral que ele não poderia desejar nem escolher, foi postado na home do portal uma notícia nada auspiciosa:
Na terça-feira, 12, um novo prego foi fincado no caixão de Aécio, com dados que parecem ser objetivos e confiáveis sobre a relação de Aécio com a Andrade Gutierrez:
Hoje, em parte como uma compensação pelas duas marteladas citadas, o UOL deu a Aécio um redivivo protagonismo, como se a essas alturas do campeonato fosse possível a ele exercer alguma função de liderança.
Certamente trata-se aqui de um redivivo protagonismo político natimorto. O próprio fato de que a manchete vem sem foto, de que o link conduz para uma obscura entrevista a Jovem Pan, e que sequer um fio de voz em áudio nos seja dado a escutar, já diz bastante sobre o caráter puramente cosmético dessa aparição. Será a derradeira aparição de Aécio? Certamente que não. O Brasil, e não só Aécio, vive hoje numa situação de incessante travessia entre dimensões incomponíveis e desligadas entre si. A prolongadíssima sobrevida de Cunha, propiciada pela lerdíssima decisão do STF sobre o pedido da PGR para o seu afastamento, permitiu que esse regime de irrealidade se instalasse.
Quando um criminoso, denunciado por múltiplos delatores, continua presidindo uma instituição central do país por tanto tempo, é natural que o sentido do aceitável e do absurdo seja perdido pelas pessoas. O peso da fatura pelo estrago deixado com a demora em afastar Eduardo Cunha, desequilibrará a balança da justiça por muito tempo no Brasil.
O real e o irreal, o possível e o seu avesso, foram esticados até o limite onde se fizerem indiscerníveis, ou quase indiferenciados. Se vamos voltar a ter definições ou expectativas relativamente aceitáveis de real e irreal, é difícil saber. Seja como for, enquanto a atmosfera de “terceira margem do rio” perdurar, os fantasmas vão continuar passeando para lá e para cá, livres até do adorno luxuoso das tornozeleiras eletrônicas.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.