Foto: Gustavo Lima/ Câmara dos Deputados
por Breno Altman, no Opera Mundi
Se houver dúvida sobre o significado da expressão “cretinismo parlamentar”, os principais partidos da esquerda brasileira correm o risco de esclarecê-la cabalmente.
Setores relevantes das bancadas do PT e do PCdoB na Câmara dos Deputados, ao flertar com o apoio a Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a chefia da casa, apresentam-se para queimar em praça pública a bandeira da luta antigolpista.
Traduz-se como vergonha e erro grosseiro, afinal, a simples especulação sobre a possibilidade de alinhamento com um dos expoentes da campanha do impeachment da presidente Dilma Rousseff, além de representante visceral da agenda conservadora.
Vale mesmo a pena dar um tapa na cara da resistência democrática e popular, em troca de duvidosos benefícios no jogo interno e de fantasiosa expectativa na divisão da base do governo Temer?
Não ocorre aos defensores dessa iniciativa o perigo real e imediato de desmoralizar o discurso que vem permitindo unificar as mais diversas vozes progressistas, marcado pela demarcação incontestável de fronteiras com o campo do golpismo?
Aqueles que defendem essa aventura parecem fechar os olhos às mudanças da situação política, que deveriam obrigar a uma ampla revisão do esquema de raciocínio que, convenhamos, levou a esquerda à beira do precipício.
Antes de mais nada, o centro espacial da acumulação de forças, do ponto de vista das correntes populares, se deslocou para a luta social. A consolidação de uma maioria antidemocrática que capturou o governo, o parlamento e as demais trincheiras do Estado transforma em fluxo principal o cerco das instituições pelas ruas, a serviço do qual deveriam estar as batalhas e manobras parlamentares. Nada do que esfria ou divide o povo em movimento deveria ser nem sequer cogitado.
O que mais a esquerda precisa, nos dias que correm, é recompor sua identidade e fundi-la outra vez com os anseios de sua base social histórica, mesmo que o custo disso seja um período de relativo isolamento, como é próprio dos ciclos políticos que sucedem às derrotas.
Obviamente que tal perspectiva não elimina a necessidade de alianças e pactos, mas deveria subordina-los ao objetivo, nessa etapa defensiva, de reconstruir o núcleo duro do bloco político liderado pelo PT.
A esquerda poderia apoiar um candidato de centro que tenha votado contra o golpe, por exemplo, mas se associar a um representante da intentona contra a presidente Dilma Rousseff é flagrante tiro no pé. Melhor perder com um nome de suas próprias fileiras do que colidir, mais uma vez, com o sentimento do asfalto.