Foto: Agêncial Brasil
por Ani Hao*, no The Guardian / Tradução: Janair de Souza
Quando ela era presidente, a administração de Dilma Rousseff nem sempre suscitou solidariedade entre as feministas. Houve frequentemente uma linha marcada entre aquelas que tentaram trabalhar com seu governo, no desenvolvimento de políticas públicas melhores, e aquelas que rejeitaram sua administração, citando a falta de avanço nos direitos reprodutivos, na esfera política e educacional durante seu mandato.
No entanto, quase todas as feministas concordam que o seu impeachment foi sexista e discriminatório. Não só foram encontrados muitos políticos do sexo masculino que praticaram as pedaladas fiscais, usando fundos de bancos públicos federais ou estaduais para financiar programas sociais, aparentemente sem quaisquer consequências, mas também aqueles que votaram pelo seu impeachment e estão sendo investigados por corrupção em benefício pessoal. Embora auditores independentes não tenham encontrado envolvimento de Rousseff nas pedaladas fiscais, poucos acreditam que ela será exonerada no julgamento de impeachment.
Desde o impeachment, milhares de mulheres de um lado a outro do Brasil tem se reunido para expressar solidariedade a ela. Novos movimentos, como as Mulheres Pela Democracia, tem surgido em apoio à mulheres que marcharam em protestos e mesmo enviado cartas e fotos à Rousseff demonstrando empatia à injustiça de sua expulsão e alertando sobre as suas implicações futuras.
O Congresso mais conservador desde o fim da ditadura civil militar do Brasil é agora responsável tanto pelo golpe político como pelo crescente ataque aos direitos das mulheres.
Antes do impeachment, políticos de todos os lados tinham projetos de lei que estão podando os direitos das mulheres, incluindo a projeto de lei que define a pessoalidade desde a concepção, e um outro que define família, na constituição, como a união de um homem e uma mulher e seus filhos. Outros projetos foram introduzidos para proibir a discussão de gênero no Plano Nacional de Educação e, além disso, criminalizar o aborto legal para vítimas de estupro. Há movimento para dificultar o acesso à contracepçãoemergencial e para aumentar a pena para aborto na esteira do Zika Vírus.
Ao mesmo tempo, nenhum dos velhos problemas foram embora: a violência contra as mulheres ainda é endêmica e há uma aceitação generalizada da violência sexual na sociedade. Mais de um milhão de mulheres submetem-se a abortos ilegais a cada ano.
Desde o ano passado, entretanto, mulheres têm lutado para trazer a tona que os números são muito maiores e com renovado vigor. Em Outubro, durante o que foi chamado no Brasil de Primavera das Mulheres, centenas de milhares de mulheres protestaram nas ruas e através das mídias sociais contra a violência sexual, pedofilia e contra os projetos de lei que visam limitar seus direitos reprodutivos.
Mulheres jovens e garotas estão usando a tecnologia e as redes sociais para ficarem mais informadas, debater e mobilizar sobre a questão das mulheres. Elas tem declarado seu apoio ao feminismo através de campanhas na internet como #MeuPrimeiroAssedio e #ForaCunha (destinada a remover o político Eduardo Cunha, considerado o chefe da acusação contra Rousseff), as quais atraem centenas de milhares de likes e tweets no Facebook e Twitter.
No último mês, centenas de milhares de mulheres se uniram em todos os cantos do Brasil e na Argentina sob a bandeira: Por Todas Elas, protestando contra a cultura do estupro, após 33 homens terem supostamente estuprado uma menina de 16 anos no Rio de Janeiro em Maio.
Entre Outubro de 2015 e Janeiro de 2016 sozinha, a busca pela palavra feminismo no Google no Brasil aumentou 86%. Mais mulheres têm começado a identificar-se como feministas, e até mesmo introduzindo um novo vocabulário, como a palavra “sororidade”– que não existe nos dicionários brasileiros e era praticamente desconhecida até 2015”– para descrever a solidariedade entre mulheres.
O Agora Juntas, um grupo de coletivos feministas e mulheres no Rio de Janeiro, que eu fundei, está construindo um eixo feminista para encorajar uma maior colaboração e solidariedade. Muitos grupos feministas têm recursos insuficientes e competem pelo pouco financiamento de que existe.
Infelizmente, apesar do crescimento da mobilização feminista, a situação ainda é sombria. O novo governo de Michel temer retrocedeu em termos de direitos das mulheres, das minorias e dos grupos indígenas. Sob a sua administração, inteiramente branca e masculina, políticos estão tentando enfraquecer a Lei Maria Da Penha, que foi uma vitória histórica para aumentar as condenações da violência doméstica e o apoio às vítimas. Eles aprovaram uma lei para dar a polícia poder para aprovar medidas de proteção às mulheres; até o momento o judiciário é o único órgão que tem esse poder.
Como se não bastasse, o último insulto da administração Temer foi a nomeação da conservadora Fátima Pelaes como secretária de políticas para as mulheres. Pelaes já havia previamente declarado que não apoia o aborto como uma opção legal para mulheres que foram estupradas. Talvez isso não seja surpresa, a saber que desde que o governo interino assumiu o poder, o Fórum Econômico Mundial calculou que o país vai cair do seu ranking 2015, de 85 no índice de igualdade entre os sexos para o número 107.
Em um ensaio, O Golpe Patriarcal, Maria Betânia Ávila, socióloga, pesquisadora do SOS Corpo Instituto para a Democracia, e membro da Articulação de Mulheres Brasileiras, escreveu: “O movimento feminista [no Brasil] está mostrando sua capacidade para resistência e mobilização na defesa do mandato da primeira mulher democraticamente eleita presidente e da legalidade democrática. Este é um confronto com o patriarcado, com homens chauvinistas e neoliberais.”
Em meio aos gritos de “Fora, Temer!”, feministas estão lembrando o Brasil da necessidade de reintegrar Rousseff, e garantir que seu futuro governo implemente reformas e políticas públicas que assegurem os direitos humanos e a dignidade social, e combata a desigualdade. Até então continuaremos a gritar: “Sem mulheres, não há democracia. Sem feminismo, não há democracia.”
*Ani Hao é fundadora do movimento Agora Juntas