Emergência no Brasil: Democracia e Progresso Social Sob Ameaça

Brasília - O ministro das Relações Exteriores, José Serra, e o presidente interino Michel Temer participam de cerimônia de entrega de credenciais a embaixadores estrangeiros, residentes em Brasília (Wilson Dias/Agência Brasil)

Michel Temer e José Serra recebem embaixadores em Brasília (Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil)

por Ken Livingstone, no WriteYou / Tradução: Gebert Aleixo

A coisa mais extraordinária sobre o desenrolar político no Brasil atualmente é que apenas 55 senadores revogaram a vontade de 54 milhões de brasileiros nas urnas, quando reelegeram a Presidente Dilma Rousseff. E o fizeram suspendendo-a da Presidência por 180 dias instaurando Michel Temer como Presidente interino. Para todos nós que expressamos solidariedade aos ativistas contra a ditadura patrocinada pelos EUA no Brasil de 1964 a 1985, e estivemos com o povo chileno contra o General Pinochet após o golpe de 1973, o alarme está soando com o avanço da direita em tentar mudar uma das maiores democracias do mundo.

Como o Secretário Geral do TUC britânico Frances O’Grady colocou, “A tomada do poder pelo Vice Presidente Michel Temer no Brasil, enquanto a Presidente Dilma Rousseff luta contra o impeachment que Temer apoiou, é profundamente preocupante.”

O aclamado economista americano e analista sobre a América Latina Mark Weisbrot também merece ser mencionado a respeito do assunto. Ele argumenta que o processo de impeachment é “uma tentativa da tradicional elite do Brasil – que inclui, como o principal articuladora, a maior parte da grande mídia – de reverter o resultado das eleições presidenciais de 2014 do Brasil… Não tem nada a ver com corrupção, ou alguma ofensa séria. A acusação é de que o governo usou dinheiro emprestado em 2014 para manter as aparências de que o superávit primário estava dentro da meta. Mas isso é algo que presidentes anteriores fizeram, e não se trata de uma ofensa verdadeiramente grave.”

De forma reveladora ele acrescenta uma comparação de que “Quando os Republicanos nos EUA ameaçaram derrubar o governo devido ao teto da dívida em 2013, a administração do Obama usou uma série de truques de contabilidade para estender o deadline, e houve pouca controvérsia a respeito.”

A sua visão parece ecoar entre o próprio povo brasileiro. De acordo com uma pesquisa logo após a suspenção de Dilma, conduzida pela empresa brasileira de pesquisa de mercado, Ibope, entre 12 e 16 de maio, apenas 23% dos brasileiros acredita que os membros do Congresso e do Senado “agiram de acordo com os interesses do país” quando deram seus votos contra ou a favor do andamento do processo de impeachment de Rousseff e 66% acredita que os políticos votaram “de acordo com seus interesses próprios e interesses de parceiros privados ou instituições.” Diversos movimentos sociais, incluindo a principal confederação dos sindicatos do Brasil, consideram o regime de Temer ilegítimo.

De forma impressionante, o ministério inicial de Temer falhou totalmente na representatividade do povo desse país de diversidades – incluía um total de zero mulheres e afro-brasileiros, em um país em que a maioria dos residentes se identifica como negros ou de origens africanas. Como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos colocou, “A designação de um ministério que não inclua nenhuma mulher ou pessoa de ascendência africana deixa mais da metade da população excluída dos mais altos gabinetes do governo.” A CIADH acrescentou que “A última vez que o Brasil teve um ministério sem mulheres foi durante a ditadura militar.”

Nas semanas após assumir a posição de Dilma Rousseff, após o Senado votar com 55 contra 22 para suspendê-la por 180 dias para enfrentar um julgamento de impeachment, o imposto Presidente Michel Temer já revelou uma agenda agressiva de austeridade que inclui cortes nos gastos com programas sociais e planos de privatização. E uma proposta de reforma da previdência que contempla uma idade mínima para aposentadoria de 65 anos para mulheres e trata dos benefícios da previdência dissociados dos ajustes do salário mínimo.

Sem dúvidas, esses cortes e as mudanças para uma política neo-liberal miram os mais pobres do Brasil e o ex-Presidente Lula da Silva, cujas intenções de voto para as próximas eleições em 2018 superam as de Temer em 20% em algumas regiões, e configuram as ações de Temer e seu ministério com as de um governo permanente e não interino.

Os desafios quanto ao futuro do país e da região não podiam ser maiores – Dilma Rousseff foi suspensa de seu gabinete por 180 dias, por uma votação no Senado no dia 12 de maio, para enfrentar um julgamento de impeachment por alegações de manipulação orçamentária. Se o Senado decidir, com supervisão do STF, destituir Rousseff ao final do julgamento, Temer assumirá o posto permanentemente até o final do mandato em 2018 e parece determinado a retroceder com o legado dos governos dos Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. O país, sem dúvidas, enfrenta muitas dificuldades e mudanças, mas já conseguiu diminuir a desigualdade social enquanto esta aumenta no mundo, com quedas de taxas de pobreza e analfabetismo. Este foi o resultado de programas de inclusão social reconhecidos mundialmente, como o Bolsa Família para pessoas com baixa renda, aumentos do salário mínimo, entre outras políticas.

Um exemplo material da diferença que a austeridade do governo fruto do golpe fará na vida dos brasileiros pode ser visto na proposta de fazer cortes drásticos em uma das bandeiras dos programas sociais do país, que oferece moradia a baixo custo para os brasileiros, e é vista como uma das maiores conquistas do governo.

Este programa de moradia provê um subsídio para as pessoas dependendo do seu nível de renda, com os mais pobres chegando a receber moradia virtualmente sem custo e, junto com o já mencionado subsídio do Bolsa Família para a população de baixa renda, tirou milhões da pobreza.

Além disso, o governo Temer somente honrará os contratos existentes para os programas sociais de moradia que estão a caminho de serem implementados, enquanto o governo de Rousseff assumiu o compromisso, em fevereiro, de construir 2 milhões de moradias dentro do programa.

Outra intenção do governo é a controversa proposta de reforma dos direitos trabalhistas, que romperia com o código existente e abriria possibilidades de mudanças em carga horária, salários, benefícios e nos processos de negociações coletivas. As mudanças propostas também incluiriam alterações que favoreceriam a terceirização. Os sindicatos brasileiros demonstraram preocupação com a fragmentação, por parte do novo governo, dos direitos legais relacionados à licença maternidade, férias anuais, pagamentos de bônus de final de ano, pagamento dobrado por hora extra de trabalho, e dos pagamentos do fundo de garantia por tempo de serviço.

Frances O’Grady estava certo ao convocar solidariedade internacional ao Brasil e ao explicar que “A elite econômica – que ainda domina mais de 25 partidos no legislativo nacional, além da mídia do país – perdeu quatro eleições presidenciais seguidas, e parece não querer correr o risco de uma quinta e uma sexta para o carismático ex-líder sindical, duas vezes Presidente e figura global, Luiz Inácio Lula da Silva, que poderia prolongar sua exclusão do poder por um impressionante período de 24 anos.”

Nossa batalha contra o neo-liberalismo e por um mundo melhor está mais internacional do que nunca na economia globalizada dos dias de hoje – o movimento Trabalhador, globalmente, precisa erguer sua voz o mais alto possível em solidariedade à democracia e ao progresso social no Brasil.

Redação:
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