Traído ou traíra? Temer se vinga de Dilma encenando a legítima defesa da honra

(Foto: Lula Marques). Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho Enquanto os EUA comemoravam, com a vitória de Hilary Clinton nas prévias do Partido Democrata, o dia histórico em que uma mulher foi pela primeira vez indicada para concorrer à presidência, no Brasil, que nisso estava seis anos à frente, regredimos ao folhetim do “marido traído”. É a regressão [...]

(Foto: Lula Marques).

Por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista de política do Cafezinho

Enquanto os EUA comemoram, com a vitória de Hilary Clinton nas prévias do Partido Democrata, o dia histórico em que uma mulher foi pela primeira vez indicada para concorrer à presidência, no Brasil, que nisso estava seis anos à frente, regredimos ao folhetim do “marido traído”. É a regressão, com todos os requintes do ridículo, que caracteriza a ostensiva perseguição de Temer a Dilma, que já passou pela “cartinha”, pelo corte da “pensão alimentícia”, pela retirada do avião presidencial chegando, por fim, ao drama do retrato retirado da parede.

A própria linguagem da política, que costuma dizer que dois partidos que se aproximam “namoram”, e que ao realizarem uma aliança, “se casam”, permite fantasiar o par presidencial como um casal.  E, com isso, fica fácil aos operadores do marketing político explorar os efeitos simbólicos dos dramas a dois (o ciúme, a traição, a vingança).

A campanha de Temer contra Dilma traz as marcas do romantismo barato numa reinvenção da síndrome do “consorte traído”, bem ao estilo de Doca Street nos tempos da abjeta “legítima defesa da honra”. Aliás, mesmo nos anos 70, quando era sagrado para o homem brasileiro levar no bolso do paletó um pente flamengo e um espelhinho, aquelas artimanhas sentimentais já eram velharias. Tanto que Doca Street terminou condenado, pelo assassinato de Ângela Diniz em 1976, a 15 anos de prisão.

Eram velharias ou, talvez, melhor dizendo, velhacarias.

Temer retirou da gaveta de algum IML histórico o que há de mais retrógrado no repertório das aberrações mentais brasileiras. Não à-toa, em seu discurso para se defender da acusação do delator Sérgio Machado, fez questão de dizer que falava como “homem”.

A comédia dos enganos começou com uma crise na relação presidencial. Para quem não lembra, o primeiro documento de que algo não ia bem entre os ‘consortes’ foi a cartinha enviada por Temer  a Dilma para dar publicidade à sua dor (dez 2015), que ele mesmo vazou, e na qual dizia o quanto ela (a tirana) o fazia sofrer. Em tom do sentimentalismo mais melodramático, anunciava que ia confessar suas mágoas: “Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.”

Durante os êxtases e entusiasmos das semanas que se seguiram ao afastamento preliminar de Dilma, em meados de abril, Temer logo esqueceu que ela existia e passou a implementar o governo ao seu estilo. Escolheu os ministros mais seletos, que apresentaram suas propostas e metas. Falou-se muito em destruir direitos – “Não existe direito absoluto”, “direito adquirido não é direito claramente adquirido”, etc. –, em reduzir o SUS, desmontar o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida e outros programas sociais. Contudo, ao mesmo tempo em que tudo isso gerava reações, o que era previsto, algo imprevisto, mas não difícil de prever, acontecia.

Recém construída a casa de Temer começava a ruir. Em 25 dias úteis de governo, foram três ministros derrubados por fatos ligados à Lava Jato. Com essa sangria, a anemia tomou conta do governo que, muito fragilizado pelo envelhecimento relâmpago, se tornou muito suscetível às pressões externas. Aliás, mesmo antes da queda do terceiro ministro, no dia 08 desse mês, sua fraqueza já era enorme, como revelou a coluna de Mônica Bergamo:

“O presidente interino Michel Temer está sob intensa pressão de senadores que se dizem indecisos sobre o impeachment. Há alguns dias, vem revelando desconforto com a barganha e as exigências feitas por alguns deles. ‘Então votem na Dilma’, já chegou a dizer, em mais de uma ocasião. De acordo com o relato de dois interlocutores diretos de Temer, o presidente interino está ‘exaurido’ com o que um deles define como ‘chantagem explícita’ de parlamentares que ainda não tomaram posição sobre o impedimento da petista.”

Confrontando com a dura realidade, os estrategistas do governo Temer apelaram para o repertório das táticas de assédio moral na tentativa de desviarem o foco da opinião pública. Foi então que as maquinações ignóbeis, como as restrições de voos pela FAB, foram fabricadas para criar a impressão de que Temer era quem dava as cartas.  Tudo com muita ressonância na mídia, especialmente na Globo, para ganhar ares de realidade.

O espírito de bolero e naftalina, coisas dos anos 50, com tiradas do tipo “Rasguei o seu retrato”, pode parecer indecoroso para um presidente, mesmo interino, mas não para Temer. Foi assim que como se viu no dia 16, na home do G1, o líder do governo no Senado, o senador Aloysio Nunes, agindo como um cupido invertido a mando de Temer, tirou da parede do gabinete a foto da megera:

Simbolicamente todos esses gestos (o corte da alimentação, dos voos da FAB, a retirada do retrato, etc.) se destinam a fazer a opinião pública esquecer a figura do vice traíra, daquele que deu a facada pelas costas, para colocar em seu lugar a novela do homem traído. E com isso, para uma massa de direita em que pulsam instintos assassinos, reeditar o transe da “legítima defesa de honra”, velho refúgio dos feminicidas.

O repertório do assédio moral dirigido a Dilma foi uma tentativa de encobrir uma situação política crítica, de extrema vulnerabilidade, com uma cortina de fumaça.

A decisão judicial que acaba de garantir a Dilma o direito de voar nos aviões da FAB,  traz mais um déficit para o passivo de Temer. Sobretudo a pesquisa do Instituto Ipsos, que indica que 70% da população desaprova a conduta do presidente interino, demonstra que a estratégia do assédio moral, que mobilizou munição pesada contra Dilma no último mês, foi repudiada como incompatível com a moderna cultura civil do país. A conclusão óbvia é de que a tentativa de Temer de desviar o foco da opinião pública fracassou.

O resultado disso tende a ser, a curto prazo, a melhora relativa da posição de Dilma  e o aumento da desaprovação de Temer e de seu governo nas pesquisas de opinião. Situação que pode se agravar repentinamente com novas e súbitas revelações advindas do submundo da corrupção brasileira. Vamos esperar.  

 

Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.

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