Por Pedro Breier, correspondente policial do Cafezinho
“Moro leva público ao delírio em noite de rock em Curitiba” é a manchete de uma notícia em O Globo, ontem. Um marciano que chegasse à Terra e se deparasse com essa frase provavelmente pensaria que Moro é vocalista de uma banda de rock no auge do sucesso. Os terráqueos brasileiros, porém, sabem que não se trata disso. Moro é um juiz de direito que virou celebridade. Foi ovacionado após o vocalista do Capital Inicial anunciar sua presença no show e dedicar-lhe a próxima música. A reportagem registra que “As aparições públicas do juiz responsável pela condução das ações da Operação Lava-Jato viraram momentos dignos das estrelas pop com fotos, gritos, aplausos e uma idolatria quase mítica”.
Um juiz ser idolatrado dessa forma não é algo banal. É o resultado de um processo complexo de manipulação e direcionamento dos sentimentos da população pelos veículos de mídia que monopolizam a comunicação no Brasil. Dos jornais de pequena circulação e programas de rádio e televisão regionais até os jornais e programas nacionais, é nítido o direcionamento: a crítica é quase sempre à classe política, aos integrantes dos poderes legislativo e executivo. Ao judiciário normalmente é reservado um obsequioso silêncio no noticiário. Não havendo evidências de que o poder judiciário seja menos propenso à corrupção do que os demais, fica a pergunta: porque ele é poupado pela imprensa tradicional?
Uma pista está no fato de que os juízes são vitalícios no seu cargo, enquanto os políticos devem submeter-se às urnas de quatro em quatro anos. A mídia corporativa detém os meios para cometer assassinato de reputação contra um político desafeto, o que pode comprometer seriamente suas chances em eleições futuras. Na relação com os juízes o mecanismo de pressão por parte da imprensa familiar precisa ser mais sutil, afinal eles não são eleitos por ninguém e normalmente mantém seu cargo até a aposentadoria. O prêmio Faz Diferença, entregue à Sérgio Moro pela Globo, é exemplo nítido da discrepância entre o tratamento reservado pela mídia aos políticos e aos magistrados. Enquanto os primeiros são mantidos sob tensão constante, com a ameaça de serem detonados em alguns minutos de Jornal Nacional, os segundos são afagados com prêmios e cobertura louvatória para que, deslumbrados com a fama, ajam de acordo com o script. A criminalização da política e o silêncio quanto aos podres do judiciário por parte da mídia monopolizada são, portanto, os primeiros requisitos para que tenhamos juízes celebridades no Brasil. Moro não é o primeiro, alguém lembra de Joaquim Barbosa, “o menino pobre que mudou o Brasil” segundo uma capa da Veja? Não é coincidência que este também tenha um prêmio Faz Diferença em sua estante.
Outro requisito é a propagação do mito da imparcialidade. As instituições e pessoas que seguem a ideologia que interessa aos donos do poder (capital rentista, bancos, multinacionais, barões da mídia) são classificadas como técnicas, imparciais, enquanto os adeptos de ideologias diferentes são classificados como… ideológicos. Por isso as empresas de comunicação alardeiam a sua isenção apesar de ser evidente a parcialidade em cada matéria de jornal ou reportagem de TV. Manter a aura de neutra é o que dá à mídia velha confiabilidade e o poder de controlar a narrativa dos acontecimentos. Como muita gente compra essa ideia de imparcialidade, os objetivos políticos da imprensa conservadora são atingidos: a política só pode ser um antro de ladrões, afinal só se vê escândalos envolvendo políticos nas manchetes, enquanto o judiciário deve ser um poder muito mais justo, afinal os juízes são mostrados como heróis do combate à corrupção. Não há capa de jornal ou longos minutos na TV sobre os aumentos de salário e auxílios escandalosos que os juízes concedem a si mesmos ou sobre as ilegalidades cometidas pelos juízes-heróis na sua epopeia contra os corruptos. É claro: essas discussões popularizadas na sociedade não permitiriam a transformação de um juiz em ídolo das massas.
Uma mídia concentrada que se autoproclama neutra e imparcial (a ideia de que se você se considera neutro está do lado do status quo faz todo o sentido) cria as condições, através da manipulação do seu noticiário, para que o poder judiciário não seja questionado e discutido pela população. Qualquer crítica ao rockstar Sérgio Moro só pode vir de petistas ou defensores de bandido. Apesar de estar em declínio, o poder da mídia concentrada de produzir o consenso na sociedade é, ainda, enorme.