Por Theo Rodrigues, colunista do Cafezinho.
O sempre polêmico Zizek não perdeu tempo. Mal saiu o resultado do plebiscito em que o Reino Unido decidiu pela saída da União Europeia – o famoso Brexit – e o filósofo esloveno já apontou a raiz do problema: a falta de uma esquerda transnacional capaz de impedir o avanço de uma direita nacionalista.
Será realmente isso? Bastaria ressuscitar a Terceira Internacional para resolver o problema da correlação mundial de forças que tem sido tão desfavorável para os subalternos? Não me parece muito crível.
A grande questão é que, a meu ver, o filósofo chegou em uma conclusão parcialmente correta, porém por um caminho equivocado.
Zizek vai buscar em Ernesto Laclau e Chantal Mouffe – embora não cite os dois autores – aquilo que seria a estratégia da esquerda contemporânea. Essa estratégia passa pela compreensão de que no século XXI as opressões são muitas – classe, gênero, cor etc. – e de que somente a articulação de todas essas identidades em torno de um projeto único de nação pode constituir uma democracia radical. É a tal lógica do “nós” versus “eles”, em que o “nós” se refere a todas essas identidades oprimidas que conformam o povo e que enfrenta o “eles”, um capital financeiro encastelado na burocracia do Estado. Essa foi a estratégia que vigorou de modos distintos na última década na América do Sul e que intelectuais do Podemos levaram como subsídio prático e teórico para a Espanha.
No entanto, Zizek não concorda com essa estratégia. Pois, segundo ele, a esquerda contemporânea pode até ser eleita tendo como mote a “questão nacional”, mas não conseguirá mexer com os mecanismos capitalistas. E, em suas palavras, se ousar mexer, “logo vem o rebote das perturbações do mercado, o caos econômico e por aí vai…”.
Deste modo, a única solução possível para a esquerda enfrentar o capitalismo global é agir em nível transnacional. Curiosamente, com essa formulação, Zizek parece se aproximar do economista francês Piketty, para quem a redução das desigualdades sociais no mundo será decorrência de um grande pacto internacional. Irônico, já que Zizek, ultimamente, acusa Piketty de ser utópico.
Mas será que existe realmente uma contradição irreconciliável entre “agir em nível transnacional” e construir um projeto de desenvolvimento nacional como Zizek faz crer?
Ora, articular múltiplas identidades oprimidas em torno de um projeto nacional é apenas um primeiro passo na luta política anti-imperialista. As experiências dos países ao sul do mundo indicam que o segundo passo tem sido justamente a articulação desses projetos nacionais no âmbito internacional. Aí estão os BRICS, o Mercosul, a Unasul, a Alba etc.
Basta observarmos o que acontece quando esse projeto nacional é desconstruído em um determinado país. No Brasil, nosso exemplo mais próximo, a direita assumiu o poder e em poucos dias o seu novo chanceler, José Serra, já indicou que em detrimento das relações sul-sul passará a privilegiar negociações bilaterais com os EUA.
Na pressa para dar uma resposta ao que ocorreu com o Brexit, Zizek envergou demais a vara para o outro lado. Acertou ao argumentar que a esquerda precisa ser transnacional. Contudo, errou feio ao desconsiderar a questão nacional como instrumento relevante na disputa global contra o capitalismo.
O texto de Zizek pode ser visto em:
https://blogdaboitempo.com.br/2016/06/24/zizek-precisamos-entender-a-esquerda-que-apoiou-o-brexit/
Theo Rodrigues é sociólogo, cientista político e Coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.