Por Luis Edmundo Araujo, editor de esporte do Cafezinho
No campo de jogo, no terreno apolítico restrito às quatro linhas, nenhum dos ex-jogadores que serão homenageados agora foram melhores que Romário, simplesmente o maior artilheiro do futebol mundial em todos os tempos, oficialmente falando. Nem mesmo o grande goleador entre estes craques da consciência, que me desculpe a torcida do glorioso Atlético-MG, mas nem mesmo Reinaldo, outro gênio da grande área, foi maior que o baixinho Romário. Talvez se não tivesse sido perseguido pelas contusões e posições políticas, quem sabe não igualasse ou ultrapassasse os feitos do atual senador, mas o fato é que não o fez. Em outros gramados, porém, nos campos da política, da tomada de posição em defesa dos mais fracos, dos mais pobres, tanto o Reinaldo quanto a dupla de meio-campistas da foto aí de cima, Afonsinho e Sócrates, os três foram muito, mas muito melhores que Romário, pelo menos até agora.
Afonsinho iniciou a carreira em 1962, no XV de Jaú (SP), e três anos depois foi contratado pelo Botafogo, onde conquistaria seus principais títulos no futebol, entre eles o bicampeonato carioca de 1967/68 e a Taça Brasil de 1968, além do Torneio Rio-São Paulo de 1966, dividido com Vasco, Corinthians e Santos. Em 1970, sob o governo do General Emilio Garrastazu Médici, foi emprestado pelo Botafogo ao Olaria, por divergências com a diretoria. Na volta ao time de Jairizinho. ficou oito meses encostado, com contrato suspenso por se negar a tirar a barba e o cabelo comprido que passara a usar no Olaria. Foi a deixa para que o meia iniciasse na Justiça sua luta pioneira pelo passe livre.
O Vasco foi o primeiro time a contratar Afonsinho após a vitória dele nessa luta. Depois o meio-campista, monitorado pelos órgãos de repressão da ditadura militar, jogaria ainda no Santos, no Flamengo, no América mineiro e no Madureira, antes de encerrar a carreira no Fluminense, em 1981, aos 34 anos. Formado em medicina, trabalhou como psiquiatra do Instituto Pinel durante cerca de 30 anos. Hoje, aposentado, continua a clinicar como médico do programa Saúde da Família, na Ilha de Paquetá, no Rio, onde mora. Nunca jogou na Seleção Brasileira, talvez pela forte concorrência na época de Gérson, Pelé, Rivelino e outros craques do meio-campo, talvez por outros motivos.
Também médico, Sócrates, por sua vez, era O camisa 8 de seu tempo no Brasil. Titular da Seleção nas Copas de 1982 e 1986, foi ídolo da Fiel corinthiana, onde protagonizou a revolucionária Democracia Corinthiana, junto com o lateral Wladimir e o amigo Casagrande. Às vésperas do movimento pelas Diretas Já, os jogadores do Corinthians passaram a decidir tudo, internamente, no voto, além de se engajarem na luta pela redemocratização do País nos estertores da ditadura militar e de conquistarem, no campo, o bicampeonato paulista de 1982/83.
Na Copa do México, em 1986, Sócrates usava a cada jogo uma faixa na cabeça com alguma mensagem, primeiro em apoio aos mexicanos pelo terremoto recente no país, depois exibindo palavras contra o racismo, a fome, as guerras e o imperialismo. Considerado dos esportistas mais inteligentes da história, morreu no dia 4 de dezembro de 2011, em decorrência de problemas relativos ao alcoolismo, e gostava de comemorar seus gols com o braço erguido, o punho fechado, gesto característico do outro citado neste texto, que tanto irritava as autoridades autoritárias, reacionárias, da época, e as de hoje também.
Com seus 28 gols em 18 jogos do Campeonato Brasileiro de 1977, Reinaldo, Rei do Galo mineiro de 1973 a 1985, é até hoje o artilheiro com a melhor média de gols (1,56 gol por partida) de todas as edições do Brasileirão de futebol. Caçado em campo, conseguia marcar até machucado, e em final de campeonato. Hexacampeão mineiro com o Galo, de 1978 a 1983, Reinaldo jogou a Copa de 1978, onde deixou suas marcas registradas na competição logo na estreia, com o primeiro gol da Seleção no torneio e o braço erguido, o punho fechado pra comemorar, a referência ao movimento dos Panteras Negras.
As contusões o tiraram da Copa seguinte, e tiraram ainda, daquela equipe que encantou o mundo na Espanha, o toque final, o centroavante que, em forma, daria não só o título àquele time como talvez, quem sabe, a condição de uma entre as três, no máximo quatro melhores seleções de todos os tempos. Até encerrar a carreira, Reinaldo não mais chegaria perto do fenômeno que representou no fim dos anos 70, início dos 80, mas até hoje, na média, é o maior goleador de uma edição do Campeonato Brasileiro, na frente inclusive do Romário, artilheiro em 2001 com 21 gols em 18 jogos, média de 1,17, isso pra ficar só no campo. Porque fora dele, a exemplo do Maradona, tanto o Reinaldo quanto o Afonsinho e o Sócrates, o Wladimir também, todos são muito, muito melhores que o Romário, que do seu lado, nesse quesito, só tem a chance, infelizmente remota, de se redimir quando o golpe estiver, enfim, pra ser consumado.
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