A paz dos cemitérios e a corrupção “normal” do governo Temer

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Análise Diária de Conjuntura – 21/06/2016

Acordo pela manhã, caminho até a varanda do meu apartamento e farejo a atmosfera política do país.

Observo uma calma estranha. Não é, porém, o silêncio nervoso de uma cena de filme de terror, que antecede o susto.

Não há sustos no horizonte.

É antes uma calma de cemitério. [/s2If]

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Uma calma sinistra, provavelmente muito parecida com a que se via no período imediatamente posterior ao golpe de 64.

Uma calma que esconde o recrudescimento da violência no campo, e o aumento da atividade de todos os grupos violentos e fascistas.

Invasão de fascistas à UNB, mais tentativas de invasão de sedes de sindicatos e partidos, pichações racistas. Em Porto Alegre, a estátua de Salvador Allende foi vandalizada por admiradores de Bolsonaro.

E a mídia faz um silêncio cúmplice diante dessas movimentações.

Curiosamente, os escândalos do governo Temer vão além da imaginação, mas não despertam ondas de ódio e horror.

Penso numa explicação: é uma corrupção previsível, normal.

Voltamos a ser aquilo pelo qual a mídia lutou tanto nos últimos anos: uma grande república de bananas.

Como não há ninguém para defender o governo (não abertamente), então ninguém fica decepcionado.

Não há dor.

Não há humilhação.

Os corruptos do governo são denunciados na imprensa, mas tudo fica por isso mesmo. Um ou outro ministro cai, é substituído por um outro mais corrupto ainda.

O jogo semiótico da mídia, porém, blinda o governo de maneira espetacular.

Lembro-me de Merval distinguindo uma corrupção “boa” e uma corrupção “má”. A corrupção má, evidentemente, pertence ao PT. A corrupção boa é tucana.

Uma fonte secreta me dá uma informação singela, que está na internet, para todo mundo ver: o atual chefão da comunicação do Tribunal Superior Eleitoral, nomeado naturalmente por Gilmar Mendes, é Fernando Guedes, que passou a vida inteira servindo o PSDB. Durante anos era editor do Diário Tucano.

Nada demais, né. Apesar de que é a primeira vez na história do TSE, que o assessor chefe é alguém ligado tão profundamente a um partido.

Os tucanos nunca são chamados de “militantes” porque, para a mídia tucana, ser tucano é a condição normal de um cidadão de bem.

A pesquisa que o TCU fez, recentemente, junto ao governo federal, mostrou que, nos últimos dias da gestão Dilma, havia praticamente a mesma quantidade de filiados de tucanos e petistas trabalhando no Executivo. E a primeira coisa que Michel Temer faz é demitir o garçom do Planalto porque ele era suspeito de ser “simpatizante do PT”.

O Globo ainda faz editorial dizendo que, para a “segurança” do governo, é melhor fazer mesmo uma caça às bruxas, eliminando qualquer petista do governo.

Tudo isso ainda durante o governo interino, numa demonstração de ansiedade golpista impressionante.

Entretanto, as conspirações não páram. Seus desdobramentos são previsíveis. Olha o tipo de notícia que a Lava Jato gera: Marcelo Odebrecht “irá delatar” que controlava a caixa 2 de Dilma Rousseff.

Os vazamentos tem sido não apenas seletivos, mas futuristas. As conspirações vazam as delações antes delas acontecerem. Naturalmente, é uma forma de pressão.

O Cafezinho irá divulgar, nas próximas horas, vídeos de Gilmar Mendes na Suécia. O sujeito age, sem o mínimo pudor, como um traidor da pátria. Discorre sobre um processo que ainda irá julgar, para um público estrangeiro!

Sobre o Marcelo Odebrecht, o jogo é bruto. A Lava Jato deixou claro que Marcelo ficará em prisão perpétua se não falar exatamente aquilo que a conspiração golpista deseja. E não só isso: a empresa será destruída, e todos seus principais executivos, presos.

A última ameaça da Lava Jato foi ir para cima do velho Emílio Odebrecht, caso o filho não entrasse no jogo.

Agora, essa tal delação, se realmente for verídica, é notoriamente forçada: como assim Marcelo Odebrecht “controlava pessoalmente” as doações de caixa 2 da empresa para a campanha de Dilma. E para as campanhas de outros partidos, não controlava. Como assim, Marcelo Odebrecht teria conversado com Dilma a respeito disso no México. É tudo absolutamente inverossímil. Essas coisas, evidentemente, são feitas e conversadas, quando são feitas e conversadas, por operadores: Sergio Machado, Yousseff, Sergio Motta, PC Farias, etc.

A Lava Jato, isso já está claro, tem duas vertentes. Ela tem um lado que foge ao controle das conspirações, que são as delações que atingem tucanos. Mas a Lava Jato tem conseguido, até o momento, usar essas informações de maneira estratégica: assustar um pouquinho tucanos e pmdebistas, para que estes não consigam também controlar a operação.

O outro lado da Lava Jato, que é o seu principal, o que norteia estrategicamente a operação, e o que fez com que ela ganhasse apoio incondicional da mídia, dos setores mais conservadores da população e das castas burocráticas, é seu objetivo de derrubar o governo. Este objetivo foi bem sucedido, mas ainda falta consolidar o golpe no senado, e transformá-lo em social, ou seja, convencer setores recalcitrantes da opinião pública de que a eleição de Dilma Rousseff foi “roubada”, e com isso legitimar socialmente a violação da soberania popular.

A prisão de Marcelo Odebrecht tem este objetivo. A sua condenação ridiculamente medieval, dezenove anos em regime fechado, teve como objetivo unicamente chantageá-lo para que ele se submetesse ao jogo sujo da Lava Jato. [/s2If]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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