Toda sexta. Sobre música e adjacências.
Por Bernardo Oliveira*, editor de música do Cafezinho.
— A trajetória do compositor e saxofonista Idris Ackamoor e seu grupo, The Pyramids, se inicia no início dos anos 70, marcada pela experimentação com jazz e ritmos africanos e por apresentações incendiárias que misturavam dança, teatro e performance. Ao lado de Margo Simmons (flauta) e Kimathi Asante (baixo), Ackamoor foi, ao lado de Sun Ra, Mtume Umoja Ensemble, entre outros, expressão viva do experimentalismo político afro-norte-americano que deu sequência às aspirações revolucionárias da Fire Music dos anos 60. O grupo encerrou as atividades em 1977 e retornou em 2012 para lançar o disco Otherwordly. Em 2015, reaparecem com o single “Rhapsody in Berlin (part I e II)” pelo selo Philophon. Este ano marca o surgimento de We be all africans pelo selo britânico Strut, um retorno mais “afrobeatificado” do que o desejável, mas que conserva a densidade que marcou discos como Lalibella (1973) e King of Kings (1974).
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— A revista inglesa Sounds and Colours lançou recentemente através de seu Bandcamp, a coletânea Sonidos Raíces del Perú. Tomando como ponto de partida a coleção de gravações de campo recolhidas pelo cineasta francês Vincent Moon (parte pode ser escutada aqui) durante uma viagem para o Peru em 2013, o trabalho apresenta reinterpretações destas gravações realizadas por um grupo de produtores e músicos como o argentino El Remolón (alter ego do produtor Andrés Schteingart) e Psilosamples aka Zé Rolê. O produtor mineiro de Pouso Alegre, responsável pelo trabalho mais original de música eletrônica brasileira ao lado dos funkeiros, apresenta uma remodelação imprevisível da faixa “Qoychuquy”, através de uma utilização meticulosa de timbres digitais e alterações constantes de clima e ritmo.
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— Tristan Perich é norte-americano de Nova Iorque que produz a partir da convergência entre elementos de matemática, física, som, música e trabalhos específicos com suportes sonoros e artes visuais. Em 2017 e 2010 lançou 1-Bit Music e 1-Bit Symphony respectivamente, que consistiam em experimentos com suportes: um circuito digital capaz de organizar sons de 1-Bit inseridos em uma caixinha de CD (veja aqui) com entrada para fones. Desta vez ele lança Noise Patterns, seguindo o mesmo princípio, com resultados diferentes. A música não é reproduzida por um “CD”, mas por seu próprio “instrumento”, um circuito eletrônico adaptado a um cartão de papel. As composições de 1-Bit se caracterizam por uma sonoridade áspera e rigorosa, organizada sob um princípio paródico análogo à diversificação expositiva da forma-sonata. Reparem na faixa abaixo o circuito montado por Perich e sua composição ruidosa:
— Após lançar em fevereiro deste ano o 7″ Intenção, o quarteto paulistano RAKTA antecipou uma prévia do próximo lançamento: III está programado para vir à tona dia 8 de julho de 2016 durante a turnê do grupo pelos EUA e Japão, através dos selos Iron Lung Records (EUA), Nada Nada Discos/Dama da Noite Discos (BR) e Dê o Fora (ES). O disco contém 6 faixas, entre as quais as duas disponíveis abaixo. Formado por Maria Paula Aurora (voz e teclado), Nathalia Viccari (bateria), Laura Del Vecchio (guitarra) e Carla Boregas (baixo), o som do RAKTA lembra um monte de coisas, mas não se parece diretamente com nada. Elementos do pós-punk do The Pop Group e Suicide e do rock psicodélico convergem em faixas boas de se escutar em alto e bom som.
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— Outro Tempo: Electronic and Contemporary Music from Brazil, 1978-1992 é uma coletânea produzida pelo DJ e colecionador John Gómez para o selo holandês Music From Memory. A intenção, segundo o madrilenho Gómez, é explorar as “bordas da música brasileira, onde ritmos indígenas se misturam com sintetizadores, onde a MPB se mistura com computadores e tambores.” Não tive acesso à lista de faixas, mas imagino que deva pintar algo de May East e Akira S… Abaixo, uma faixa com Andréa Daltro e seu LP Kiuá, originalmente lançada pelo selo Estúdio de Invenções em 1988.
— Acaba de ser lançado pelo selo Goma Gringa Discos a versão em vinil do disco Cambaco, que marca o retorno do compositor, instrumentista e cantor Vicente Barreto. Parceiro de grandes nomes da música brasileira como Vinícius de Moraes, Gonzaguinha, Tom Zé, entre outros, Barreto lançou um dos álbuns de 2015 após 10 anos de hiato. Compositor de grandes sucessos como “Tropicana” (mais conhecida como “Morena Tropicana”) na voz de Alceu Valença e “Hein?”, parceria com Tom Zé, Barreto renovou seu trabalho ao lado de artistas da música paulistana contemporânea como Manu Maltez, Kiko Dinucci, Romulo Fróes, Rodrigo Campos e seu filho Rafa Barreto. Gravado e mixado no Red Bull Studios, o disco conta com as belas ilustrações do multiartista Manu Maltez e tem a produção musical de Marcelo Cabral (Criolo, Metá Metá, MarginalS, Elza Soares, etc). Mais informações neste link.
*Professor da Faculdade de Educação/UFRJ, autor de “Tom Zé — Estudando o Samba” (Editora Cobogó, 2014).
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