(Gilmar Mendes durante seminário em Estocolmo. Foto: Pedro Gomes, especial para o Cafezinho)
O blog O Cafezinho contratou o jornalista Wellington Calasans, radicado na Suécia há muitos anos, para acompanhar Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE, em evento realizado em Estocolmo, Suécia.
A presença de Gilmar, como tem ocorrido com todas as lideranças do golpe no Brasil, não recebeu divulgação nenhuma, nem no Brasil nem na Suécia, possivelmente com medo da realização de protestos contra o golpe.
Acostumado a ambientes blindados pela mídia brasileira, com repórteres da Globo lhe fazendo perguntas “bonitinhas”, Mendes desta vez saiu da zona de conforto.
O evento, que era fechado, se chamava “A situação política do Brasil e as instituições” e realizou-se na Universidade de Estocolmo.
Durante o evento, Calasans pode fazer, em inglês, algumas perguntas incômodas a Gilmar Mendes, que o deixaram, segundo nosso repórter, bastante constrangido.
Calasans perguntou, por exemplo, porque Dilma estaria sendo derrubada por manobras orçamentárias rotineiras na administração pública, feita por quase todos os governadores e presidentes anteriores, e se isso não poderia provocar instabilidade no país, fragilizando a nossa democracia. Mendes respondeu (em péssimo inglês) que o processo contra Dilma era mais “político” que “jurídico”, sem conseguir esconder a fragilidade jurídica das acusações contra a presidenta.
Terminado o evento, Calasans teve a oportunidade de fazer uma entrevista exclusiva, dessa vez em português, com o ministro, repetindo as perguntas que há havia feito em inglês.
Observe como Gilmar, na primeira pergunta, se enrola todo ao responder sobre os riscos sistêmicos à democracia provocados por um impeachment sem crime de responsabilidade. Afinal, se não é preciso apontar um crime, qualquer governador ou prefeito pode ser derrubado em caso de perda de apoio político parlamentar.
O golpe nos transformou – violando a Constituição – num regime parlamentarista!
A resposta de Gilmar é uma barbaridade, digna de figurar com destaque nos anais do golpe de Estado de 2016.
Ele diz que “o processo é político, se ela tivesse cometido crime, se ficasse flagrantemente provado, que ela tivesse cometido crime, e ela tivesse 172 votos, ela também não seria processada”.
Ora, ora, ora!
A máscara dos golpistas está caindo na velocidade da luz.
Quer dizer que Dilma não cometeu crime e será derrubada?
E se ela “tivesse flagrantemente cometido crime”, poderia não ser derrubada?
Eita, Brasil! Condena quem não cometeu crime, inocenta quem cometeu, tudo por conta de julgamentos políticos realizados por um parlamentos cheio de bandidos presidido por Cunha!
E o voto popular, que é o principal julgamento político da nossa democracia, não vale nada?
Gilmar esqueceu disso? Que Dilma ganhou, por duas vezes consecutivas, as eleições presidenciais?
O voto de um punhado de deputados enrolados com a justiça, liderados por uma figura como Eduardo Cunha, vale mais que o sufrágio universal de 140 milhões de eleitores?
Não, Gilmar não esqueceu, tanto que, como ministro do TSE responsável pelas contas da Dilma (e agora como presidente do TSE), mandou reabrir inquéritos contra a campanha dela várias vezes. As contas são aprovadas e Gilmar reabre a investigação, sempre tentando criar factoides políticos negativos para o governo, com objetivo de desestabilizá-lo e de criar atmosfera política mais propícia para o golpe tipo 1 (parlamentar, que está dando certo) ou tipo 2 (cassação eleitoral, que é o plano B dos golpistas). E agora Gilmar quer separar as contas de Dilma e Temer, obviamente para reprovar só a primeira, uma bizarrice que mereceu, inclusive, uma pergunta crítica de um professor sueco que participava do encontro, para grande constrangimento do ministro.
A bizarrice é tanta que Gilmar, já satisfeito com o relativo e temporário sucesso do golpe, puxou o freio do processo de investigação das contas de Dilma, postergando-o para o ano que vem.
É assim, ele acelera, atrasa, reabre, a análise das contas de Dilma a seu bel prazer.
Gilmar inaugura uma nova modalidade de chicana jurídica: a chicana de acusação, conduzida pelo próprio juiz!
Em seguida, Calasans perguntou porque Lula foi impedido de assumir o ministério, sob pretexto de que estaria tentando “fugir” da justiça comum, enquanto Michel Temer nomeou mais de sete ministros indiciados que também, ao assumirem o cargo, ganharam fóro privilegiado, e poderiam igualmente ser acusados de estarem “fugindo”.
Mais uma vez, Mendes se embananou todo e disse que as situações eram completamente diferentes, sem conseguir apontar nenhuma diferença.
Por fim, Calasans perguntou a Mendes se ele considera que não há mais espaço para contestação ao impeachment junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como de praxe, Mendes julgou fora dos autos um processo que ainda pode ter de julgar no tribunal, o que é absolutamente anti-ético: ele respondeu que o STF já teria”exaurido” as questões em torno do impeachment.
Abaixo, a entrevista exclusiva com Gilmar Mendes, feita por Wellington Calasans, filmada por Pedro Gomes, especialmente para o Cafezinho.