Continuo minha quase solitária luta contra a narrativa do golpe.
Uma narrativa que traga o país quase inteiro, mesmo aqueles que lutam contra o golpe.
Todo mundo quer ver o adversário “preso”, “delatado”, sem se preocupar muito com a materialidade das provas e com os abusos da delação premiada, cujo método de obtenção, via tortura prisional, associado a interrogadores com objetivos pre-determinados e a vazamentos cuja seletividade e agenda de divulgação seguem um planejamento cuidadoso, evidentemente prejudica a confiabilidade das informações.
Vejam essa “delação” de Sergio Machado.
Eu até estou disposto, por amor ao debate (como dizem os advogados), a aceitar a tese coxinha de que todos os políticos roubam e usam caixa 2; e a acreditar, portanto, que Sergio Machado está dizendo a verdade ou parte da verdade.
Entretanto, mesmo tentando pensar assim, não consigo ver sinceridade nenhuma nas palavras do ex-presidente da Transpetro.
É a delação de um sujeito desesperado, capaz de delatar até a mãe, para sair da torre de Londres de Sergio Moro.
Tem muita fumaça nessa história, inclusive a parte em que cita Michel Temer.
Por exemplo, na parte em que Machado fala de Furnas, ele é vago: diz que “todos do PSDB sabiam que Furnas prestava grande apoio ao deputado Aécio Neves, via o diretor Dimas Toledo”.
Voltamos à famosa Lista de Furnas, que o Ministério Público, a Polícia Federal e a mídia até hoje tentam abafar.
Mas Machado não acrescenta, aparentemente, nada de concreto ao caso. Yousseff já disse coisas piores sobre o esquema de Aécio em Furnas, e não deu em nada.
Um dos trechos da delação de Machado, porém, segundo reportagem da Folha, contém uma novidade interessante, é o que ele fala do tempo em que ele, Sergio Machado, então filiado ao PSDB, ajudou a captar R$ 7 milhões de origem ilícita para a campanha de Aécio Neves à presidência da Câmara dos Deputados, com ajuda de Luiz Carlos Mendonça de Barros. Segundo Machado, vieram recursos de empresas e também do exterior.
Estamos assistindo a uma emocionante briga entre os dois grupos de golpistas: a casta burocrática, representada pelos responsáveis pela Lava Jato, contra a casta parlamentar, representada pelos caciques do PMDB e Michel Temer.
Vou reproduzir abaixo a matéria da Folha, uma reportagem curta, assinada por 4 repórteres.
Machado diz que Temer acertou propina para campanha de Chalita
MÁRCIO FALCÃO
AGUIRRE TALENTO
GABRIEL MASCARENHAS
RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA15/06/2016 14h26
Em seu acordo de delação premiada, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado afirmou que o presidente interino Michel Temer negociou com ele o repasse de R$ 1,5 milhão de propina para a campanha de Gabriel Chalita (ex-PMDB) à Prefeitura de São Paulo, em 2012.
Machado afirmou que o acerto do repasse ocorreu em setembro daquele ano e foi pago por meio de doação eleitoral pela empreiteira Queiroz Galvão, contratada da Transpetro.
Segundo o delator, Temer pediu ajuda porque a campanha de Chalita estava com dificuldades financeiras. A conversa teria ocorrido numa sala reservada da base aérea de Brasília.
“Michel Temer então disse que estava com problema no financiamento da candidatura do Chalita e perguntou se o depoente poderia ajudar; então o depoente disse que faria um repasse através de uma doação oficial”, diz o documento de sua delação.
“[De acordo com Machado,] o contexto da conversa deixava claro que o que Michel Temer estava ajustando com o depoente era que este solicitasse recursos ilícitos das empresas que tinham contratos com a Transpetro na forma de doação oficial para a campanha de Chalita”, continua.
Machado disse que alugou um carro e que se identificou ao entrar na base aérea. As falas de Machado citadas na delação são uma explicação do delator sobre um diálogo gravado com o ex-presidente José Sarney, quando tratou do tema (veja transcrição abaixo).
OUTRO LADO
Na época da divulgação do áudio em maio, o presidente interino Michel Temer negou que tenha pedido doação a Sérgio Machado para a campanha de Gabriel Chalita. Ele disse também que não foi candidato nas eleições municipais de 2012 e não recebeu nenhuma contribuição. Michel Temer disse também que nunca se encontrou em lugar inapropriado com Sérgio Machado.
Procurado pela Folha, Chalita disse que, como manifestado anteriormente, não conhece e não tem nenhum contato com Machado. Ele disse ainda que nunca soube de um eventual pedido que teria sido feito pelo presidente interino.
*
MACHADO: Você acha que a gente consegue emplacar o Michel sem uma articulação do jeito que esta…
SARNEY: Não. Sem articulação, não. Vou ver o que acontecendo, vou no Michel hoje…Como que para estimular a conversa, Machado revela que contribuiu com Temer, ajudando na campanha do “menino”, que para os investigadores é Gabriel Chalita, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PMDB em 2012:
MACHADO: O Michel presidente… lhe dizer… eu contribuí pro Michel.
SARNEY: Hum.
MACHADO: Eu contribuí pro Michel… Não quero nem que o senhor comente com o Renan… Eu contribuí pro Michel para a candidatura do menino [Gabriel Chalita, do PMDB-SP]… Falei com ele até num lugar inapropriado, que foi na base aérea.Sarney aparenta preocupação com a revelação e quer saber se uma ajuda que ele próprio recebeu de Machado é do conhecimento de mais alguém:
SARNEY: Mas alguém sabe que você me ajudou?
MACHADO: Não, sabe não. Ninguém sabe, presidente.
É um truque!
A conversa entre Machado e Temer fala sobre doações oficiais de campanha.
A outra notícia sobre a delação de Machado, publicada em vários grandes jornais, citando “mais de 20 políticos”, é truque ainda.
Os políticos falaram com Sergio Machado para intermediar doações oficiais de campanha.
Machado, espertamente, fala em “contexto” das conversas, ou seja, ele não tem prova.
Não tem santo na política.
Provavelmente, Sergio Machado praticou tráfico de influência nos dois lados: junto às empresas fornecedoras da Petrobrás e junto aos partidos.
Mas essa delação aí é um truque para não permitir que o governo Temer tome providências para reduzir o poder do Ministério Público e do Judiciário.
O conflito entre poderes não terminou com a deposição de Dilma. Ao contrário, aumentou.
Temer, um presidente ilegítimo, não tem condições de pacificar este conflito e contornar a crise.
Somente um presidente da república eleito pelo voto teria condições morais e políticas para pôr um freio nas conspirações do Ministério Público e no autoritarismo do Judiciário.
As conspirações e o autoritarismo não estão ajudando na luta contra a corrupção: e a prova é o golpe, que substituiu uma presidenta honesta por um safado usurpador, traidor e golpista, cercado de ratos altamente corruptos, muitos deles, suprema ironia, indiciados pela própria Lava Jato usada para produzir o clima pró-impeachment no país.
Temer e caciques do PMDB estão sendo fritados pelo fogo que eles mesmos usaram para depor Dilma.
Mas esse fogo, caso não seja regulamentado pela democracia, queimará todo mundo. Vide o caso da Marina Silva: nem a fadinha da floresta conseguiu sair ilesa do jogo sujo do golpe.