Moniz Bandeira: ‘O impeachment deve ser entendido dentro do contexto internacional’

Secretary Kerry Arrives to Panama City, Panama for Summit of the Americas U.S. Secretary of State John Kerry deplanes after arriving in Panama City, Panama, on April 9, 2015, to deliver an education speech and join President Obama at the Summit of the Americas. [State Department photo/ Public Domain] photo: Glen Johnson/ U.S. Department of State

Secretário de Estado Americano, John Kerry, durante Cúpula das Américas (Foto: Glen Johnson/ U.S. Department Of State)

O cientista político e historiador Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, professor da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, concedeu entrevista a parlamentares e à Sputnik Brasil, na qual comenta a crise política brasileira.

no Sputnik Brasil

Na entrevista, o Professor Moniz Bandeira considera ilegítima a presença de Michel Temer à frente do Poder Executivo, e diz que “poderosos interesses dos Estados Unidos, para ampliar sua presença econômica e geopolítica na América do Sul”, foram alguns dos fatores que levaram ao afastamento de Dilma Rousseff por meio da possível instauração de processo de impeachment.

A seguir, os principais pontos da entrevista de Moniz Bandeira aos parlamentares do PT e à Sputnik Brasil.

Serra ordena diplomatas no exterior a combater história do golpe: ‘sociedade civil se manifesta de forma imprópria’ (Foto: AFP)

Sputnik: Como o senhor avalia o processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff?

Moniz Bandeira: O fato de o presidente interino Michel Temer e seus ministros atuarem como definitivos, mudando toda a política da Presidente Dilma Rousseff, evidencia nitidamente a farsa montada para encobrir o golpe de Estado, um golpe frio contra a democracia, desfechado sob o manto de impeachment. Esse golpe, entretanto, deve ser compreendido dentro do contexto internacional, em que os Estados Unidos tratam de recompor sua hegemonia sobre a América do Sul, ao ponto de negociar e estabelecer acordos com o Presidente Mauricio Macri para a instalação de duas bases militares em regiões estratégicas da Argentina. O processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff não se tratou, portanto, de um ato isolado, por motivos domésticos, internos do Brasil.

S: Onde seriam implantadas tais bases?

MB: Uma seria em Ushuaia, na província da Terra do Fogo, cujos limites se estendem até a Antártida; a outra na Tríplice Fronteira (Argentina, Brasil e Paraguai), antiga ambição de Washington, a título de combater o terrorismo e o narcotráfico. Mas o grande interesse, inter alia, é, provavelmente, o Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de 200.000km2, um manancial transfronteiriço, que abrange Brasil (840.000km²), Paraguai (58.500km²), Uruguai (58.500km²) e Argentina (255.000km²). Aí os grandes bancos dos Estados Unidos e da Europa – Citigroup, UBS, Deutsche Bank, Credit Suisse, Macquarie Bank, Barclays Bank, The Blackstone Group, Allianz, HSBC Bank e outros – compraram vastas extensões de terra.

S: Que implicações teria o estabelecimento de tais bases na Argentina?

MB: Quaisquer que sejam as mais diversas justificativas, inclusive científicas, a presença militar dos EUA na Argentina implicaria maior infiltração da OTAN, na América do Sul, penetrada já, sorrateiramente, pela Grã-Bretanha no arquipélago das Malvinas, e ab-rogaria de fato e definitivamente a Resolução 41/11 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que, em 1986, estabeleceu o Atlântico Sul como Zona de Paz e Cooperação. E o Brasil jamais aceitou que a OTAN estendesse ao Atlântico Sul sua área de influência e atuação. Em 2010, durante o Governo da Presidente Dilma Rousseff, o então ministro da Defesa do Brasil, Nélson Jobim (do PMDB, o mesmo partido do presidente interino Temer), atacou a estratégia de ampliar a área de ingerência da OTAN ao Atlântico Sul, afirmando que nem o Brasil nem a América do Sul podem aceitar que os Estados Unidos “se arvorem” o direito de intervir em “qualquer teatro de operação” sob “os mais variados pretextos”, com a OTAN “a servir de instrumento para o avanço dos interesses de seu membro exponencial, os Estados Unidos da América, e, subsidiariamente, dos aliados europeus”.

Macri abre Argentina para duas bases estratégicas dos EUA: Cone Sul em perigo? (Foto: Reuters)

S:Mas estabelecer uma base militar na região da Antártida não é uma antiga pretensão dos EUA?

MB: Sim. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial esse é um objetivo estratégico do Pentágono, a fim de dominar a entrada do Atlântico Sul. E, possivelmente, tal pretensão agora ainda mais se acentuou devido ao fato de que a China, que está a construir em Paraje de Quintuco, na província de Neuquén, coração da Patagônia, a mais moderna estação interplanetária e a primeira fora de seu próprio território, com poderosa antena de 35 metros para pesquisas do “espaço profundo”, como parte do Programa Nacional de Exploração da Lua e Marte. A previsão é de que comece a operar em fins de 2016. Mas a fim de recuperar a hegemonia sobre toda a América do Sul, na disputa cada vez mais acirrada com a China, era necessário controlar, sobretudo, o Brasil, e acabar o Mercosul, a Unasul e outros órgãos criados juntamente com a Argentina, seu principal sócio e parceiro estratégico, a envolver os demais países da América do Sul. A derrubada da Presidente Dilma Rousseff poderia permitir a Washington colocar um preposto para substituí-la. A mudança na situação econômica e política tanto da Argentina como do Brasil afigura-se, entretanto, muito difícil para os EUA. A China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, com investimentos previstos superiores a US$ 54 bilhões, e o segundo maior parceiro comercial da Argentina, depois do Brasil. O Brasil, ao desenvolver uma política exterior com maior autonomia, fora da órbita de Washington, e de não intervenção nos países vizinhos e de integração da América do Sul, conforme a Constituição de 1988, constituía um obstáculo aos desígnios hegemônicos dos EUA, que pretendem impor a todos os países da América tratados de livre comércio similares aos firmados com as repúblicas do Pacífico. Os EUA não se conformam com o fato de o Brasil integrar o bloco conhecido como BRICS e seja um dos membros do banco em Xangai, que visa a concorrer com o FMI e o Banco Mundial.

S: O senhor julga que os Estados Unidos estiveram por trás da campanha para derrubar o Governo da Presidente Dilma Rousseff?

MB: Há fortes indícios de que o capital financeiro internacional, isto é, de que Wall Street e Washington nutriram a crise política e institucional, aguçando feroz luta de classes no Brasil. Ocorreu algo similar ao que o Presidente Getúlio Vargas denunciou na Carta-Testamento, antes de suicidar-se, em 24 de agosto de 1954: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de liberdade e garantia do trabalho.” Muito dinheiro correu na campanha pelo impeachment.

S: E qual é a perspectiva?

MB: É sombria. O governo interino de Michel Temer não tem legitimidade, é impopular e, ao que tudo indica, não há de perdurar até 2018. É fraco. Não contenta a gregos e troianos. E, ainda que o presidente interino Michel Temer não consiga o voto de 54 senadores para efetivar o impeachment, será muito difícil à Presidente Dilma Rousseff governar com um Congresso em grande parte corrompido e o STF comprometido pela atuação abertamente político-partidária de certos ministros. Novas eleições, portanto, creio que só as Forças Armadas, cujo comando do Exército, Marinha e Aeronáutica até agora está imune e isento, podem organizar e presidir o processo. Também só elas podem impedir que o Estado brasileiro seja desmantelado, em meio a esse clima de inquisição, criado e mantido no país em colaboração com a mídia corporativa, por elementos do Judiciário, como se estivessem acima de qualquer suspeita. E não estão. Não são deuses no Olimpo.

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