Rugendas, “Dança Batuque”, 1835.
Por Bernardo Oliveira*, editor de música do Cafezinho.
1.
Persiste uma profunda expressão política na criação e desenvolvimento das “escolas de samba”, os antigos “terreiros de samba”, formações análogas a outros modos de organização social como o quilombo e a favela. Laboratório de práticas coletivas, usina de expressões culturais de um povo formado basicamente por negros e mestiços, organizavam-se por uma prática de remodelação cultural, único caminho pelo qual poderiam driblar o racismo institucional — lembremos também do primeiro sindicato brasileiro, a Sociedade de Resistência dos Trabalhadores em Trapiches de Café, mais conhecido como Resistência, que além de atuar na área sindical, organizava o rancho carnavalesco Recreio das Flores, de onde sairia, mais tarde, a escola de samba Império Serrano.
Tratava-se, pois, de uma perigosa política de ocupação, duplamente experimental, desdobrada no tempo e no espaço. Migrar para as ruas se configurava como atitude deliberadamente política, exercício de resistência firmado sobre uma utilização determinada dos logradouros, avenidas, vielas, becos e escadas que recortam a topologia carioca. Aqui se inventava um modelo espacial — o “espaço público” — e seus inventores o ensinavam ao poder.
2.
Faltava, porém, o artifício sedutor: a ginga impressa na brincadeira de rua, a energia sonora capaz de enfeitiçar as vozes, os corpos, os ânimos. Efeito possível graças a uma atividade de importância capital na conformação do que entendemos por cultura popular no Brasil: o ato de criação musical: a confecção da canção, a elaboração do batuque, a interpretação vocal particular, a criação da harmonia, da melodia, do tema, das técnicas de apresentação e registro. Atividade capaz de conectar indivíduos dispersos em um só cordão, alinhados não em função de uma obrigação moral, religiosa ou patriótica, mas em uma espécie de transe, de êxtase múltiplo, coletivo. Circunscrita ao âmbito reduzido dos poetas, a atividade de compor portava o poder secreto e misterioso de produzir coesão dentro de algumas comunidades, ainda que de forma parcial e temporária.
3.
Quase contemporâneo à Semana de 22, gestava-se, então, o samba do Estácio. A invenção do samba urbano carioca: “samba de sambar” e tomar as ruas, composto por “notas mais longas e andamento mais rápido, cadência marcada” (que utilizava células rítmicas oriundas da batucada da umbanda) e “versos que falavam dos problemas do dia a dia”.[2] A instrumentação particular, elaborada por personagens como Alcebíades Barcelos (o Bide) e João Mina — o primeiro, responsável pela invenção do surdo e, dizem, do tamborim; o segundo, aquele a quem se atribui a introdução da cuíca no samba.[3] A dança espontânea, calcada em uma mistura de umbigada e roda de batucada. A inclusão do canto das baianas, do coro. A invenção do bloco organizado, mais tarde batizado “escola de samba”. As harmonias mais simples, diretas e eficazes de compositores como Ismael Silva, Marçal, Bide, Heitor dos Prazeres, Brancura, Baiano, Baiaco, Getúlio Marinho, entre outros — todos gravados pela alta tecnologia da época e veiculados pela nossa incipiente “indústria cultural”.[4]
Um contexto particular, marcado por aquilo que, no termo criado por Wallace Lopez, pode ser definido por uma “geosambalidade”: o samba constituindo território; o samba geopolítico; o samba enquanto “poder constituinte”; o samba cordial, porém armado até os dentes; o samba filósofo, que enfrenta o establishment e desenvolve formas de vida alternativas à ordem pré-estabelecida.[5] Movimentos de uma vanguarda como até então não se vira naquela região e que viria a produzir efeitos concretos sobre a noção de “cultura brasileira”, figurando como um dos pilares da chamada “identidade nacional”.
4.
Em sua representação oficial, porém, e mesmo na historiografia relativa ao assunto, há um consenso de que o Samba exprime o ethos da brasilidade, um traço fundamental da nossa identidade cultural e nacional que teria se generalizado após a Revolução de 1930.[6] Essa “generalização” relaciona-se em parte com a apropriação política realizada pelo Estado Novo, a institucionalização que conduz aos desfiles e aos sambas-exaltação, mas também com um certo modelo de compreensão histórica que tem suas raízes no cristianismo. Me refiro a uma concepção da “origem” através da qual se revelaria “a essência exata da coisa, sua mais pura possibilidade, sua identidade cuidadosamente recolhida em si mesma, sua forma imóvel e anterior a tudo o que é externo, acidental, sucessivo.”[7]
Na forma como costumamos compreender o samba e, em particular, implícito nos modelos históricos subjacentes às pesquisas acerca do samba, salta aos olhos o tom de compromisso com a manutenção responsável da “continuidade histórica”. Em parte, esta cautela relaciona-se imediatamente com a demanda por “veracidade histórica”, geralmente associada a duas formas de se compreender o fenômeno analisado: à contraluz de uma origem metafísica ou das contingências históricas. Sobre os pilares de uma origem metafísica ou historicamente constituída nasce o apreço pela tradição. Associando a constituição histórica à veracidade ou a restituição da “essência exata da coisa” à sua origem histórica ou supra-histórica, acaba-se por confinar todos os modos subsequentes — todas as invenções, práticas, marcas, rastros e irrupções futuras — nos limites de uma expressão tomada como “natural” ou formalmente superior. A consolidação de uma temporalidade referencial, instituída a partir de movimentos de ordenação cronológica e causal, restringe a possibilidade de se pensar a invenção como rebelião e disjunção em ato. O presente se torna refém natural do passado e da “tradição”; a expressão disjuntiva é capturada pela representação, que a remete novamente ao “princípio” essencial, hipoteticamente imune aos movimentos acidentais da realidade. Percebe-se o samba como o ramificar de tendências ancestrais supostamente mais próximas dos fundamentos primordiais do fenômeno (no caso do samba, de sua “raiz”) do que aqueles que se afirmam no presente.
5.
A história do samba, porém, guarda seus mistérios, suas especificidades. No Estácio, por exemplo, desprovidos de compromisso declarado com o passado, surgem novos agenciamentos técnicos, aprendizagens específicas, restaurações, desacordos em ebulição: os materiais disponíveis possibilitando novas apropriações sociais, culturais e especificamente musicais. Invenção e reinvenção para fins de festa e renovação das formas de vida. Importa tomar consciência das conformações sociais e influências rurais e urbanas que integram o samba do Estácio, associadas ao lundu, ao maxixe, à umbanda e à música nordestina. O epicentro deste movimento, porém, é deflagrado pela ação remodeladora dos sambistas: a recusa dos ritmos, timbres e formações disponíveis — a recusa da tradição — e a tradução do que foi herdado para uma expressão renovada, passível de ser compreendida em sua diferença.[8]
6.
(A perspectiva adotada por Paulo Lins em seu livro sobre o nascimento do samba do Estácio, privilegia a convergência vertiginosa entre arte e vida que caracteriza esse momento, não obstante o caráter ficcional que o autor imprime sobre a história real. Apesar das críticas recebidas — em boa parte voltadas contra o alto estatuto atribuído a Ismael Silva e a ausência da tal “veracidade histórica” — destaca-se uma narrativa capaz de revigorar os caminhos interpretativos acerca da importância deste período, ao favorecer o caráter inventivo dos compositores, o conteúdo político de sua ação e, talvez pela primeira vez na historiografia do samba, ao valorizar “os instrumentos de vanguarda para combater os de tortura…”[9]).
7.
O mistério do samba corresponde à pluralidade indefinida de sambistas e de seus modos e maneiras de compor, diferentes entre si. O samba, portanto, como produto de uma vivência específica e particular, seja do compositor (Ismael Silva), seja do grupo social ao qual pertence (o Estácio). Vivência, isto é, “estar presente em vida enquanto algo acontece”: uma experiência que não pode ser compreendida de maneira fixa e universal. Um indivíduo se torna o que é e afirma o que pode através de um trabalho de cultivo de si mesmo, um cultivo que se dá através de suas vivências e mediações, daquilo a que os gregos chamavam pathos — uma noção associada não à precisão do conceito, mas às intensidades dos afetos e das ações.[10] A patologia do samba corresponde à patologia do sambista, isto é, à convergência entre o acúmulo singular de experiências, a potência de agir e pensar e a pluralidade de suas invenções.
Nesse sentido, o samba não é, como se tornou comum afirmar, um ethos (“síntese dos costumes de um povo”), mas um pathos, produto de uma perspectiva patológica, insubstituível. Samba é menos algo que ensina, cura, diverte e delira — segundo uma “estética” tomada do ponto de vista kantiano do “fruidor” — do que vivência, excesso, paixão e singularidade. Em suma, a atividade do compositor. O samba não é metafísico porque carece do sambista e do contexto como qualquer outra manifestação musical. A “grandeza” do samba mantém uma relação de necessidade com a presença do compositor-instrumentista, que produzirá, na transfiguração de uma forma-samba provisória, uma pluralidade indefinida de expressões “sambísticas”.[11]
O Samba, assim, não tem raiz, não se constitui como um traço originário, mas de invenção. E o termo “invenção”, aplicado ao contexto do samba, desempenha um papel fundamental: desenraiza o samba toda vez que tentam petrificá-lo em uma sonoridade e um sentido estabilizados — afinal, ainda é preciso domesticar o samba e o que ele representa quando se trata de ocupar as ruas do país. O samba singular é o estopim, cujo efeito será compartilhado por aqueles que se comprazem de sua batida envolvente e melodia precisa. Seu eixo produtivo e expressivo não depende da aceitação popular, mas da atividade patológica do sambista, sempre procurando criar um samba que se equilibre entre o herdado e o desconhecido.
8.
A grandeza dos sambistas do Estácio consiste no fato de que, ao contrário dos políticos e intelectuais da época, já anteviam uma potência de cultivo e criação nas forças populares. Inventa-se, então, o tempo brasileiro: a cadência do samba, as palavras flutuando sobre o vai-e-vem épico e sexual da batucada em dois por quatro, o convite ao chacoalhar do corpo, dos gestos; ao gosto pelo detalhe das vestimentas (a barra da saia, o chapéu coco), dos passos da dança (o “coladinho”, o “cruzado”, o “corta jaca”). Um convite coletivo à exibição, ao jogo: uma atividade moralmente superior, pois já celebra a tal “vida sem catracas” e sem pedágios.
9.
Os compositores não são apenas responsáveis por suas canções enquanto “autores”, mas pelos efeitos desse dispositivo comunitário, esta “bela forma” capaz de alçar a imaginação pública à volatilidade do delírio, produzindo a convergência entre a alucinação subjetiva e o transe coletivo: a batucada, a melodia, o canto, os passos de dança, a roda de samba, a (re)visão de mundo contra a violência, os interesses, as forças armadas, os maus tratos. Luiz Carlos da Vila não joga a esmo quando afirma: “esta Kizomba é nossa constituição”.
10.
Transformados em coadjuvantes na atualidade, alguns compositores ainda sustentam a aura de cada terreiro, até mesmo daqueles que foram convertidos em “escolas” para obter legitimidade e a aceitação das classes dominantes. Apesar de não receber a devida homenagem de suas escolas, Paulo da Portela, Martinho da Vila, Silas de Oliveira e Cartola ainda são lembrados. Neste processo de acomodação a um determinado estatuto social (de malandro a trabalhador, do Terreiro à Escola), a trajetória das escolas de samba em geral, e do samba em particular, sempre se mostrou ambígua, renovando-se sempre à moda conciliatória — como nossos ancestrais Bantos, antropófagos culturais ainda no continente Africano, bem antes de pisarem na América.[12] Posteriormente, esta característica pode ser confirmada pela sucessão de modulações inovadoras/conciliatórias impressa nas reinvenções propostas por escolas como Portela e Império Serrano, por intérpretes como Moreira da Silva, Ciro Monteiro e João Gilberto, cantoras como Aracy de Almeida, Elza Soares e Clementina de Jesus [13], compositores como Ataulfo Alves, Candeia e Martinho da Vila, entre outras manifestações da vanguarda pagodeira. Na perspectiva da tradição reinventada e de um samba afirmativamente experimental, destaca-se a atividade dos compositores e instrumentistas vinculados ao Cacique de Ramos, como Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, Zeca Pagodinho, Ubirany, Bira Presidente, Jorge Aragão, Sereno, Neoci, entre muitos outros. Não só transformaram a forma dos sambas, combinando matrizes cancionais de escolas e contextos diversos, como também renovaram decisivamente a instrumentação com a criação e aplicação técnica do repique de mão, do banjo e do tan-tan. [14]
11.
A partir dos desfiles temáticos do Império Serrano, passando pela invenção do “carnavalesco” (Salgueiro, 65) até chegarmos às Escolas de Samba atuais, que não resistiram ao processo de comercialização do espetáculo, o caráter político não-institucional foi se tornando objeto de administração, até que restou apenas o aspecto visual, colorido, do desfile. E o carnavalesco se tornou preponderante, sobrepondo-se ao compositor. O carnavalesco zela pela excelência técnica do desfile, responde pelo ethos e pelo pathos da Escola. As arestas, os escritórios de samba-enredo aparam com seu know-how subutilizado para fins de reprodução industrial. A Bateria talvez seja o único contexto em que a conexão entre as dinâmicas comunitárias e a atividade inventiva ainda são preponderantes, com suas texturas e convenções cada vez mais desafiadoras e rebuscadas. Neste sentido, a Beija Flor foi a escola que melhor soube se adaptar ao modelo de carnaval imposto pelo grande capital, aceito pela comunidade e pelo grande público: a “Super Escola de Samba S/A”, denunciada por Beto Sem Braço e Aluísio Machado no samba do Império Serrano de 1982.
A obsolescência do papel do compositor migrou para o carnaval de rua, protagonizado em sua maioria por grupos sociais que não conhecem outro modelo de carnaval se não aqueles associados a rituais juvenis de classe média (a “chopada”, a “micareta”), à “festa no play” (isto é, os blocos que procuram depurar socialmente sua frequência divulgando horários falsos e/ou secretos com o intuito de despistar foliões “indesejados”), ou fabricado por carnavalescos (abordagem teatral-espetacular e difusão massiva das Organizações Globo). Com um detalhe curioso: os blocos corporativos da Zona Sul e do Centro carioca, incorporaram o regime extático dos primeiros carnavais, bem como a “tese da inversão”, segundo a qual o carnaval constituiria o período de nossas vidas reservado para a inversão de práticas e costumes do cotidiano. Contudo, o fizeram descartando a figura do compositor e, em última instância, desprezando qualquer tendência inventiva no âmbito sonoro, concentrando-se sobre o aspecto ritual e o apelo visual.
12.
Algo semelhante se pode afirmar com relação à produção musical do samba contemporâneo, acomodada sobre as formas e sonoridades desgastadas e redundantes. Um olhar panorâmico sobre o samba carioca evidencia uma conexão consistente entre a disposição para a invenção e o ímpeto de remodelação politico-cultural. Percebe-se, porém, que, de um ponto de vista da vitalidade e da disposição para a experimentação, o desdobramento mais pungente desta história não corresponde ao samba redundante que caracteriza os nomes proeminentes do “samba da Lapa” e de grupos padronizados como o Casuarina, enclausurados em um conceito estático do samba; mas na música protagonizada por MC Catra, MC Carol, MC Roba Cena, DJ Sydney, Perera DJ, RD da Nova Holanda, entre outros artistas ligados às vanguardas do funk. Ainda que sobre outras bases rítmicas e culturais, os funkeiros, assim como os sambistas do Estácio, entram em sua terceira década de produção conservando o ímpeto experimental característico das comunidades negras que habitam o Rio desde o século XVI. Oriundos das favelas e outros guetos negros do Rio e do Brasil, canalizam este ímpeto através de uma síntese particular de música, dança, festa, invenção e tecnologia.
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REFERÊNCIAS
BURCKHARDT, Jacob. A cultura do renacimento na Itália – um ensaio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a genealogia e a história”. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
FRANCESCHI, Humberto M.. Samba de Sambar do Estácio. 1928 a 1931. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2010.
LINS, Paulo. Desde que o samba é samba. São Paulo: Planeta, 2012.
LOPES, Nei. Bantos, males e identidade negra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988.
LOPEZ, Wallace. “‘Geo-sambalidades’: um ensaio sobre territórios, redes e circuitos a partir de Deleuze”. Ensaios filosóficos, volume IV, outubro, 2011, pp. 75-90.
MONTEIRO, Maurício. A Construção do Gosto — Música e Sociedade na Corte do Rio de Janeiro — 1808-1821. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917 – 1933. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001.
VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995.
VIESENTEINER, Jorge. “O conceito de vivência (Erlebnis) em Nietzsche: gênese, significado e recepção”. Kriterion, Belo Horizonte, no 127, Jun./2013, p. 141-155.
Seleção de faixas:
- Estácio: o arranjo mais “europeu”
“Quem eu deixar não quero mais” (Edgar M. dos Passos/João de Oliveira) – Francisco Alves (1928) - Estácio: O exemplo da “macumba”
“Ponto de Ogum” (Domínio Público) – Eloy Antero Dias e Getúlio Marinho (1930) - Estácio: A batucada incorporada ao arranjo 1
“Apanhando Papel” (Getúlio Marinho/Ubiratan da Silva) – Francisco Alves (1931) - Estácio: A batucada incorporada ao arranjo 2
“Ama-se uma vez” (Alcebíades “Bide” Barcelos/Armando Marçal) – Francisco Alves (1935) - Portela: Remodelação 1
“Teste ao Samba” (Paulo da Portela) – Casquinha (1939) - Império Serrano: Remodelação 2
“Não me perguntes” – (Dona Ivone Lara, Mestre Fuleiro e Darcy de Souza) (1948/1962) - Martinho da Vila: O Partido Alto reinventado
“Quem é do mar não enjoa” (Martinho da Vila) – Martinho da Vila (1969) - Fundo de Quintal: A remodelação do Samba no Cacique de Ramos
“Bebeto Loteria” (Tião Pelado) – Fundo de Quintal (1981) - O Samba administrativo: a reificação da redundância
“Quando bate uma saudade” (Paulinho da Viola) – Teresa Cristina e Grupo Semente (2002) - A invenção do Tamborzão
“Rap da Vila Comari” (Tito, Xandão e DJ Luciano Oliveira) – MCs Tito e Xandão (1998) - O Tamborzão Proibidão
“157 do Axé” – MC Orelha (2009) - O hino do Tamborzão Proibidão: a prosódia malandra remodelada
“Comando Vermelho” – MC Mascote (2005) - As ramificações experimentais do Tamborzão 1
“Empinadinha” – (MC Roba Cena/DJ Victor Falcão) MC Roba Cena (2013) - As ramificações experimentais do Tamborzão 2
“Bateu uma Onda Forte” – MC Carol (2013)
Notas:
[1] Artigo organizado e ampliado a partir de notas apresentadas em uma das mesas da mostra “O Samba Pede Passagem”, que ocorreu na Caixa Cultural RJ entre os dias 01 e 13 de dezembro de 2015.
[2] FRANCESCHI, Humberto M.. Samba de Sambar do Estácio. 1928 a 1931. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2010, p. 53.
[3] SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro, 1917 – 1933. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001, p. 180. Conta Humberto Franceschi que, em virtude do crescimento da Deixa Falar, nem todos os foliões conseguiam escutar o samba que era cantado. Com a intenção de resolver este problema, o sapateiro Bide lançou mão de suas habilidades técnicas e “encourou” uma lata de manteiga de 20 quilos com papel de saco de cimento umedecido, atando-o à lata com arames e taxinhas. O resultado da operação foi a criação deste instrumento grave ao qual chamamos surdo. Consta que Bide teria manufaturado quatro exemplares deste novo instrumento, que durante os desfiles eram comandados pelo flautista Benedito Lacerda. Conferir Humberto Franceschi que integram o CD-Rom que acompanha seu livro. FRANCESCHI, Humberto M.. Samba de Sambar do Estácio. 1928 a 1931. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2010. Conferir também a entrevista que Mestre Marçal, filho de Armando Marçal, concedeu a Fernando Faro em 09/03/1991, como parte do Programa Ensaio.
[4] Ainda que a maioria das gravações realizadas durante este período oscilassem entre os arranjos com instrumentos tradicionais europeus, descartando na maioria das vezes as (re)invenções do Estácio, e arranjos mais próximos do espírito do “bloco”, geralmente elaborados pelo maestro, arranjador e compositor Eduardo Souto ou por Pixinguinha. Nota-se que os primeiros sambas (de 1928 até 1931) os arranjos são menos ligados ao conceito do Estácio do que aqueles produzidos entre 1931 e 1935. Conferir as entrevistas de Humberto Franceschi que integram o CD-Rom que acompanha seu livro. FRANCESCHI, Humberto M.. Samba de Sambar do Estácio. 1928 a 1931. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2010.
[5] LOPEZ, Wallace. “‘Geo-sambalidades’: um ensaio sobre territórios, redes e circuitos a partir de Deleuze”. Ensaios filosóficos, volume IV, outubro, 2011, pp. 75-90: http://docplayer.com.br/243791-Geo-sambalidades-um-ensaio-sobre-territorios-redes-e-circuitos-a-partir-de-deleuze.html
[6] Em seu livro “O Mistério do Samba”, Hermano Vianna reavalia a tese da “generalização” do samba e da marcha nos anos 30 enunciada primeiramente por Antônio Cândido, posteriormente por Roberto da Matta, Ruben Oliven, Peter Fry, entre outros. Cf. VIANNA, Hermano. O Mistério do Samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995, pp. 28-34.
[7] FOUCAULT, Michel. “Nietzsche, a genealogia e a história”. In: Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 17.
[8] Acerca das acomodações sociais e culturais suscitadas pela convergência entre tradição e renovação da linguagem musical, já à época da transferência da corte portuguesa para o Brasil, escreve Maurício Monteiro: “Se as tolerâncias foram pressupostas numa cultura diversa, as articulações eram necessárias em espaços comuns. As práticas musicais populares, com seus instrumentos próprios, não podiam, obviamente, serem vistas ou ouvidas nas igrejas, em ambientes de corte, ou no Real Teatro de São João. Não veríamos, por exemplo, um grupo de negros marchando com suas calimbas e berimbaus entrando na Capela Real ou índios tocando seus chocalhos nos teatros de corte. Em contrapartida, a corte podia ir para as ruas, com suas músicas, regras e comportamentos. Pode-se dizer que o simples fato dos homens da corte conviverem, dia após dia, com as formas de expressão e comportamentos dos negros e mestiços já era um fator bastante significativo para que pensemos em tolerâncias e articulações. (…)
Os espaços eram bem definidos e as funcionalidades de cada música também. A questão agora é procurar observar como os elementos de uma cultura são absorvidos por outra, mais especificamente, como que os negros e mestiços interpretavam as músicas de linguagem européia e como compreendiam sua instrumentação. São vários os fatores que apontam para um resultado diferente, para uma recepção e audiência distintas. (…)
Havia música, folguedos e pompa. O Brasil colonial já apresentava formas próprias de manifestações musicais. Nas igrejas eram estabelecidos os limites; mas nas ruas, praças e outros locais públicos se articulavam lundus, modinhas, batuques e práticas de tradição européia. Mesmo com a flexibilidade com que as proibições chegavam ao Brasil, os limites foram definidos pelos espaços e pelas ocasiões em que a música acontecia. Isto não significa que não existiram interferências de umas práticas sobre as outras, mas sim que era através da observação dos eventos e das ocorrências musicais que se estabeleciam as articulações possíveis. (…)
O que aconteceu, na verdade, foi que as práticas musicais tiveram tanto de atenuante, em relação às diferenças sociais, quanto de agravante. As práticas tiveram de se amalgamar às tradições. Em outras palavras, o espaço se definia, paradoxalmente, entre a tolerância e a articulação. Se pensarmos no sentido do entrecruzamento das culturas e nas formas de manifestação permitidas, a situação colonial foi exatamente um palco para a circularidade de gostos e costumes.” MONTEIRO, Maurício. A Construção do Gosto — Música e Sociedade na Corte do Rio de Janeiro — 1808-1821. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008, pp. 177-182.
[9] LINS, Paulo. Desde que o samba é samba. São Paulo: Planeta, 2012, p. 294. Outra citação que sublinha os aspectos experimentais e inventivos do samba do Estácio, ressaltando o espírito de contraste com a tradição herdada: “Com o sucesso de ‘Me faz carinhos’, Silva ri à toa, seguro de que um novo ritmo estava sendo lançando para sempre na história do Estácio. Até passaria na casa de Tia Almeida e falaria o que quisesse para aquela rapaziada da antiga metida a fazer samba, com músicas que não passavam de jongo, maxixada, polcada, tangada de argentino, scottish, ou qualquer outra coisa que lembrasse procissão de católico pecador metido a santo.
Samba de verdade tinha que ter o sal do batuque dos terreiros de umbanda e candomblé, uma batida grave pra marcar, umas agudas para recortar. Era só fazer a segunda e a primeira bem definidas, botar o ritmo para frente, que nem se toca na macumba, pra fazer santo baixar e subir quebrando demanda, levando o mal para sumir no infinito de Aruanda e espalhar a paz no coração dos filhos da terra. Essa coisa de ficar imitando os portugueses, os franceses, os argentinos estava na hora de parar. A boa era dar continuidade à batida que vinha dos países da África, das senzalas, dos quilombos, dos terreiros, do lundu. Samba para desentortar esquina, tirar paralelepípedo do chão, engrossar a batata da perna, espantar os males de quem anda, canta e dança. Samba para se desfilar na rua.”
[10] “Vivência (Erlebnis) é um contra-conceito da razão e significa ‘estar ainda presente na vida quando algo acontece’ e, neste caso, a compreendemos como pathos, ou seja, como um conceito que não pode ser compreendido tal como compreendemos um conceito, ou seja, de maneira fixa e universal. Toda vivência, como veremos, precisa ser suficientemente significativa, a fim de alterar o caráter global da existência e, como pathos, além disso, jamais conseguimos determinar conceitualmente seu conteúdo, de modo que se converte em uma noção muito mais estética do que especificamente racional. A travessia por uma Erlebnis efetivamente significativa, acaba por gerar no homem certo excesso, um pathos perdulário de vida que intensifica o homem precisamente por há muito ter sido escaldado por uma vivência. Essa travessia pela Erlebnis se desdobra no homem de uma forma essencialmente prática: através dela o homem cultiva a si mesmo. Ou ainda: o pathos do excesso oriundo da travessia por uma Erlebnis significativa impulsiona o homem à ação através do cultivo de si.” Cf.: VIESENTEINER, Jorge. “O conceito de vivência (Erlebnis) em Nietzsche: gênese, significado e recepção”. Kriterion, Belo Horizonte, no 127, Jun./2013, p. 141-155.
[11] Sobre a questão da Grandeza e da convergência entre a capacidade criativa de determinados indivíduos com dinâmicas coletivas, Burckhardt, em seu célebre ensaio a respeito da cultura do Renascimento na Itália, nota que o século XV é pródigo em “homens multifacetados (…) dotados de uma verdadeira universalidade”. A noção de grandeza está ligada diretamente ao momento histórico que Burckhardt aborda nesta obra, detectando o despontar do “indivíduo” e o “aperfeiçoamento da personalidade”: “Quando, pois, um tal impulso para o mais elevado desenvolvimento da personalidade combinou-se com uma natureza realmente poderosa e multifacetada, capaz de dominar ao mesmo tempo todos os elementos da cultura de então, o resultado foi o surgimento do “homem universal” – l’uomo universale – que à Itália e somente a ela pertence. (…) Na Itália do Renascimento, (…) encontramos concomitantemente em todas as áreas artistas a criar o puramente novo e, em seu gênero, perfeito, impressionando-nos ainda grandemente como seres humanos.” BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália – um ensaio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 115-117.
[12] Cf. LOPES, Nei. Bantos, Malês e identidade negra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, pp. 89-108.
[13] Apresentada ao público como símbolo de tradições musicais aparentemente perdidas, Clementina de Jesus não se contentou com a aura de “resgate” e se arriscou em consistentes experiências musicais de timbre e frequência, como por exemplo “Taratá”, faixa que divide com Naná Vasconcelos em seu disco Marinheiro Só (1973).
[14] “Eu vi coisas originais… porque, embora o bloco e o pagode sejam duas coisas diferentes, eu acho que um influencia o outro. O pandeiro do Bira é um pandeiro de cara de bloco… tem também a marcação, a aceleração… os sambas são mais corridos. Embora tenha também o lado romântico, lento e tal. Vi o tan-tan, o repique de mão… quer dizer, a maioria dos instrumentos de ritmo batidos com a mão… Ao contrário do que geralmente se faz quando se usa a baqueta. E eles não… E tem a criatividade dos partidos, partideiros de primeira.” Beth Carvalho em depoimento a Carlos Alberto Messeder Pereira em PEREIRA,Carlos Alberto Messeder. Cacique de Ramos, uma história que deu samba. Rio de Janeiro: E-Paper, 2003, p. 96.
*Professor da Faculdade de Educação/UFRJ, autor de “Tom Zé — Estudando o Samba” (Editora Cobogó, 2014).
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