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Curta-metragem com Matheus Nachtergaele e Paulo Miklos reflete o desalento de anônimos com a política institucional
Adaptado de uma HQ autobiográfica de Caco Galhardo, “Quando parei de me preocupar com canalhas”, que será lançado hoje, às 15 horas, na internet, expõe conflitos de um homem que optou por se alienar; confira a entrevista exclusiva com o diretor Tiago Vieira
Por Enio Lourenço, exclusivo para O Cafezinho
Depois de percorrer alguns festivais de cinema no Brasil e no exterior, Quando parei de me preocupar com canalhas, curta-metragem de Tiago Vieira, adaptado de uma história em quadrinhos de Caco Galhardo, será lançado hoje, às 15 horas, para o público na internet.
O filme narra um momento de crise de João Carlos, um morador de São Paulo que se desiludiu com a política ao perceber que agia igual aos taxistas conservadores que tanto repudia, porém no campo antagônico. “O álcool liberava meu lado taxista. Um taxista de esquerda”, reflete o personagem interpretado por Matheus Nachtergaele.
Durante os 15 minutos de filme, o protagonista vive uma série de rupturas com os amigos – um deles é interpretado pelo cantor Otto – devido aos debates políticos acalorados, enquanto também enfrenta problemas em um relacionamento amoroso.
Nada mais contemporâneo – ainda que o projeto tenha sido concebido em 2008 – quando desfazer amizades no Facebook, bloquear pessoas no Twitter ou sair dos grupos de família no WhatsApp por desavenças ideológicas tornou-se regra no convívio cibernético. A decisão eleita por João, porém, foi se alienar.
Um dos pontos altos do filme é a cena dentro do taxi, em que o personagem principal é obrigado a ouvir os “conselhos” do taxista vivido por Paulo Miklos (elogiado pela crítica e pelo público no Festival de Gramado em 2015). Ali aparece um sintoma em voga: o desconhecimento histórico. “No tempo da ditadura é que era bom, vai por mim. É isso aí mesmo”, crava o personagem de Miklos.
Etapas
O diretor Tiago Vieira publicou o histórico da empreitada cinematográfica na fanpage do filme no Facebook, relatando as etapas percorridas até a conclusão do filme em maio de 2015.
Após ler a publicação original da HQ na revista Piauí em 2008, o jovem cineasta goiano – hoje com 36 anos – procurou o cartunista Caco Galhardo, que autorizou a adaptação sob uma condição: “Essa história não pode ser financiada pelo governo”.
Sem poder captar recursos através de editais e fomentos públicos, Vieira se viu obrigado a engavetar o projeto. “Fui em várias produtoras, falei com vários empresários, grandes, pequenos. Nunca falei tanto ‘pelo amor de Deus’ na vida. Em cada canto que eu ia, eu deixava uma caixa com o projeto, roteiro e DVD com vídeo de apresentação mais prático (para empresário preguiçoso que não gosta de ler).”
Em 2013, entretanto, ele descobriu o financiamento coletivo (crowdfunding) aos moldes que está estruturado hoje e lançou uma proposta para o público, conseguindo arrecadar R$ 35 mil – um orçamento baixo para a realização de curtas-metragens.
Manifestações difusas de 2013 colocaram o diretor em xeque
O segundo momento das manifestações de rua de 2013, aquele que enveredou para propostas difusas e conservadoras, dissonantes da juventude que contestava originalmente o aumento das tarifas de ônibus e a repressão policial, dificultou a produção do filme, afetando diretamente o conteúdo narrativo.
“Alguns mais revoltados começaram a se utilizar do nosso tema como bandeira particular. E pior: uma bandeira que não representava aquilo que o filme queria dizer. A situação começou a me colocar numa certa depressão. Afinal, depois de tanto trabalho, será que vão ver meu projeto como um filme reacionário? Percebi que muitos desconfiaram disso”, explicou o diretor.
Tiago Vieira, que publica textos na fanpage oficial com a hashtag #ForaTemer, ficou diante de novos desafios: disputar a audiência dos internautas que pudessem colaborar no financiamento contra as infindáveis informações sobre manifestações da época, e promover alterações no projeto original. “Em paralelo, ficava quebrando a cabeça para repensar o roteiro, mil vezes que fosse [necessário], para ter certeza de que não seria instrumento de propaganda ‘reaça’”, relatou.
Confira a entrevista exclusiva com o diretor Tiago Vieira para O Cafezinho
Por que você optou por esse lançamento público na internet? Você pensou em alguma outra forma de distribuição ou exibição patrocinada?
Sempre tive o intuito de terminar essa trajetória na internet. Junto com a falta de outros apoios, patrocínio, etc., essa decisão acabou sendo inevitável.
A frase “um curta pra filha da puta botar defeito” que aparece nos créditos do filme é um recado para alguém ou possui algum significado especial?
Nada muito especial. Na verdade, pensei nela no momento em que estávamos sofrendo absurdamente para tentar realizar o filme, com uma grana muito abaixo da necessária. Daí sempre pensava que seria muito filho da puta alguém aparecer para falar mal do filme, sem saber absolutamente nada do que passamos para realizar. Enfim, seria um recado para essa pessoa, talvez. Além de nos proteger de alguma forma. Ninguém mais quis falar mal (risos).
Em nosso primeiro contato via Facebook você me disse que estava sozinho novamente nessa fase, assim como em 2008. Em uma entrevista para o canal Curta! você diz que muitas pessoas foram se agregando no desenrolar da produção, parecendo uma equipe de longa-metragem. O que houve, afinal, para estar sozinho novamente?
Todas essas pessoas que citei participaram muito bem. Agora é um momento em que o trabalho está pronto e o restante não teria mesmo muito mais o que fazer comigo. A não ser se tivesse alguma relação mais afetiva com esse trabalho. Enfim, a realização terminou, mas ainda existe esse processo de cuidar do caminho do filme. E é nisso que estou sozinho de volta. Num filme que fosse feito por uma empresa produtora, com estrutura, certamente isso seria bem diferente.
Após quase oito anos da ideia original até o lançamento público de hoje, resumidamente: como é fazer cinema independente no Brasil?
Vixe, acho que ainda não sei. De vez em quando me pergunto se me meti na profissão correta para mim. Digo isso porque a realização cinematográfica infelizmente ainda é um meio de pessoas elitizadas. Quem não tem grana, como eu, sofre muito para tentar sobreviver dela: não tem salário formal, não começa em estágios padronizados, com cachês corretos, oportunidades iguais. Nem todos têm a chance de se manter profissionalmente fazendo cinema. Quem não tem grana precisa se virar com muitas outras coisas em paralelo. Isso, às vezes, pode acabar fazendo com que a pessoa não consiga avançar, mesmo ela tendo talento para a coisa. Trocando em miúdos, eu acho que não sei ainda.
Link da HQ original: http://piaui.folha.uol.com.br/materia/quando-parei-de-me-preocupar-com-canalhas/
Trailer do filme:
Fanpage de divulgação: https://www.facebook.com/curtacanalhas/