Por Tadeu Porto (@tadeuporto), colunista do Blog O Cafezinho*
Uma coisa me chamou atenção em toda essa celeuma que expôs as entranhas dos trâmites para cassar o presidente afastado da câmara dos deputados: por que Tia Eron não é considerada a musa da Comissão de Ética?
Bom, sei que qualificar e rotular uma mulher por sua beleza é um passo para a misoginia. E em assunto de sexismo, eu, como homem, sempre mantenho o postulado de que não entendo quase nada.
Mas o fato de não ter o conhecimento intrínseco sobre tal – pois homens não sabem nem metade da opressão que as mulhres sofrem – não podemos nos furtar de debater o assunto, claro, com muita humildade para se errar o menos possivel.
Por isso, em primeiro lugar, fui buscar fontes feministas sobre o assunto “musa”. Fui logo no Blog da Lola Aronovich (@lolaescreva), que sigo no twitter e é sempre minha primeira opção [junto com a Nathalí Macedo colunista do DCM, recomendo a todos que as leiam] quando quero iluminar meu lado machista, e encontrei um otimo texto que combate a objetificação feminina com a palavra de ordem mulher bonita é a que luta.
Procurei, ainda, mais opiniões sobre o assunto e encontrei: 1) “ser chamada de musa, embora pareça um elogio, colabora com a manutenção das mulheres no lugar estipulado para elas pelo patriarcado” e 2) “la, a musa, não tem agência. Não há fala e não há pensamento na musa, que funciona como figura decorativa e de mera contemplação do artista”.
Então, pra mim ficou bem claro que Tia Eron não ser a nova musa da política é um fato bom e que assim deveria ser em todas as ocasiões. Todavia, existe uma lógica mesmo dentro do preconceito e quando ela não se manifesta há de se duvidar um pouco do motivo, pois é muito difícil que a falta de discriminação seja a razão desse sumiço.
E foi ainda contando com mais uma ajuda da Lola, em outro ótimo texto, que encontrei, talvez, uma resposta para o fenômeno da Tia Eron não-musa: o “padrão racista” tão excludente que se sobrepõe ao machismo.
Janaína Paschoal precisou de alguns dias de destaque para ser apontada como a musa do impeachment; Denise Rocha e Andrezza Mendonça conseguiram virar assuntos mais comentados que a propria corrupção, sendo as musas da CPI; Juliana Isen se tornou musa das manifestacoes de um dia para o outro; a deputada de roraima teve muito menos destaque que a baiana, mas virou a musa da comissão do impeachment; sem contar as musas dos “caras pintadas” e a das privatizações que voltaram a ser assunto recentemente.
O que todas essas musas tem em comum é que são facilmente autodeclaradas brancas, diferente da deputada do PRB-BA. Ou seja, como argumentou um tal Luiz Carlos Nogueira, Tia Eron pode até ser bonita, porém é negra e não serve aos interesses de padrão de beleza.
Mas isso leva a outro questionamento: o que levou Cunha, um homem de uma resistência incrível tendo em vista as acusações que sofre, o principal articulador do congresso, a colocar a representação de duas minorias na cadeira de uma comissão tão importante (lembrando que Eron substituiu Pinato numa possível manobra do deputado carioca)?
A conclusão pode ser um pouco triste: Eduardo usou a baiana para se blindar das críticas do voto favorável dela, direcionando a hostilidade do povo para a cor e para o gênero da baiana. Vale lembrar que a deputada evangélica, assim que assumiu posição na C.E., elogiou Cunha sem cerimônia, deixando a entender que votaria a favor do deputado e foi só depois de mais revelações sobre os crimes do ex-presidente da câmara e pressão da sociedade que ela pareceu mudar de opinião e, por isso, paga um preço caro ao ser coagida por parte do seu partido (e até igreja) para votar a favor.
Assim se hoje, amanhã ou depois a baiana salvar a pele de Eduardo Cunha, no instante seguinte ela será massacrada, mas não só por ter errado grosseiramente ao votar a favor do que pode ser o maior corrupto da nossa história recente, mas sim por ser negra e mulher, distorcendo todo o debate acerca do acordo sujo costurado para manter Cunha no parlamento. Criando, ainda, um ambiente caótico de progressistas tendo que defender alguém conivente com a corrupção, por saber que o racismo e o sexismo são práticas intoleráveis em qualquer circunstância.
Tia Eron é a vítima perfeita para o fascismo, e Cunha parece saber muito bem disso. Numa sociedade sem ética e escrúpulos, que se aflora com uma ruptura institucional que bagunça todo nosso sistema, é natural que a corrupção se proteja, andando de mãos dadas com o preconceito.
Cunha se preparou – pra surpresa de ninguém – para fazer com que a pele e o gênero de Eron vire escudo para o verdadeiro fato que se desenha: a salvação que tem tudo para ser a maior vergonha interna corporis da história do nosso legislativo.
Tadeu Porto é diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (SindipetroNF)