Por Luis Edmundo Araujo, editor de esporte do Cafezinho
A Seleção até que tocava bem a bola, mostrava a categoria de alguns de seus jogadores, os passes precisos do William, do Lucas Lima, do Philippe Coutinho, mas não chegava assim com tanta frequência ao gol adversário, não como sugeria a transmissão comandada pelo narrador Galvão Bueno, na Globo. Lá pelos 14, 15 minutos do primeiro tempo, o placar mostrava o zero a zero, o Brasil trocava bolas, a seleção peruana se defendia, fechada lá atrás, e na tela da Globo parecia estarmos diante de outro Brasil x Peru, de uma época sombria como a de hoje, mais escancarada, não tão cínica nem dissimulada, e também mágica, pelo menos no âmbito estrito da paixão pelo futebol, que quando bate, quando encanta não quer saber de política, de mais nada fora das quatro linhas.
Galvão narrava com entusiasmo enquanto Casagrande elogiava o meio-campo extremamente técnico, só com Elias como homem de marcação, elogiável de fato, o conceito, não a eficiência, a incapacidade de fazer um gol sequer no Peru. Mantendo-se fiel a seu estilo como comentarista, Ronaldo Fenômeno não acrescentava muita coisa. Naquela que talvez tenha sido a melhor oportunidade da Seleção no primeiro tempo, Elias roubou a bola, fez boa jogada pela direita e passou a Gabriel, que dominou de costas, virou rápido e chutou para grande defesa do goleiro peruano, Gallese. Galvão comentou o lance com ares de revelação, como se a procura pelo centroavante ideal para a Seleção estivesse, enfim, terminada, como se Gabriel fosse Romário, ou Ronaldo, o jogador, não o comentarista, e nem gol tinha sido.
Daí em diante foi inevitável imaginar como seria benéfico para as intenções da Globo nos dias de hoje uma Seleção exuberante, a vitória convincente sobre o Peru com futebol de primeira qualidade, lançamentos perfeitos, golaços, depois outra grande exibição contra a Colômbia de James Rodrigues nas quartas-de-final, talvez quem sabe um embate heróico contra os americanos superpoderosos, não no futebol mas, enfim, donos da casa, ainda que não pudesse ser num 4 de julho, e por fim a grande catarse nacional, a decisão contra a Argentina de Messi, a exibição de gala da camisa amarelinha que levaria ao delírio milhões de torcedores outrora descrentes espalhados pelo País afora, que voltariam a gritar, esquecidos do golpe, do Temer, até do Cunha: salve a Seleção! Só que não.
Só a chance de acontecer trajetória tão gloriosa assim nesta Copa América, mesmo improvável, delirante até, ainda mais sem Neymar, poderia justificar, talvez, tamanha mudança de atitude em relação à filosofia de trabalho do técnico Dunga, o mesmo que motivou forte campanha da Globo contra ele em plena disputa de uma Copa do Mundo, em 2010, na África do Sul, que por sua vez provocou a reação um tanto exagerada do treinador, não muito reconhecido pela parcimônia nem pela paciência no trato com a grande imprensa, o que nos últimos anos tem passado a ser, cada vez menos, uma prerrogativa só dele.
Ontem, com o gol ilegal do Peru, de mão, feito pelo baixinho Rui Diaz, que também usava a camisa 11 e sorria de canto, maroto, enquanto o juiz Andrés Cunha, uruguaio, confabulava com o bandeirinha, com alguém no ponto eletrônico, com qualquer um que pudesse assistir o replay do lance e lhe falar se tinha sido mão ou não, com esse gol o Brasil foi eliminado da Copa América, pela primeira vez na primeira fase desde 1987. Em jogos oficiais, o Peru não vencia o Brasil há 41 anos, e depois do gol Casagrande começava a entregar os pontos tentando salvar a ideia do meio-campo só com o Elias marcando, que não podia ser sacrificado por um jogo, que vinha Olimpíada por aí, enquanto Galvão já saía do ufanismo esperançoso para direcionar as baterias ao culpado de sempre, único, Dunga, só ele, apenas e tão somente o treinador como responsável pela situação atual do futebol brasileiro, como se não fosse a emissora do narrador a grande fiadora e organizadora de tudo isso que está aí desde os tempos áureos de Ricardo Teixeira, quando ele, Galvão, confabulava feliz com o próprio Teixeira, com seu colega J. Hawilla, ainda sem tornozeleira eletrônica, com o parceiro Ronaldo e demais amigos.
Ronaldo então falou algo inusitado, ao menos pra ele. Em meio aos lamentos de seus companheiros de transmissão, disse que tinha de ser levada em conta, vejam só, a questão política. Suspense, expectativa total sobre o que dirá o Fenômeno e ele fala só da política da CBF, da falta de força na Conmebol, por causa do juiz e coisa e tal, como se a “força política” da CBF não estivesse séria e claramente debilitada desde as revelações dos esquemas de corrupção que envolviam, todos, eventos cujos direitos pertencem, há décadas, à Rede Globo. E ficamos nisso, no fim da transmissão. O Brasil está fora da Copa América Centenário. Se depender da Seleção, pra ajudar o golpe não vai ter Copa, e a Olimpíada se anuncia complicada…
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