Toda sexta. Sobre música e adjacências.
Por Bernardo Oliveira*, editor de música do Cafezinho.
Na entrevista realizada essa semana com Arto Lindsay, constatamos a existência (e o eventual pertencimento) a uma geração da “novidade”: o gosto pelas manifestações abruptas da arte, por aquilo que está pintando nos burburinhos muitas vezes agitado pela imprensa, blogs, etc, mas também pelas andanças entre shows, leituras, audições e bate papos. De certa forma, posso afirmar que faço parte de uma última geração que, logo pela manhã, debruçava-se sobre os suplementos culturais com o objetivo de tomar contato com o ambiente da época no mundo das artes, atividade que migrou para a internet e se transformou ante a ampliação da explosão informativa. Como Décio Pignatari escreveu certa vez, é preciso reverter a “explosão”, isto é, criar dinâmicas de pesquisa que possibilitem a “implosão” da informação: “Somos continuamente bombardeados por uma massa heterogênea de informações que nos urgem e pressionam a, seguida e renovadamente, buscar-lhes uma ratio, uma rede significante de relações, dentro e fora do nosso campo específico de atividades.” É disso que se trata quando fazemos listas: organizar e orientar a experiência de pesquisa pelo antigo e pelo novo e, em paralelo, problematizar constantemente este “antigo” e este “novo”. Implodir a informação para orientar-se. Mas, sobretudo, para cultivar a sensação física que a música proporciona em contato com a atmosfera existente — “nenhuma mal é mais mortal às mentes jovens que a depreciação do presente” (Whitehead apud Pignatari).
Submeter essa pesquisa à cronologia dos anos traz sempre uma contradição: muitas vezes o que é produzido hoje não parece tão novo e radical em relação ao que foi realizado durante o século do progresso e das rupturas. A experiência contemporânea da arte não é linear, tampouco vivemos uma era da “retromania”, isto é, o vício no passado da música, do cinema, das artes plásticas, da literatura. Não me ocorre como este pensamento pode nos auxiliar a compreender e a experimentar o que é feito hoje. Não se trata de “crise da cultura”, da arte ou qualquer outro fenômeno que interdita ou desvaloriza a ideia de algo “novo”. Mas com o modo como o imaginário coletivo e subjetivo se estratifica e resiste sob a pressão do capital, inclusive quando a arte pretende responder por esse contexto ou, até mesmo, legislar sobre ele. “Meta o grelo na geopolítica”, bradava Ava Rocha em 2015, antecipando todo um debate sobre gênero e sexualidade que vem se alastrando por todo o país. A linguagem urgente e virulenta da arte ainda pode constituir a expressão de futuros possíveis.
Entre os bons discos em 2016, alguns trazem o frescor de uma “novidade”. Para alguns, obviamente, não para outros, e esta talvez seja uma das características do “novo” hoje: o desdobramento e a absorção da experiência estética no âmago da produção de subjetividades e de contextos particulares. Desdobramento/isolamento. O novo como uma perspectiva. Um olhar de relance, uma experiência pessoal e intransferível, simultaneamente livre e atada à história universal e aos cânones acadêmicos. A lista abaixo, portanto, se concentra nesta ideia: não se trata dos “melhores discos”, como se se pudesse medir objetivamente a “qualidade” de uma obra, mas uma expressão que expande o trabalho de um grupo ou artista (Metá Metá, Autechre, Saul Williams), ou um procedimento que parece renovado ou revigorado (Second Woman, Maja Ratkje), ou, ainda, um aparecimento súbito, uma incerta (Clima, Awalom Gebremariam, Gqom). Selecionei então dezesseis trabalhos que apresentam conceitos, estruturas e sonoridades capazes de prolongar o trabalho do grupo/artista, oferecem uma sonoridade que parece inédita ou algum procedimento que soa diferente dos que surgiram nos últimos anos. Bons discos ficaram de fora, como o novo da PJ Harvey, o trabalho solo de Sérgio Machado, PLIM, algo do novo Radiohead (nem tudo), as estratégias do Salão Extremo, o lindo disco de Ivor Lancellotti, entre outros. Não há ordem de preferência e, é claro, trata-se de uma lista provisória.
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Clima – Monumento Ao Soldado Desconhecido (YB Music, Brasil)
Uma “incerta” na canção brasileira do XXI. Leia mais aqui.
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Saul Williams – MartyrLoserKing (Fader Label, EUA)
Poeta-iconoclasta revira as boas intenções da politização comportada.
Saul Williams / MARTYR LOSER KING presents BURUNDI from Moon Road Films on Vimeo.
Basic Rhythm – Raw Trax (Type Recordings, Reino Unido)
Poucos elementos, muita eficácia: o ritmo decomposto, o ambiente árido.
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Gqom Oh! The Sound of Durban (Gqom Oh!, África do Sul)
Poucas vezes o termo hipnótico foi tão bem aplicado à música “de pista”.
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James Holden / Luke Abbott / Camilo Tirado – Outdoor Museum of Fractals / 555Hz (Border Community, Reino Unido)
Tabla e Synths trigados para “homenagear” Terry Riley.
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Romulo Fróes – Rei Vadio (Selo SESC, Brasil)
Descortinar elementos da obra de Nelson Cavaquinho que o samba esconde. Leia mais aqui.
Masami Akita & Eiko Ishibashi ?– Kouen Kyoudai ???? (Editions Mego, Japão)
Poética da fugacidade e da interferência 1000 grau.
Duppy Gun Productions – FRESH CLIPP’D (Duppy Gun Productions, EUA/Jamaica)
Dancehall Sci-Fi subaquático para toaster apostar suas fichas.
Awalom Gebremariam – Desdes (Awesome Tapes from Africa, Eritreia)
Sons da Eritreia: não adianta contar compasso, se joga na repetição.
Mortuário – c32 (Seminal Records, Brasil)
Deterioração de fitas cassetes como metáfora da experiência, cortes abruptos e frases longas.
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Metá Metá – MM3 (s/g, Brasil)
Três amigos (mais dois) ateando fogo no ambiente comportado da Música Popular Brasileira. O grupo lança MM3 hoje (10/06) no Circo Voador.
Second Woman – Second Woman (Spectrum Spools, Áustria)
Influência fundamental de Mark Fell que se desdobra em estudos originais de tempo e andamento.
Autechre – elseq 1-5 (Warp, Reino Unido)
A continuidade e a ampliação timbrística e estrutural de um dos projetos mais importantes da música eletrônica dos últimos 25 anos. Infelizmente não é possível disponibilizar o streaming, pois a política da Warp é implacável. Contudo, é possível escutar trechos no link a seguir: https://autechre.bleepstores.com/
Maja S. K. Ratkje – Crepuscular Hour (Rune Grammofon, Noruega)
Uma peça estrondosa e sonoramente divergente de muitos dos trabalhos da experimentadora norueguesa. Liturgia pagã para o século XXI.
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Ben Johnston – String Quartets 6, 7 and 8 (Kepler Quartet) (New World Records, EUA)
O terceiro volume dos quartetos de corda de Ben Johnston, pelo Kepler Quartet soma-se a outros bons discos de 2016 na seara da composição, como o Gorécki e Steven Osborne tocando Crumb e Feldman.
Kepler Quartet: Ben Johnston String Quartets 6, 7, & 8 from Jon Roy on Vimeo.
Large Unit – Ana (PNL, Noruega)
Uma orquestra de improviso radical encontra o samba brasileiro. No mínimo, uma experiência arriscada.
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*Professor da Faculdade de Educação/UFRJ, autor de “Tom Zé — Estudando o Samba” (Editora Cobogó, 2014).
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