Por Marina Martins, editora de Moda do Cafezinho
Um retrato de como a vestimenta representou a luta das mulheres pela igualdade social desde o século XIX
Seja inclusiva, excludente ou classificatória, uma análise da história da moda nos permite situar não apenas as mudanças relacionadas aos trajes de cada época, mas também compreender a sociedade e as representações do corpo feminino ao longo dos últimos 150 anos. Como uma vitrine das épocas, a moda é capaz de identificar os costumes, comportamentos e motivações dos indivíduos, sendo uma ilustração real e com poder suficiente para dizer mais sobre a sociedade do que muitas outras formas de expressão. E, em toda essa galeria de representações, o feminismo não poderia deixar de se ver figurado.
O mundo fashion é conhecido por ter oprimido e privado muitas mulheres a partir de suas regras ditatoriais presentes nos editoriais de grifes influentes no mercado, sendo um evidente obstáculo em sua busca pela liberdade. Por outro lado, esse universo já foi capaz de ser um grande aliado do publico feminino e suas lutas por igualdade de gênero.
Tímida ou audaciosamente, desde o final do século XIX e começo do século XX, as mulheres exigiram seu direito ao voto, tomaram seus lugares no mercado de trabalho, decidiram o momento da sua maternidade, se tornaram independentes, conquistaram alguns papéis de lideranças, mas ainda há muito o que se fazer.
Ao longo do século XIX, a função exercida pelas mulheres na sociedade estava longe de ser influente. Submissa e silenciada, a figura feminina não desfrutava de nenhum direito moral igualitário em comparação aos homens. Neste período insatisfatório da história, os espartilhos permaneciam em voga – enjaulando suas condutas e comprimindo suas costelas.
Com a chegada da Primeira Guerra Mundial, o espartilho foi perdendo seu brilho enquanto a simplicidade foi colocada em alta e as mulheres passaram a tomar novos postos de trabalho. Em 1917, a guerra já não era uma preocupação e Coco Chanel, com suas atitudes transgressoras, passou a protagonizar esse período, incluindo o tweed, jaquetas com cortes retos, listras Breton e calças nos guarda-roupas femininos. Tal sucesso trouxe uma nova visão sobre a feminilidade. Agora, com praticidade e elegância, as mulheres sequestraram trajes masculinos e avançaram mais um passo no caminho para a liberdade dos costumes.
No fim da década de 1940, a primeira coleção de Christian Dior, “The New Look”, seduziu as cinturas e resgatou a necessidade feminina pelo luxo, que havia se perdido durante os últimos anos. Com vestidos e saias acinturados, bustos evidentes, luvas e saltos, a sofisticação começou a tomar as ruas. Escasso durante a guerra, o glamour voltara acentuado e simbolizado pelo tailleur bar – um casaco de seda creme com ombros naturais e uma longa saia preta plissada, retratando puro refinamento.
Marcado pelo feminismo acentuado, bem como uma quebra dos códigos de moda da época, os anos 1960 foram caracterizados por uma riqueza de cores e minissaias. A expressão cultural e a busca das mulheres por um lugar ativo na sociedade refletiu diretamente em suas roupas. O amor livre e o desprendimento de padrões fizeram com que o público feminino se sentisse confortável em ousar enquanto o mercado se esforçava para acompanhar uma tendência que estava sendo elaborada espontaneamente.
Foi nesta época que, Yves Saint Laurent criou o smoking para as mulheres, composto com uma blusa transparente e calça masculina, sendo um selo registrado da grife e sinalizando uma nova atitude do público feminino. “Chanel deu às mulheres a liberdade, mas Yves Saint Laurent lhes deu poder”, disse Pierre Bergé, co-fundador da marca.
Em 1970, as calças jeans atingiram o ápice da popularidade na moda feminina e o estilo se tornou uma escolha – elas usavam vestidos, calças ou minissaias como quisessem. Neste cenário, o jeans passou a ser um item universal e que não reconhecia as diferenças de gênero.
Já na década de 1980, o “power dressing” foi um estilo originário dos Estados Unidos e Reino Unido, com o qual as mulheres transmitiram seu poder e autoridade em campos profissionais e políticos estritamente masculinos. Agora, se tornaram populares os ternos com ombros largos, estofados e cortes fortes e, mais uma vez, o mundo feminino tomou para si peças, até então, usadas apenas por homens, como os ternos Giorgio Armani.
Logo em seguida, nos anos 1990, a moda voltou a reverenciar a liberdade, evidenciando movimentos como o grunge e o punk Riot Grrrl. Ainda de modo retraído, os preconceitos estavam sendo deixados de lado e a lingerie ganhou destaque, sendo usada à mostra, em diferentes formas e tons. Calças pantalonas, saias longas e blazers também fizeram parte do look, que contava com uma grande influência minimalista, como a de Rei Kawakubo.
Atualmente, alguns nomes como Prada e Céline buscam desfilar mulheres ao mesmo tempo em que abordam temas como representatividade social. Em 2014, Karl Lagerfeld marcou a primavera-verão com um desfile recheado de modelos marchando pelas causas feministas, trazendo slogans como: “vote em Coco” e “Ladies First”.
Por meio da vestimenta, a mulher conseguiu reafirmar a sua confiança e poder na sociedade em tempos vulneráveis para a sua afirmação, garantindo segurança para conquistar seu papel como um agente ativo. Ainda que a parceria entre a moda e o feminismo tenha refletido em muitos triunfos para a luta da mulher, é inegável que o mundo fashion tenha muitas dívidas em relação à igualdade de gênero e liberdade de costumes femininos.
No entanto, de forma consciente, é possível que estes dois elementos dialoguem ao longo da história, como o fizeram muitas vezes até hoje. Afinal de contas, toda mulher tem o poder de ser feminista seja nas ruas ou em seus guarda-roupas.