Os números da CNT/MDA, divulgados hoje, como qualquer pesquisa, atendem a vários gostos, a depender da perspectiva com a qual se observa suas partes e o todo.
Entretanto, o objetivo político da pesquisa pode-se inferir facilmente a partir das primeiras linhas do release divulgado pela CNT:
Os resultados da 131ª Pesquisa CNT/MDA mostram melhor avaliação do governo Michel Temer na comparação com o de Dilma Rousseff. Entretanto, ainda há elevado percentual de indecisos na percepção sobre o atual governo.
Em relação ao impeachment de Dilma Rousseff, a maioria considera o processo legítimo e concorda com o seu afastamento.
As expectativas para os próximos seis meses são de moderado otimismo quando se pergunta sobre a geração de emprego e saúde, além de pequena melhora para educação, segurança e renda mensal.
Tentarei fazer uma análise objetiva, sem torcida, sobre a situação retratada pela pesquisa.
Antes, porém, uma crítica: um dos erros (entre tantos!) dos governos petistas, e que resultaram no impeachment, foi nunca terem implementado uma política pública democrática para que o Brasil dispusesse de pesquisas políticas regulares, tocadas por universidades, ou pool de universidades, menos expostas aos furacões ideológicos da conjuntura. Assim como nunca trabalhou para ao menos criar brechas ao monopólio da mídia, igualmente não fez nada para oferecer, à democracia brasileira, uma gama mais variada e mais independente de pesquisas políticas.
Como confiar num Datafolha, num Ibope, numa CNT/MDA, sabendo os interesses e patrocinadores por trás de cada um deles? Em momentos “normais”, se é que isso existe, o grau de manipulação talvez se modere, embora sempre permaneça, na escolha das perguntas, na data da pesquisa, na forma de abordagem.
Em momentos excepcionais, de profunda crise política, de golpe, é evidente que os interesses falam muito mais alto, e a manipulação impera.
Mais um vez, portanto, ficamos órfãos de informação, à mercê de todas as violências de um sistema de comunicação profundamente desonesto e oligárquico, a serviço da plutocracia mais torpe do mundo ocidental.
Nos Estados Unidos, que vivem hoje um momento político intenso, por causa das eleições presidenciais que ocorrerão ao final deste ano, o debate sobre as pesquisas tem sido acalorado. Há muita crítica às pesquisas políticas nos EUA, à maneira como são conduzidas. Mesmo contando com instituições seculares, não ligadas às corporações (como são os institutos de pesquisa no Brasil), os erros tem sido imensos, e os questionamentos maiores ainda.
Aqui, não. Aqui não se pode criticar nada. E os institutos de pesquisa têm um histórico horrível. O Ibope, por exemplo, apoiou o golpe de Estado de 1964. Datafolha e Ibope apoiaram, abertamente, o impeachment da presidenta Dilma, como se podia inferir facilmente do tipo de perguntas feitas, às datas em que a pesquisa era realizada, ao tipo de abordagem.
Alguém poderia dizer: ah, mas quando as pesquisas eram favoráveis a Lula e Dilma, então não havia distorção, né?
Sim, havia sim. Também ali havia manipulação. O governo se mantinha embriagado com as pesquisas favoráveis e não via o que acontecia nos bastidores do país. Dilma frequentava o programa da Ana Maria Braga, na Globo, e achava que aquilo tinha dado muito resultado, por causa das pesquisas no Ibope.
Já na época, alertávamos para não se acreditar tantos em pesquisas, porque elas não refletem a dinâmica, a dialética da política. O PT e o governo, nos últimos anos, agiram em função de pesquisas e por isso se estreparam. Em política, é preciso saber o momento de agir contra as pesquisas, de remar contra a maré.
Por outro lado, mesmo identificando essas mazelas, eu sempre respeitei as pesquisas, porque elas são necessárias para entendermos a realidade política. É uma pena que não tenhamos, como já disse, uma gama mais variada de pesquisas. E que elas não sejam realizadas com regularidade fixa, o que eliminaria o vício (muito grave) de serem feitas segundo uma cronologia politicamente tendenciosa.
E são sempre os mesmos institutos, ligados aos mesmos grupos de poder. E fazem sempre as mesmas perguntas.
Uma pesquisa tocada por uma universidade poderia incluir, por exemplo, algumas perguntas sobre a imprensa e a mídia.
Dito isto, vamos à análise dos números divulgados pela CNT/MDA.
Analisando o todo, é uma pesquisa que retrata bem a atmosfera de golpe que vivemos. A maioria da população engoliu o impeachment, e isso foi uma coisa construída cuidadosamente, sob monitoramento profissional de inúmeras pesquisas, desde o início de 2015.
As tabelas que os articuladores do impeachment precisavam, para consolidar o afastamento da presidenta e fechar o caixão na votação do Senado, estão lá:
Há outras tabelas encomendadas especialmente para os golpistas, como as que abordam o envolvimento de Lula e Dilma nos esquemas da Lava Jato.
Aí, a CNT/MDA deixou um enorme rabo à vista: por que cargas d’água ele não perguntou a opinião do entrevistado sobre o envolvimento de Michel Temer e de toda a turma que assaltou o poder, na corrupção da Petrobrás?
Por que não fez a pergunta que anda rodando na boca de toda a imprensa internacional, com grande insistência, e que transpareceu nas gravações vazadas: se o entrevistado acha que o impeachment foi aprovado para salvar corruptos envolvidos nos esquemas trazidos à tôna pelas delações premiadas?
Essa ausência nos faz desconfiar da pesquisa.
Outra ausência é sobre qualquer referências às inúmeras manifestações contra o governo Temer: ministério machista, vingativo, atolado em corrupção. Não há nenhuma referência negativa ao governo Temer, apenas à Dilma e Lula.
Há um outro fator de desequilíbrio nos números. É um gráfico montado especialmente para favorecer o governo Temer. É a primeira tabela da pesquisa, mais um motivo para desconfiarmos de todos os números.
Ora, a pesquisa deveria comparar o início da gestão Dilma com o início da gestão Temer. Dilma iniciou seu primeiro governo com aprovação de mais de 70%. Em sua segunda gestão, depois altos e baixos violentos, ela volta a ter mais de 50% de aprovação.
Temer, por sua vez, começa seu governo com 33,8% de aprovação, e isso nessa pesquisa, na qual infelizmente não podemos confiar.
A pesquisa, por outro lado, também traz ao menos um número bastante positivo para o PT: Lula ampliou sua vantagem sobre os adversários, na sondagem de intenção de voto para 2018. Ele ganha em todos os diversos cenários.
Na espontânea, é interessante observar que Aécio Neves perdeu 5 pontos: saiu de 10,7 para 5,7. Por quê?
Lula, por sua vez, cresceu marginalmente, de 8,3 para 8,6.
Até Dilma cresceu!, de 1,6 para 2,3% das intenções espontâneas de voto, mantendo-se à frente de um Michel Temer que, de repente, ganhou 2%.
Na pesquisa estimulada, Lula continua disparando na frente, com 22% das intenções de voto. É interessante observar o bom desempenho de Ciro Gomes, marcando 6,0%, à frente de Jair Bolsonaro, “celebridade” do momento.
Abaixo, a íntegra da entrevista.