Quais as chances de Dilma voltar?

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Análise Diária de Conjuntura – 08/06/2016

Cena 1: Le Monde publicou hoje um artigo sobre a “implosão do sistema político brasileiro”, o que daria espaço para o retorno de Dilma.

Cena 2: Requião postou, ontem, uma mensagem sobre reunião com 30 senadores favoráveis a novas eleições – o que abriria possibilidade de um acordo para Dilma Rousseff voltar à presidência.

Há chances da Dilma derrotar o impeachment no Senado e voltar à presidência?[/s2If]

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Na minha opinião, não. Mas como tudo que tenho previsto tem acontecido ao contrário, então pode ser que sim.

O Le Monde fala em derretimento político, o que é certo. Naturalmente, ele comenta as denúncias e pedidos de prisões da cúpula do PMDB. Só que o Le Monde faz uma inferição errada, como aliás toda a imprensa internacional, porque vê problemas apenas na classe política e não na estrutura do Estado como um todo, em especial nas castas burocráticas.

O derretimento do sistema político produz um efeito automático: eleva o poder das instâncias do Estado não comprometidas com as “sujeiras” do processo democrático-eleitoral, e sua eterna necessidade de financiamento.

O Judiciário é um sistema com cargos vitalícios, e os recursos de que necessita jorram sem obstáculos do bolso do contribuinte.

O Ministério Público, a Polícia Federal, idem.

A coesão corporativa, o poder de lobby, a desenvoltura dessas instituições, portanto, é imensamente superior ao “sistema político”, composto de Legislativo e Executivo.

Não existe vácuo de poder, porque ele é sempre ocupado. É isso que o Le Monde, portanto, não entendeu ainda sobre o Brasil: às castas burocráticas interessam um Executivo exangue, fraco, a extorquir o contribuinte sem dó para lhe bancar suas mordomias corporativas.

Claro que isso traz vários problemas. As castas burocráticas não entendem muito de economia. Não parecem se preocupar com o fato de que, matando a galinha, os ovos também desaparecem. Nada, porém, que não se resolva com a elevação da chantagem, como foi o caso do reajuste concedido ao judiciário no mesmo momento em que os recursos para saúde, educação e programas sociais são congelados ou cortados.

Quanto à reunião dos trinta senadores com Roberto Requião e o anúncio de que todos estariam dispostos a apoiar a volta de Dilma, caso esta se comprometa a chamar novas eleições.

Ora, isso é jogo de cena destes senadores, para vender mais caro o apoio que darão ao impeachment. Como ainda falta bastante tempo, este é o tempo das negociações, e quanto mais apertada a votação, mais caro será o preço a ser pago pelo governo aos últimos recalcitrantes.

Agora, esse governo aí, já vimos, não tem escrúpulo nenhum. A truculência que ele imprimou à administração pública em poucas semanas de governo mostram que ele segurou para si o osso e não largará tão fácil.

O governo conta, naturalmente, com a exaustão dos movimentos sociais e setores da opinião pública que protestam contra o golpe.

Eles detêm agora a máquina pública. Já começaram a distribuir cargos: 14 mil foram criados na semana passada. É evidente que esses 14 mil cargos serão o embrião de um exército de militantes políticos.

Além disso, a substituição dos funcionários nos ministérios foi violentíssima, com direito a editorial na Globo conclamando o governo a agir assim, em nome da “segurança”. O novo ministro da Transparência cobrou dos servidores “alinhamento ideológico” ao governo, e isso numa pasta encarregada de vigiar o próprio governo!

A força do mal é sempre maior no curto prazo, porque a falta de escrúpulos produz uma desenvoltura insuperável. É a mesma lei que garante à ditadura, à força bruta, uma vantagem inicial extraordinária.

O problema do mal é que ele não gera confiança. E nem falo em confiança de pesquisa Datafolha, e sim numa confiança mais profunda.

Você podia não aprovar o governo Dilma, mas ainda sim ter confiança de que ele não permitiria que a máquina do Estado fosse usada para vinganças políticas pessoais, mesmo contra (principalmente contra!) seus adversários.

Com Temer, esses limites não existem mais: o governo passou a perseguir abertamente, sob aplausos da mídia, todos os que não concordam com ele. Recriou-se um órgão sinistro, o GSI, herdeiro do SNI da ditadura, e os jornais noticiam, sem vergonha, sem crítica, que o governo Temer determinou o monitoramento do PT e dos movimentos sociais.

A área de publicidade institucional do governo agora terá critérios políticos para o repasse de recursos: qualquer desafeto da Globo, como o jornalista Sydnei Rezende, que escreveu alguns textos críticos à emissora, serão perseguidos e seus empreendimentos entrarão numa espécie de lista negra.

Os pitbulls da direita autoritária, sentindo-se vitoriosos com o golpe, perderam a noção dos cuidados que deveriam ter, até mesmo para que o golpe tenha um verniz democrático, e já iniciaram perseguições destrambelhadas a jornalistas críticos.

Enfim, a famigerada “noite de são bartolomeu”, anunciada pelo jornalista Luis Nassif, chegou com força total. Nas áreas de governo recentemente tomadas de assalto pelos golpistas, há relatos de verdadeiras carnificinas contra os antigos ocupantes, à procura de fatos que possam comprometê-los. Não há preocupação em administrar, em oferecer respostas rápidas à sociedade, e sim em reunir armas para a guerra política, que os permitam promover novos assaltos ao mesmo tempo em que produzem factoides contra o antigo governo.

Diante de um quadro assim, não vejo condições da presidenta voltar. Aliás, o que eu vejo é tão sinistro que é difícil olhar de frente por muito tempo. Entretanto o mal, como diria Mefistófeles, engendra o bem.

A consciência humana apenas se põe em movimento diante do negativo. A liberdade e a democracia apenas são vistas como um valor quando sentimos na pele a dor de sua perda.

Este é o lado interessante da crise: a tomada de consciência, por parte de setores crescentes da sociedade, de que é necessário lutar politicamente para transformar o Estado e o país. Não é com Temer, Cunha, Aécio, Globo, que alguma coisa irá mudar. Esses são justamente aqueles que sempre exploraram o Estado, em detrimento do interesse do povo, em detrimento de qualquer ideia de soberania e desenvolvimento nacional.

O golpe, agora está bem claro, foi dado contra o interesse nacional. Mas houve erros terríveis por parte do governo e dos partidos de esquerda, que precisam ser corrigidos, porque são erros de pensamento, de análise, de estratégia.

Até hoje, por exemplo, Dilma ainda só replica, em sua página no Facebook, matérias da Folha. Há um provincianismo inacreditável nessa atitude, uma baixa autoestima. O PT apenas consegue produzir comunicação de propaganda. No auge das crises, fez eventos convencionais, em hoteis de luxo, sem participação da sociedade, num ambiente de autolouvação verdadeiramente ridículo.

É preciso ouvir a sociedade, botar o pé no chão, retornar as bases, reconquistar os setores progressistas da classe média, reconquistar a juventude.

Isso, de certa forma, já começou a acontecer, espontaneamente, a partir da histórica luta contra o golpe, mas essa luta precisa evoluir, precisa se conectar à luta de outros países.

Finalizando, eu vejo poucas chances de Dilma vencer a votação no senado. Observo ainda que o novo governo parece determinado a destruir metade do país se for necessário para debilitar as forças progressistas e consolidar o golpe.

Entretanto, essa vileza tão pura do novo governo, essa irresponsabilidade tão acentuada diante de sua própria sede de poder, serão justamente os ventos que inflarão as velas da mudança. Por que a sociedade exigirá informações que se contraponham a essa marcha em direção ao abismo. A grande mídia, mais que aliada, principal articuladora do golpe, emergirá ainda mais desmoralizada desse processo.

É a chance, portanto, para o surgimento de novas lideranças, novos meios de informação, novos valores.
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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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