Foto: Mídia NINJA
Governo escancara cofres para as corporações
No início da noite de quarta-feira (1º), oito deputados do PSDB reuniram-se com o ministro Henrique Meirelles (Fazenda). Atônitos, queriam entender um paradoxo. Uma semana depois de arrancar do Congresso autorização para fechar suas contas em 2016 com um rombo de R$ 170,5 bilhões, o governo havia autorizado seus apoiadores na Câmara a aprovar um megapacote bilionário de reajustes salariais e benefícios para corporações de servidores públicos. Indagado a respeito, Meirelles atribuiu o contrassenso ao Planalto. Michel Temer avalizara a aprovação de projetos que Dilma Rousseff represava desde 2015.
O clima de ‘liberou-geral’ resultou num surto corporativo que manteve as fornalhas do plenário da Câmara acesas até as 2h47 da madrugada desta quinta-feira (2). Os deputados aprovaram 14 projetos de lei. Juntos, somavam 370 páginas. Continham bondades destinadas a 38 carreiras do Estado —de ministros do STF a funcionários do Ibama. Tudo foi decidido a toque de caixa, em votações simbólicas. Os deputados apenas levantaram ou abaixaram a mão para mostrar que a turma do “sim” era maioria esmagadora.
“Duvido que algum parlamentar saiba o que foi votado”, disse ao blog o tucano Nelson Marchezan Júnior, um dos poucos que tiveram a coragem de discursar contra os projetos, enfrentando as galerias, que estavam apinhadas de servidores. “É impossível que algum assessor, em menos de 24 horas, tenha conseguido avaliar as propostas para orientar os deputados.”
Foi assim, no escuro, que os parlamentares espetaram no Tesouro despesas que serão 100% financiadas pelo déficit público. É como se os deputados desejassem ressuscitar uma máxima cunhada no século 19 pelo chanceler alemão Otto von Bismarck: “É melhor que o povo não saiba como se fazem leis e salsichas.” Numa soma conservadora, as salsichas corporativas custarão ao contribuinte brasileiro algo como R$ 58 bilhões até 2019. Numa conta mais realista, feita pela assessoria de Marchezan, o surto não custará menos do que R$ 100 bilhões em quatro anos.
O tucano Marchezan escalou a tribuna para listar alguns dos absurdos que foram aprovados, de cambulhada, em meio a reajustes salariais: “Estamos estendendo gratificações de desempenho para servidores inativos. Incorporamos aos quadros da Defensoria Pública servidores cedidos que vão entrar numa nova carreira, sem concurso, ganhando até 400% a mais. Isso é inconstitucional. Criamos mais de 11,5 mil empregos. E o presidente Michel Temer havia prometido fechar 4 mil cargos comissionados.”
Marchezan acrescentou: “Dizem aqui que não posso ser mais realista que o rei. Se o governo encaminha tudo isso, devemos votar a favor. Quero lembrar que acabamos de depor uma rainha porque ela administrou as contas públicas contrariamente ao interesse popular. Tiramos na expectativa de que o novo governo administraria para o interesse popular. Espero que esse novo rei mude sua forma de reinar, para que ele não siga no mesmo caminho da rainha deposta. Espero também que as operações da Lava Jato anunciadas para os próximos dias não tenham nenhuma relação com esse açodamento de votar esse rombo de algumas centenas de bilhões de reais.”
Na origem do apoio do Planalto à farra das corporações está uma pressão exercida sobre Michel Temer pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot e pelo presidente do STF Ricardo Lewandowski. Ambos foram diretamente beneficiados. Seus contracheques engordaram de R$ 33,7 mil por mês para R$ 39,3 mil. Considerando-se as responsabilidades de um chefe do Ministério Público e de um ministro do Supremo, o salário não chega a ser um despropósito. Porém, num instante em que há na praça 11,4 milhões de brasileiros desempregados, o reajuste deveria ter sido mais debatido. À luz do dia, não de madrugada.
Noutra decisão polêmica, a Câmara aprovou um artigo que prevê o pagamento aos advogados da União de honorários sempre que saírem vitoriosos nas causas judiciais que envolvem o governo. São os chamados honorários de sucumbência. Os valores são pagos pela parte perdedora. Hoje, incorporam-se ao caixa do governo. Se a nova norma for aprovada também no Senado, um percentual das causas será embolsado pelo advogado público. Eles queriam também autorização legal para exercer a advocacia privada. Mas esse artigo foi retirado do projeto e tramitará na Câmara em outro projeto.
Para completar o cenário inusitado, os deputados encerraram a jornada noturna aprovando em primeiro turno a emenda constitucional da DRU, desvinculação de receitas da União. Essa emenda autoriza o governo a utilizar como quiser 30% de todas as verbas que a Constituição obriga a aplicar em áreas específicas. Mais uma evidência da penúria do setor público.
A proposta da DRU havia sido enviada à Câmara por Dilma Rousseff. Mas ela não conseguiu reunir os 308 votos necessários para aprovar a matéria. Temer obteve 334 votos. Foi dando que o presidente interino recebeu tanta solidariedade congressual. Por ora, seu ministério loteado e convencional vai rendendo votos suficientes para devolver ao governo uma funcionalidade que havia evaporado na gestão Dilma.
Devolvido à oposição, o PT votou contra a DRU. Ouviram-se provocações no plenário. Os neogovernistas afirmaram que, ao desembarcar da proposta de emenda constitucional, o partido de Dilma deixou claro que já não conta com a volta dela à cadeira de presidente.