Foto: Beto Barata/PR
por Bajonas Teixeria de Brito Junior, colunista do Cafezinho
Temer e seu governo estão correndo para acertar as contas do impeachment, para fazer pagamentos que afundarão de vez o país na crise econômica, mas darão maior chance de sobrevida ao poder conquistado pela usurpação. O aumento salarial muito generoso para o Judiciário, de 41,5%, sem sombra de debate público ou sequer de regateio, se destina a anular revides de insatisfação que foram letais para Dilma:
1- No Supremo Tribunal Federal (STF), no qual a atuação de alguns ministros foi decisiva para produzir o resultado fatal, ao implementarem ritmos diferenciados de agendamento – retardando o afastamento de Eduardo Cunha, o arquiteto do impeachment; execrando publicamente Lula, após uma gravação de conversa estritamente privada, e revelada de modo criminoso; suspendendo, primeiro, e depois postergando, a decisão sobre a tomada de posse de Lula na Casa Civil.
2 – No Ministério Público Federal (MPF) que desenvolveu a tese, absurda para qualquer historiador amador que leia regularmente os jornais, de que a corrupção na Petrobras começou somente após o fim do governo de Fernando Henrique Cardoso, e que, portanto, é um fenômeno petista. Tese da qual decorre outra, a saber, que havia uma cadeia de comando cujo ápice era a presidência da república – “Lula tinha que saber” – e que, portanto, implica por sua lógica truncada também Dilma, já que ela também ocupou a presidência. O procurador mor do MPF, Rodrigo Janot, já pediu que o STF autorize a abertura de processo contra ambos. O momento e a oportunidade dessa permissão estão sendo chocados nos meandros do STF e, para nossa surpresa, virá quando menos esperarmos.
3 – No Tribunal de Contas da União (TCU), que levantou a lebre das pedaladas e foi protagonista estratégico para a execução da estratégia de cerco que culminou no impeachment.
Temer se empenha pessoalmente e tem muita pressa. Uma chamada com destaque no portal G1, que reflete um pouco da irritação da Globo com seu pupilo, diz: “Temer pede aprovação ainda hoje de reajusta salarial para o judiciário”. O aumento tem que sair ainda esta noite (01 de junho), ou seja, sem qualquer risco de que a sociedade possa acordar para o que se trama às suas costas, para que não haja a mais remota chance de se levantar um debate público. Enfim, e preciso dar um novo golpe dentro do golpe. No UOL a manchete é: Base de Temer na Câmara deve aprovar megarreajuste com impacto de R$ 58 bi.
A situação é tão esdrúxula que a Globo já havia confrontado o governo Temer em termos bastante ásperos por sua “esquizofrenia”, como discutimos no artigo Suprema Esquizofrenia ? Globo ataca o projeto de aumento do STF. Dessa vez, para falar em nome de sua indignação, a empresa mobilizou o PSDB.
“O deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP) reclamou do momento para se proporcionar aumento salarial, apenas poucos dias após o governo conseguir aprovar no Congresso a mudança da meta fiscal, com a previsão de um rombo de mais de R$ 170 bilhões.
— É uma confusão, esse governo está passando por sérias dificuldades e dá um sinal desses em um momento de necessidade de muita austeridade — afirmou Duarte.”
Todo o judiciário (juízes, desembargadores, e ministros do supremo) terão o mesmo percentual de 41,5%. Os salários de ministro do STF passarão de meros R$ 33,7 mil para a mixaria de R$ 39,3 mil. Além de ficar no ar um aroma de remuneração por serviços prestados, e anestesia contra futuras irritações jurídicas, este aumento produz o efeito bola de neve, ou melhor, avalanche de lama, que a equipe de Dilma procurava evitar e, por isso, valeu à presidente tão justificada antipatia do judiciário em todos os seus níveis.
Para justificar esse aumento absurdo, um interlocutor do governo valeu-se de uma das mais cômicas e ridículas desculpas esfarrapadas dos últimos tempos, o que mostra o atual nivelamento da inteligência política no Brasil: “Se [Temer] não cumprir os acordos enviados, pode abrir margem para uma nova negociação que pode ser maior do que estava acordado”.
São políticos habituados a argumentar em rincões em que o mandonismo decide tudo, e que por isso acreditam que uma argumentação tão infantil pode ter efeito de convencimento sobre a opinião pública qualificada no Brasil. Sabemos que, ao contrário, uma nova negociação tenderia, logo que ao assunto ganhasse o debate público, nesse momento de crise, a colocar o Judiciário contra a parede e, com isso, a obriga-lo a amainar o seu apetite. Como resultado, o aumento poderia ser transferido para o futuro, quando as finanças apontassem na direção da recuperação da crise.
Mas, isso não atrairia o ódio do Judiciário contra o governo Temer? Claro que atrairia. Mas isso é outra conversa.
Para dar a impressão de que se trata de uma decisão que não visa beneficiar A, B ou C, ou seja, STF, MPF e TCU, o pacote se mostra generoso com os três poderes.
Toda essa festa, não esqueçamos, desmente uma das fundamentações mais propaladas do golpe: de que se fazia necessário, dado que Dilma perdera as condições de governar, um novo governo para atacar as raízes da crise econômica e virar o jogo. Mas o governo Temer, um governo fraco e que derrete a olhos vistos já em seus primeiros dias, age em oposição à austeridade, valendo-se da lambança como única tábua de salvação. E bem possivelmente a história não registra outro governo que, em seus primeiros 14 dias úteis, tenha perdido dois ministros por ligação com a corrupção, e esteja em vias de perder ao menos outros dois pelos mesmos motivos.
E o que é pior: um governo que ostenta um pescoço presidencial sobre o qual o medo de revelações e escutas paira como uma guilhotina prestes a cair a qualquer momento. Um governo crivado de suspense e suspeitas que, por isso mesmo, se vê obrigado a distribuir gordas propinas para amealhar cúmplices e evitar problemas com a justiça.
Mas se for assim, se estivermos diante de uma justiça que se deixa comprar, todos nós, que questionamos o governo de Michel Temer, estamos desde já correndo um sério risco.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.