por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do Cafezinho
Quem estranhou o súbito ingresso de Alexandre Frota no centro da cena política, não atentou para algo muito importante: esse ator é a cara do governo Temer. Ele é essa cara, ou seja, a face visível, porque é o porta-voz do ódio, da violência policial, da misoginia e da degradação mental. Muito daquilo que o bom tom político, e a prudência, recomendavam esconder, veio à tona com o ingresso intempestivo dele no centro da cena. Uma entrada triunfal de quem, cada vez mais, se esmera na pose de caveirão humano.
Se o país – não só a esquerda, mas também muitos dos defensores do impeachment – assistiu estarrecido à sua desenvoltura em visita ao ministério da educação, foi devido à sua biografia devotada à truculência e ao primarismo verbal, e, sobretudo, por ser o sujeito que narrou entre gargalhadas um estupro durante um programa de TV, como lembrou Mario Magalhães em seu blog. O à-vontade com que trocou selfies e ideias com o ministro, o Mendoncinha, é uma prova de que essa não é apenas a república da escória, como escrevemos em outro artigo, mas também a república em que “o esgoto vem à tona”, como afirmou Marilena Chauí em fórmula lapidar.
No fundo, o que estarrece é que aquela visita nos obriga, com seu choque, como um golpe de cassetete na cabeça, a abrir os olhos e ver a essência do grupo que acaba de se apoderar do poder. Alexandre Frota não é uma excrecência ambulante, um outsider, um esquisitão caindo de paraquedas em meio ao governo Temer. Ao contrário. É um parceiro, e esteve colado com Mendonça durante o processo do impeachment, como ele mesmo relatou. Dito em outras palavras: longe de ser um estranho no ninho, Frota se esforça para ser o desenho do governo Temer, que torna tudo fácil e permite a qualquer um entender.
É claro que foi um choque, como se uma tampa de bueiro tivesse explodido sob os nossos pés, coisa que se viu ocorrer bastante no Rio não faz muito tempo. Essa visão do inferno, se podemos nos expressar assim, é coisa que repugna mas que, no fundo, temos que encarar pois, como dizia Hegel, o primeiro dever do pensamento é olhar o negativo nos olhos. E esse negativo é a fotografia muita nítida da camarilha golpista e dos seus objetivos para o Brasil.
Observe-se, para começar, essa imbecilidade que é o “projeto escola sem partido”. É a própria alma do golpe porque, antes de tudo, o golpe quer destruir a democracia e as lutas da diversidade contra as muitas formas de opressão. Aquele projeto quer varrer as formas de resistência a uma ditadura. Afinal, como foi que resistimos à ditadura militar? Foi com o discurso crítico, exercido por milhares de professores nas escolas públicas e privadas, que aprendemos que a indiferença à política era imposta pela ditadura e só interessava aos opressores.
Enquanto na virada dos anos 70 para os 80 ouvíamos isso nas escolas, o que estava acontecendo fora dos muros? A extrema direita militar bombardeava as bancas de jornais, as sedes da OAB, e espalhava o terror para que “não se falasse em política”. Presidentes de diretórios nas universidades, diretores de sindicatos, jovens ativistas, eram espancados violentamente por bandos fascistas. Por fim, com ódio à toda crítica e com o medo de retorno à democracia, planejaram e puseram em execução o que seria um dos mais monstruosos atentados políticos da história: explodir o Rio Centro (30 de abril de 1981), com um público de 20 mil pessoas dentro, aniquilando junto a maioria dos artistas da música popular que estavam em evidência no país naquele momento.
Se o plano tivesse funcionado, e foi por muito pouco que deu errado, teria sido a maior expressão da demência e da intolerância que se tem notícia. Mas agora, mais de três décadas depois, o discurso golpista tirou da sepultura o cadáver do comunismo – mais de duas décadas depois do fim da União Soviética e da Guerra Fria – apenas para que, com esse espantalho, tivesse um pretexto para fazer a guerra ideológica. Em meio a esse transe mediúnico, querem continuar o delírio atacando a “doutrinação” nas escolas, como se viu na entrevista de Frota a Monica Bergamo:
“Eu fui falar com o ministro que eu não aceito doutrinação ideológica, chega dessa doutrinação marxista, chega de Paulo Freire.”
O desdobramento dessa proposta, evidentemente, é a repressão policial. O que foi outra bandeira insistentemente levantada pelos golpistas, que aplaudindo a PM, pediam a intervenção militar e a liquidação dos “bandidos”.
“Eu não vejo erro em sentar com o ministro da Justiça, por exemplo, e pedir a ele que olhe mais pelas polícias do Brasil, que andam sucateadas. E que imponha um projeto de tolerância zero. Precisa de um ministro da Justiça que venha dizer o porquê veio, de verdade, sem medo, ser agressivo, viril. São ideias.”
Essas “ideias” estão inteiramente na linha de coerência com um governo que desmonta os direitos humanos e apregoa que “nenhum direito é absoluto”, e em que, em seu segundo ou terceiro pronunciamento, o presidente interino soca a mesa e diz que foi duas vezes secretário de justiça de São Paulo e está acostumado a lidar com bandidos. Quem são os “bandidos” que ele pretende intimidar com esse teatro? Os manifestantes que estão nas ruas contra o seu governo.
É de se temer então o que será a discussão na reunião que o presidente interino, utilizando como pretexto o hediondo caso de estupro coletivo ocorrido por esses dias no Rio, prepara para a próxima semana, já na terça-feira (31), numa reunião com todos os secretários de segurança públicas do país. A informação em O Globo é a seguinte:
“Dizendo-se ‘totalmente chocado e indignado com essa barbárie’ o presidente Michel Temer acaba de informar, via assessoria, ao blog do Moreno ter conversado com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, sobre o caso do estupro coletivo a uma jovem no Rio, que chocou o país com enorme repercussão no exterior. O presidente informou que Alexandre, que já conversou sobre o caso com Beltrame, colocando toda a estrutura de segurança e investigação do governo federal à disposição do governo do Rio, deverá promover na próxima terça-feira uma reunião com todos os secretários de segurança pública dos estados, com o foco centrado na questão de violência contra a mulher.”
Será que está é mesmo a pauta prioritária da reunião? Ou será antes a construção de políticas e práticas unitárias de repressão para reduzir a “pressão das ruas”? Por falar nisso, por que não ouvimos nada, nesses 18 dias de governo, sobre investimentos na área de segurança pública quando, pelo que tudo indica, até pela biografia dos seus homens fortes, essa área será priorizada? Será que esses investimentos, com farta destinação verbas, estão ocorrendo sem que a sociedade deles tome conhecimento e possa discuti-los? Sem consultas ao interesse público e sem transparência?
A imprensa terá que nos informar sobre isso. Se os segredos não param de sair através das fontes dos vazamentos, quando se trata de investigados da Lava Jato, assuntos de interesse público como os investimentos nas chamadas “áreas sensíveis”, que podem significar uma escalada repressiva no país, não podem ficar escondidos. Os secretários de segurança dos governadores filiados ao PT, e são vários, tem que estar presentes nesta reunião e tem que expressar uma mudança de atitude. Até agora o PT tem praticado a política de segurança da criminalização das massas periféricas, sendo até mesmo mais radical que os governos tradicionais. Não se encontra nem sombra de busca de métodos não repressivos, de diagnósticos inteligentes e promoção da reeducação e do diálogo. Agora, ou isso muda, ou os movimentos sociais serão engolidos pela repressão policial.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros “Lógica do disparate”, “Método e delírio” e “Lógica dos fantasmas”. É professor do departamento de comunicação social da UFES