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Retorno do ‘socialismo democrático'[1] à moda EUA
Por Lawrence Wittner, no Commondreams (tradução: Vila Vudu)
O socialismo democrático já foi força muito vibrante na vida dos EUA. Durante as primeiras duas décadas do século 20, o Socialist Party of America [Partido Socialista da América], puxado por um líder sindicalista carismático, Eugene V. Debs, cresceu rapidamente, de modo semelhante ao que acontecia então com partidos assemelhados na Europa e por toda parte: o British Labour Party [Partido Trabalhista Inglês], o Partido Socialista Francês, o Partido Social Democrático da Suécia, o Partido Trabalhista Australiano e dúzias de partidos semelhantes que eleitores escolhiam para governar seus países. Divulgando seu ideário mediante artigos, leituras e centenas de jornais do próprio partido, o Partido Socialista da América elegeu cerca de 1.200 representantes, incluindo 79 prefeitos em 340 cidades, além de numerosos deputados estaduais e dois membros do Congresso.
Chegados ao poder, os socialistas democráticos norte-americanos implementaram vasta gama de reformas sociais orientadas para pôr freio aos abusos dos empresários proprietários, democratizar a economia e melhorar a vida das classes trabalhadoras nos EUA. Mesmo em nível nacional, o Partido Socialista tornou-se um dos principais atores na política norte-americana. Em 1912, quando seis milhões de votos deram a Woodrow Wilson a presidência, Debs – candidato do Partido Socialista –, arrastava multidão de seguidores apaixonados e obteve quase um milhão de votos.
Mas esse início tão promissor teria fim abrupto. O Partido Socialista fazia empenhada campanha pacifista contra a 1ª Guerra Mundial, e tornou-se alvo de ataques ferozes pelo governo de Woodrow Wilson, no campo da propaganda,[2] mas também com ataques às sedes do Partido, censura aos jornais e prisão dos líderes socialistas, inclusive Debs. Para complicar ainda mais o quadro, quando os revolucionários bolcheviques tomaram o poder na Rússia e estabeleceram a União Soviética, denunciaram os partidos ‘socialistas democráticos’ (…). Nos EUA, os socialistas democráticos rejeitaram furiosamente o modelo comunista. Mas a chegada dos comunistas ao poder dividiu fundamente a esquerda norte-americana (…). Embora o Partido Socialista da América continuasse a existir nos anos 1920 e 1930, muitos socialistas simplesmente se mudaram para o Partido Democrata, especialmente depois que programas do New Deal pareciam estar ‘capturando’ a parte ‘menos assustadora’ dos programas socialistas.
A situação do Partido Socialista agravou-se desesperadamente durante a Guerra Fria. Com os comunistas incorporados à propaganda a favor da União Soviética [e a propaganda pró ‘ocidente’ dentro dos EUA a demonizar tudo que tivesse qualquer remoto traço de parentesco com comunistas), os norte-americanos foram induzidos a ver os comunistas como apologistas de uma ditadura ou como subversivos e traidores. E os socialistas acabaram erroneamente incluídos no mesmo ‘grupo’.
Nos anos 1970, o Partido Socialista, antes tão próspero e vital, já praticamente não existia. Restavam ativistas, dos quais alguns poucos, liderados por Michael Harrington, separaram-se e criaram uma Comissão Organizadora dos Socialistas Democráticos [ing. Democratic Socialist Organizing Committee], a qual, adiante, seria convertida nos Socialistas Democráticos da América [ing. Democratic Socialists of America], grupo que criticava campanhas de outros partidos, chamava atenção para o valor dos programas ‘socialistas democráticos’ e trabalhava com os setores mais progressistas do Partido Democrata. Mas, ao logo de várias décadas, não se pode dizer que o grupo tenha feito grande diferença ou crescido muito.
Até que, notavelmente, o ‘socialismo democrático’ começou a renascer. Claro, nunca desaparecera completamente, e pesquisas ocasionais registraram várias vezes apoio ao ideário ou a candidatos ‘socialistas democráticos’.
Mas em dezembro de 2011, surpreendentes 31% dos norte-americanos pesquisados pelo Pew Research Center declararam reação positiva à palavra “socialismo”; e o maior entusiasmo foi registrado entre grupos de jovens, de negros e de hispânicos. Em novembro de 2012, pesquisa do Instituto Gallup descobriu que 39% dos norte-americanos reagiam positivamente a “socialismo”, inclusive 53% de Democratas.
Por que essa maré montante de apoio ao socialismo em anos recentes? Um dos fatores determinantes foi, com certeza, a reação/revide popular contra a crescente instabilidade econômica e contra a desigualdade social nos EUA, empurradas pela ganância e exploração dos trabalhadores pelos empresários e pelo controle que impõem às políticas públicas. Além disso, os jovens em idade de frequentar a universidade – vergados sob o peso de enormes dívidas para pagar os estudos, praticamente sempre condenados ao subemprego, e já sem nenhuma memória da propaganda anti-União Soviética – começaram a redescobrir a jamais contada e grande história política dos movimentos de massa nos anos do pós-guerra, e o notável sucesso da social-democracia na Europa.
Claro que Bernie Sanders desempenhou papel importante nesse renascimento público e na reavaliação do ‘socialismo democrático’. Membro da Liga dos Jovens Socialistas [ing. Young People’s Socialist League], a ala jovem do velho Partido Socialista, Sanders forjou para si uma bem-sucedida carreira política como independente, eleito prefeito (muito popular) de Burlington, Vermont, deputado e, depois, senador dos EUA. Durante todos esses anos, Sanders sempre atacou a ganância dos ricos e suas empresas, combateu contra a desigualdade econômica e social e pôs-se na defesa dos interesses dos trabalhadores e dos norte-americanos comuns. Para muitos da esquerda dos EUA, ofereceu exemplo da ininterrupta relevância do ‘socialismo democrático’ nos EUA.
Mas a entrada de Sanders nas primárias dos Democratas, afinal, chamou a atenção de público muito mais amplo – e, como adiante se confirmou, de público que o recebeu com extraordinário interesse. Por mais que os veículos das grandes empresas-mídias tenham-se posto imediatamente a repetir que se tratava de candidato “socialista”, movimento que, para muitos, condenaria sua candidatura e o marginalizaria, Sanders não fugiu do rótulo. Talvez mais importante que isso, apresentou programa socialista democrata afinado com o pensamento de muitos norte-americanos: assistência universal à saúde (“Medicare for All”); universidade pública gratuita para todos; salário mínimo de $15/hora; ampliação dos benefícios da Previdência Social; impostos mais altos para os mais ricos; big money fora da política; e política externa menos belicista-militarista.
Tudo isso soou muito bem aos corações e mentes de números crescentes de eleitores. Em junho de 2015, pouco depois de Sanders ter lançado sua campanha eleitoral, pesquisa do Instituto Gallup mostrou que 59% dos Republicanos consideram a possibilidade de apoiar um socialista, se fosse candidato de seu partido. Aí se incluíam 69% dos norte-americanos de 18-29 anos, e 50% dos de 30-49 anos. Para grande choque (e frequentemente para forte desagrado) dos especialistas, os números de Sanders continuaram a crescer consistentemente até rivalizarem com os números de Hillary Clinton, indicada pressuposta dos Democratas; e Sanders venceu 20% das primárias estaduais e caucuses dos Democratas realizados até agora. De fato, pesquisas mostravam que, se fosse indicado candidato pelos Democratas alcançaria vitória arrasadora na disputa final pela presidência.
Fato é que, chegue Sanders à Casa Branca, ou não, já ninguém pode duvidar de que o ‘socialismo democrático’ está de volta à vida dos norte-americanos.*****
[1] A expressão “socialismo democrático” é, para muitos, uma contradição em termos. Para socialistas comunistas, por exemplo, o socialismo é necessariamente democrático. Aceitar que haja ‘socialismo democrático’ implicaria aceitar que houvesse socialismo não democrático, o que é impensável. Por isso optamos por meter aspas simples (supostas de ironia ou suspeição), nesse ‘socialismo democrático’ de que os norte-americanos falam desde a Guerra Fria 1.0, até hoje. Seja como for, pode-se dizer que “socialismo democrático” é expressão criada para designar algum ‘socialismo’ que não toca na propriedade privada e, ao mesmo tempo, ‘declarar’ que haveria socialismos não democráticos [NTs].
[2] Pode-se dizer que o primeiro grupo jamais reunido para fazer [de fato, para inventá-la!] propaganda política nos EUA nasceu exatamente nesse momento, logo depois da posse de WW, que criou o grupo que se conhece como Committee on Public Information [Comissão para Informação Pública], também conhecido como “Comissão Creel”, rebatizado com nome do primeiro presidente, jornalista George Creel. Nessa comissão, que operou durante dois anos (exatos 28 meses, de 14/4/1917 a 30/6/1919), trabalhou também Edouard Bernays, autor do famosíssimo Propaganda, editado em 1928.
Essa Comissão Creel, diz Chomsky, “em seis meses converteu um país de camponeses, em um país de odiadores de alemães”. E em Propaganda, Bernays diz que tudo que aprendeu de/sobre propaganda aprendeu na Comissão Creel e explica: “quando a Comissão Creel foi desfeita, pegamos o que aprendêramos ali e nos mudamos para a Avenida Madison” (onde naquela época começaram a surgir as primeiras agências de publicidade do mundo). O resto, nos anos 60… é o seriado Mad men. A propaganda pró-guerra no governo de Woodrow Wilson foi uma das primeiras ‘operações’ da Comissão Creel
Sérgio Rodrigues
27/05/2016 - 10h38
O movimento revolucionário comunista era muito forte nos EUA e foi combatido nos anos 20 do século passado a base de uma brutal repressão que vitimou enormes parcelas das lideranças revolucionárias estadunidenses reduzindo praticamente o movimento pó.
Vale lembrar que a maioria das grandes lideranças sindicais revolucionárias do mundo eram estadunidenses, entre os quais , William Dudley Haywood (1869-1928), Landler Jeno (1875-1928) e Ruthenberg, Charles Emil (1882-1927), que devido a grande repressão, se asilaram na URSS. Todos jazem na Necrópole da Muralha do Kremlin, lado Leste