Maurício Quintella, ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil (Foto: Waldemir Barreto /Agência Senado)
por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do Cafezinho
“O que eu fiz de errado, meu pai agora vai arrumar e o certo, fará melhor, como sempre foi durante minha vida”.
(Frase pronunciada por Maurício Quintella Malta Lessa, atual Ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil do Brasil, ao ser substituído na Secretária de Educação de Alagoas, por seu pai, José Márcio Malta Lessa, em 2005).
Uma coisa de muito interesse mas que tem passado despercebida na imprensa é que o ministério Temer é um ministério de Filhos. Isto é, um ministério preenchido pelas crias do velho patriarcalismo brasileiro. Velho mas, nem de longe, ultrapassado. Pelo contrário. Romero Jucá Filho, José Sarney Filho, Fernando Coelho Filho, José Mendonça Bezerra Filho. Ao lado desses filhos mais ostensivos, estão diversos outros menos manifestos:
Helder Barbalho, Leonardo Picciani, Geddel Vieira Lima, Sérgio Etchegoyen, Bruno Araújo, Osmar Terra, Maurício Quintela Malta Lessa, Henrique Alves, Ricardo de Barros.
No total, temos aqui 13 nomes, todos filhos do poder. E isso sem contar um que por pouco não entrou. Foi o indicado para o Ministério da Defesa, barrado pelos militares, Newton Cardoso Jr., fazendeiro muito rico, com centenas de fazendas, e fina flor da oligarquia política e latifundiária brasileira. Como seu substituto, Raul Jungmann, não é um dos filhos, podemos contar que se Cardoso Jr. tivesse entrado, seriam 14 filhos. Certamente, o ministério mais patriarcal de toda a história do país.
E isso sem contar os afilhados, que são muitos. Um deles, o mais notório, ou mais finório, é o “camaleão” Moreira Franco, afilhado político, e genro, de Ernâni do Amaral Peixoto, o qual, por sua vez, cresceu à sombra de Getúlio Vargas, tendo começado como seu ajudante de ordens.
Eis aí um belo Álbum de Família do governo Temer. O que é mais evidente, é que esse aspecto da filiação, da escolha de político saídos dos ninhos das oligarquias, profundamente entranhados no tecido político brasileiro tradicional, não foi, nem poderia ser, mera coincidência. Foi caso pensado, uma escolha inteiramente calculada para conferir o máximo de solidez a um governo usurpador em um período movediço de crise.
Então, antes de tudo, é preciso dizer o seguinte: o ministério Temer é um ministério ungido por 500 anos de história do latifúndio, de suas desigualdades, e de suas exclusões. Eles querem banir índios, negros, quilombolas, sem terras, mulheres e movimentos sociais, porque essa é a sina multissecular que os move. Eles são um poder que foi instituído junto com a Colônia, logo ao início da colonização, quando, para atrair homens ambiciosos e de alguma posição de Portugal para o Brasil, a Coroa Portuguesa outorgou uma série de privilégios e enormes poderes que servissem de chamariz. Entre eles estavam direitos propriamente feudais sobre terras muito vastas, e domínio de vida e morte sobre os habitantes de suas terras, índios, negros, e agregados de qualquer cor.
Longe, muito longe, estamos hoje dos tempos em que se confundia o domínio do latifúndio brasileiro no campo com feudalismo, dando a entender que se tratava de uma velharia quase morta. A força do agronegócio mostra que não é nada disso. O Golpe de 1964 também mostrou que não era nada disso. O atraso social do latifúndio, que é gigantesco porque ele é uma imensa máquina de exclusão, que expulsa do campo e multiplica as favelas nas periferias das nossas cidades, contrasta com a sua força econômica e política, sempre renovada pela sucção de recursos públicos muito vultosos (quem não lembra que, durante as últimas décadas, era comum fazer a recomposição dos recursos do Banco do Brasil para suprir os rombos deixados pelas dívidas não pagas do latifúndio? E que junto com isso, se praticou o perdão das dívidas, ou a redução drástica, de até 70% de todo o valor devido? Ou seja, o latifúndio, foi nas últimas décadas uma chave lateral de acesso direto aos cofres públicos para as oligarquias).
Os políticos filhos, os juniors, e os apadrinhados e afilhados, mostram que na situação de crise se buscou trazer para o governo o filet mignon das elites regionais. Ocorre que isso não se podia fazer sem trazer juntos as suas agruras com as leis, as suas pendências e processos. No âmbito dos estados, em que mandam e desmandam, esse problema é amenizado pelo poder sobre todas as instâncias: “O que eu fiz de errado, meu pai agora vai arrumar e o certo, fará melhor, como sempre foi durante minha vida”.
A impunidade, a permissividade de tantos tribunais que permitem que esses garotos, depois de tantos escândalos, estejam ai, lépidos e faceiros, ministros de estado e autoridades às quais temos que obedecer, nasce do poder oligárquico e sua capacidade de se impor. Por isso, o pai é uma figura tão importante. Pai é a dimensão que os institui no poder, que os consagra e os sustenta contra as adversidades da política. Muito deles, foram políticos festejados como “o mais jovem deputado estadual eleito”, “o mais jovem prefeito”, “o mais jovem deputado federal”. Na verdade não eram os mais jovens. Eram até muito velhos.
Eram figuras sem estofo próprio, sem alma, preenchidos pelo ar do fôlego patriarcal, como um refil para a continuidade e permanência dessas oligarquias através das gerações. Sua força vem de ostentarem a marca do privilégio, de receberem, como primogênitos ou prediletos, o poder de sucessão e, junto com ele, de mando, de impunidade. Ou seja, seu poder vem em linha direito da primogenitura, do masculino e do pai. É isso que torna intolerável a ascensão da contestação feminina. E, claro, o lugar de onde nasce seu ódio às mulheres. Às que escapam à manipulação, isto é, ao mando masculino.
Em outro artigo, vamos mostrar mais detidamente como esse poder se liga à impunidade ou, o que é a mesma coisa, por que esses políticos carregam tantos processos e, o que é pior, se livram de quase todos com tanta facilidade.
Por agora, vale lembrar que o seu “outro”, o horizonte que ameaça toda essa continuidade temporal das elites, está na diversidade, no grande fantasma da diversidade e da democracia, de negros, mulheres, índios, gays, movimentos sociais, que habitam em seus piores pesadelos. Não poderemos subestimar o sentimento de cerco em cujo círculo esses oligarcas se sentem hoje reféns e que, para rompê-lo, estarão dispostos a tudo. Aliás, pelo que vimos ao longo da história do golpe até aqui, seus agentes são políticos dispostos a tudo.
(Ps: para não deixar dúvidas, vale observar o seguinte sobre dois dos nomes citados: Sérgio Etchegoyen é filho de uma longa linha de militares situada dentro do centro do poder há três gerações; sobre Osmar Terra não encontramos maiores informações, mas um forte indício: ele é filho de Walter Paim, que foi assessor do senador Paim Filho nos distantes anos 30. Portanto, uma ligação nítida do pai com a cúpula do poder político do país e laços de família, parecem certos.)
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros “Lógica do disparate”, “Método e delírio” e “Lógica dos fantasmas”. É professor do departamento de comunicação social da UFES