Por Bernardo Oliveira*, editor de música do Cafezinho.
Foto: da página do Facebook do Ocupa MinC.
No conjunto de retrocessos impostos pela junta provisória golpista comandada por Michel Temer e asseclas, a extinção do Ministério da Cultura obteve repercussão consideravelmente mais ampla do que os ataques anunciados aos direitos trabalhistas, aos programas sociais e a setores como a Saúde. Repetindo um dos feitos nefastos do período Collor, a junta provisória transformou o MinC em Secretaria de Cultura do Governo Federal, vinculada ao Ministério da Educação comandado por Mendonça Filho (DEM-PE). O escolhido para ocupar o cargo foi Marcelo Calero, ex-secretário de Cultura da cidade do Rio de Janeiro. Com as manifestações populares contrárias à medida provisória e à junta golpista ganhando lastro e reunindo manifestantes em diversas regiões do país, Temer se viu aconselhado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, a voltar atrás e recriar o Ministério, mantendo Calero à frente (empossado ontem, 24/05). Mendonça Filho não escondeu os reais motivos da guinada de Temer e declarou no Twitter que “a decisão de recriar o MinC foi um gesto do presidente Temer no sentido de serenar os ânimos…”
Nas palavras de Mendonça Filho, claras como o dia, as reais motivações da guinada. Além de desviar a atenção das medidas mais drásticas (por exemplo, a entrega do pré-sal ao capital estrangeiro), o retorno do MinC parece adquirir a cada dia um sentido meramente operacional, que consistiria em dar prosseguimento aos trabalhos burocráticos e, a princípio, honrar os compromissos contraídos através de projetos, editais, etc. De fato, não há razões para crer que o atual Ministério levará adiante a orientação política dos mandatos anteriores, que buscaram, cada um a seu modo, construir um projeto republicano e democrático de cultura. Alguém objetará que não houve uma continuidade orgânica entre as gestões de Gilberto Gil, Ana de Hollanda, Juca Ferreira e Martha Suplicy. Porém, o panorama que se avizinha sugere mais do que uma descontinuidade, uma ruptura das mais profundas. Já podemos nos antecipar e prever o desmonte: o Ministério da Cultura abrindo mão daquele “do-in antropológico” aventado por Gil, Antônio Risério e Waly Salomão ainda em 2003, abandonando os Pontos de Cultura, apostando suas fichas no elitismo cultural cínico e eurocêntrico e na jogatina das megacorporações. A volta do monopólio no cinema, nas artes plásticas, nas relações fundamentais entre arte e comunicação. Não há, portanto, com o que se iludir. O MinC retorna no âmbito de um governo ilegítimo e anti-democrático, e esta ilegitimidade atravessará suas atividades.
Precisamos, contudo, aprender a dar umas braçadas no mar revolto dos paradoxos e atentar para o fato de que o MinC não é uma propriedade da junta provisória. O MinC é uma conquista política das cidadãs e cidadãos brasileiros, além de se configurar como uma área estratégica para um país cuja produção artística e cultural é tão abundante quanto fragmentária. E o dilema estava posto quando a leitura coletiva da situação indicou um suposto paradoxo entre o #ficaMinc e o #foraTemer, que, na velocidade dos acontecimentos, aos poucos se tornaram excludentes. Aqueles reivindicavam o retorno inegociável do Ministério, enquanto estes não reconhecem como lícitas quaisquer tomadas de decisão do (des)governo. Quando, parece-me, trata-se de afirmar o #ficaMincforaTemer simultâneo e inegociável, em favor tanto do gerenciamento justo e adequado do fundo público, como da continuidade e aprimoramento de uma política voltada para a pluralidade das artes e da produção cultural.
No que diz respeito à música e ao papel de alguns músicos na luta contra o golpe, é preciso notar que este talvez seja o setor menos representativo dos trabalhos do MinC —pelo menos em termos proporcionais. E, ainda assim, a música confirmou sua vocação para embalar as manifestações de rua e ambientar a agenda política — desta vez com a participação do cinema em dois momentos: com Anna Muylaert no ano passado e, mais recentemente, com Kleber Mendonça em Cannes. Como atividade inicial de sondagem das perspectivas e prognósticos sobre o momento político, contactei cerca de cem artistas de diversas searas musicais (dos quais vinte e seis responderam, de BA, PE, GO, PA, RS, MG, RJ e SP), desde a música erudita ao funk carioca, da guitarrada ao experimentalismo radical, dos compositores acadêmicos à nova geração de sambistas. Com o intuito de produzir um mapeamento provisório acerca de questões ligadas ao contexto político e sua repercussão sobre as ideias de quem produz música, dirigi a estes artistas duas perguntas. Com a retomada do Ministério pela junta provisória, a primeira questão prescreveu, mas mantive seu conteúdo formal: “Como o golpe de estado e, particularmente, a extinção do MinC influem direta e indiretamente no seu trabalho?” A segunda suscitou um conjunto de respostas que podem servir de documento provisório para, em um ambiente político democrático, a construção de perspectivas mais consistentes acerca das relações entre o MinC e a música: “Em que aspectos o trabalho do MinC poderia mudar para uma política mais consistente voltada para a música?”
Para além da opinião geral de que estamos comprometidos por um retrocesso político inadmissível, as respostas revelaram a reconfiguração do perfil geral do músico brasileiro, que se vê obrigado a participar da construção da própria carreira, em substituição ao sonho industrial do contrato com as majors. A faca de dois gumes: maiores liberdades, maiores dificuldades. De uma forma geral, os depoimentos aqui reunidos demonstram que é notório e sabido que o Ministério não comporta o volume e a diversidade da música brasileira. Muitos reivindicam uma posição mais consistente acerca desta mesma diversidade. Percebe-se também a perplexidade diante da inexistência de uma agência como a ANCINE direcionada para a música — alguns artistas chamaram a atenção para os trabalhos que uma comissão nacional ligada ao MinC promovia pelo país acerca da criação desta agência particularmente destinada à música. Reivindicações e clamores com questões relativas às limitações da Lei Rouanet, critérios de distribuição dos subsídios, formas de acesso aos prêmios e editais, direitos autorais, distribuição, entre outros assuntos espinhosos. Desdobrando-se em outras atividades, não necessariamente ligadas diretamente à produção musical, e, às vezes, bem distante de seus principais interesses, os artistas brasileiros flutuam no ambiente saturado dos plurimercados que borbulham na superfície da rede. Esta realidade acarretou o adensamento do conteúdo político de suas respectivas atividades, como se pode confirmar nos depoimentos a seguir. Pode-se, então, afirmar que, em decorrência desta situação, a música hoje é naturalmente mais “politizada” do que a dos anos 80 e 90?
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Lucas Santtana (cantor, compositor e produtor)
“Diretamente não saberia dizer pois nunca fiz nada com o MinC em termos de projetos meus. Mas acho que a questão nesse momento passa longe do pessoal. Acabar com o único orgão de cultura num país como o Brasil é absurdo. Nos últimos cinco anos tive uma intensa agenda de shows no exterior e sempre foi nítido para mim que ao falar Brasil, a primeira coisa que as pessoas pensam é em cultura, seja ela musical, futebolística ou criativa. Ninguém associa de imediato o país à tecnologia, economia, etc. A cultura brasileira é uma das suas maiores forças estratégicas, geopoliticamente falando. Acabar com o MinC é literalmente dar um tiro no pé. Um ato de ignorância perante o entendimento do próprio país.”
“Tenho falado desde a retomada do MinC por Juca Ferreira que nunca entendi existir um agência reguladora de cinema dentro do MinC e não ter uma de música. De todas as artes, é óbvio que a música é a que mais representa o país nos quatro cantos do mundo. Com isso não quero dizer que não deveria existir uma agência voltada para o cinema, o teatro, a dança. Apenas acho que o nosso maior carro chefe não ter sua própria agência é uma imensa lacuna nas gestões do MinC.
Acho que quatro aspectos são fundamentais. Primeiro a volta do ensino obrigatório de música nas escolas. Mas com um viés mais atual, e não com a mentalidade arcaica de outros tempos. Segundo a circulação da música pelo país; associado a isso a questão das rádios públicas. Minha experiência na Europa foi clara no sentido de que rádios públicas fortes e com uma programação diversificada reeducam rapidamente uma população, abre os seus ouvidos. E por fim, uma ação de circulação da música brasileira na Europa, usar isso da mesma forma que o cinema americano usou no pós guerra para ‘impor’ a sua cultura ao resto do mundo.”
Ava Rocha (cantora, compositora)
“Quando eu penso nesse golpe e no fim do MinC, não consigo pensar exatamente no meu trabalho, mas em muitas coisas. Por exemplo: antes do Lula, nós na época com 20 anos mais ou menos, não tínhamos acesso nem ao MinC, nem a alternativas quaisquer de produzir um curta-metragem que fosse. Vivíamos na época da ‘retomada’ e da Lei Rouanet, que concentrava, e continua concentrando, recursos; e o monstro da Globo, regendo o campo cultural e o imaginário coletivo. Quando Lula entrou, através da administração do Gil na cultura, ele ressignificou muita coisa. Democratizou o ministério (embora eu ache que tem que ir além), e mostrou que, junto à luta contra a fome, a cultura era fundamental. Deu instrumentos para que as pessoas se coroassem, se empoderassem. Quando um negro entra na universidade não tem só a ver com educação, tem a ver com não sentir fome, tem a ver com seu empoderamento cultural. Todos são artistas no seu devir inventivo. Todos são capazes de se tornarem médicos. Cada um de nós é um complexo, onde uma habilidade não pode ser a negação de outra. Um mecânico pode ser um intelectual. Então, eu penso que se de certa forma houve uma alienação forte da classe média na sua relação com o consumo e seu ‘fascisglobismo’, houve também a formação de uma geração fortalecida das periferias, houve o fortalecimento das mulheres, dos negros, dos índios. Embora não tenhamos dado todos os passos adiante, não demos passos para trás no quadro geral. Eu não poderia esperar nada além desse governo golpista. Desmantelar a cultura e todos os campos de resistência, desmantelar as lutas e os avanços, desmantelar a potência do povo brasileiro e negar-lhe até uma dentadura.
Agora em relação ao meu trabalho, existe essa tentativa de desmantelar o mercado independente, manter a curadoria na mão da Globo, deixando o Brasil de certa forma controlado. Além dos muitos desempregados, porque o que o país dá pra cultura, que acho que é 1% do orçamento, é devolvido pro país, e gera uma economia forte, emprega milhares de pessoas da cultura que envolve diversos técnicos, de eletricistas, contra-regras, camareiras, motoristas, iluminadores, sonoplastas, engenheiros de som, fotógrafos, cozinheiros, figurinistas, costureiros, músicos, atores, dançarinos, roteiristas, produtores, assessores de imprensa e inclusive jornalistas. Emprega, incentiva, produz, distribui. Então é óbvio que sou afetada, embora eu pessoalmente viva bem à margem do usufruto dessas políticas. Volta e meia sou contemplada por um festival que acontece em parte graças a recursos do MinC, ou um filme para o qual presto algum serviço. A importância do MinC é vasta, ampla e a sua existência é boa pra mim e o pro povo brasileiro. Esse golpe, ou esse governo interino, não pensa no Brasil.
Agora, com a volta do MinC, querem dizer que se importam… Depois de ridicularizar a cultura perante o Brasil, sem qualquer responsabilidade sobre o que isso pode acarretar. Mas não devolveram os outros ministérios. Eu acho que a volta é importante porque o ministério nunca deveria ter sido extinto, e todos os compromissos de editais, de projetos, devem seguir de forma pragmática. Porém, estamos no meio de uma turbulência, de um golpe. Então, eu só penso nisso: que o governo é ilegítimo e não dá pra negociar no sentido oportunista. É óbvio que temos que exigir que seu funcionamento seja exemplar, mas as transformações devem ser feitas no seio do governo de Dilma e seguir adiante com as reformas e as urnas, eu só penso nisso. O foco é ‘foratemer’ e não ‘ficaminc’.”
“Eu não sei responder precisamente essa pergunta. Acho que tem que ter muita conversa pra entender o que precisamos. Mas a principio acho que seria importante ter uma política de remuneração à altura da produção musical e um sistema democrático que permitisse a produção e a difusão das obras. Acho que o MinC poderia participar mais efetivamente na produção e difusão da música brasileira, como acontece com o cinema. Enfim, precisa discutir e desenhar um grande projeto pra música brasileira que envolva muitos estilos, muitas singularidades. Eu acho que tem que incentivar esse caldeirão musical no Brasil e diluir as fronteiras e as barreiras da comunicação, do gosto, do gênero, e também fazer uma grande conexão com a música latinoamericana.”
J-p Caron (-notyesus>, Epilepsia, compositor, professor)
“Se você considera participação em uma Bienal de Música Contemporânea sem cachê, eu fui beneficiado uma vez. Fora esta, a única vez em que solicitei ajuda de custo para uma viagem queriam saber porque minha música era “brasileira”. Isso revela muito sobre a questão de um MinC, dos mecanismos de unificação do Ministério da Cultura e do Estado Nacional Brasileiro. O discurso sempre resvala para nossa nobre função no imenso Brasil. Afirmações identitárias enquanto servidores da identidade-Brasil. Devo dizer que considero uma identidade brasileira (ou qualquer outra) um embuste. Existe um milhão de ‘países’ aqui neste território que a imposição da identidade brasileira não dá conta de expressar.”
“Dentro de políticas passíveis de serem implementadas por um Estado Nacional, eu favoreceria uma política de Renda Universal Mínima que alavancaria a performance econômica de todos, inclusive para a produção de dita ‘cultural’ em lugar de um mecanismo central de avaliação, o que, em última instância, é um Ministério. Além de ‘artista’ sou servidor público, o que parece me colocar em inevitável contradição com tudo o que está dito aí. Minha precária defesa é que meu compromisso como servidor público é modal, o quero dizer que é do tipo: já que é o caso, que o que existe é isto e o que posso fazer pelos outros, dado tudo o que fiz até aqui, é isto, farei da melhor maneira possível. Tentarei ser um bom professor, estimular os alunos a se descobrirem, ou a aprenderem bem as coisas que vieram à minha sala aprender. Alguns colegas valorizam o trabalho do MinC sobretudo voltado a comunidades — quilombolas, índios, ciganos, e a idéia dos pontos de cultura. Essas iniciativas poderiam continuar e serem reforçadas, mais do que prêmios dados a ‘obras’ que são queimados aquela única vez e não sustentam uma vida de contínua vivência estética.”
Vivian Caccuri (experimentadora, artista plástica)
“É impossível desconectar a subjetividade de um senso de responsabilidade que fica cada vez mais evidente para quem é artista hoje no Brasil. O que dava para passar como uma série de ataques simbólicos, hoje vai virando estratégias políticas e econômicas reais contra a liberdade de expressão, contra o pensamento livre e a favor mercantilização da arte.”
“É uma pergunta quase luxuosa essa né? Se já nem se tem mais o MinC, muito menos dinheiro, imagina a reformulação das políticas… Mas pensando em momentos menos tenebrosos da nossa história, programas de fomento a mulheres produtoras musicais e/ou compositoras são fundamentais para continuar o bom trabalho de reequilíbrio das culturas das ‘minorias’ que já se estava fazendo.”
Luciano Bom Cabelo (cantor, cavaquinista e compositor)
“Particularmente, esse golpe me gera uma sensação pessoal de impotência absurda, como se estivessem esfregando fezes na minha cara. Não sei o que dizer pra minha filha, já que ela me vê a todo tempo defendendo um governo que realmente teve muitos tropeços e omissões inadmissíveis. Mas aí que entra a indignação: o golpe foi por conta do que o governo fez de positivo para o ‘MEU POVO’. Ai fica difícil…”
“O fim do MinC influencia diretamente no meu trabalho. Sou idealizador, produtor, músico e o faz-tudo de 6 (seis) rodas de sambas no Rio de Janeiro. Atualmente coordeno junto com outros oito produtores independentes a ‘Rede carioca de roda de samba’, na qual, com a ajuda e esforço coletivo de um monte de rodas de samba, conseguimos um decreto municipal onde se torna pública a ação de incentivo da prefeitura às rodas de samba. E com o fim do MinC, pra onde isso vai? Estou meio sem fé no que pode acontecer daqui pra frente. Nós das ‘Rodas de sambas’ não somos minoria, mas somos tratados como se fôssemos.”
“Você acha fácil escrever um projeto para a Lei Rouanet, entre outros editais? A coisa mais absurda que vejo é que quem realmente necessita fica longe dos editais e nem sequer tem acesso à capacitação. Um exemplo: Tia Gessi faz sua roda de samba há no mínimo 25 anos no Cachambi (RJ). Se ela quiser concorrer a um prêmio, edital ou Lei Rouanet, terá que comprovar se tem condições de receber a verba do governo. Isso é um absurdo! Acho que as políticas populares deveriam ser carro chefe no MinC. O trabalho tinha que ser inverso: um setor do órgão deveria pesquisar os movimentos dos bairros, recolher informações e distribuir recursos. Mas enquanto isso não acontece vamos disputando editais com os privilegiados…”
Gustavo Benjão (Do Amor, cantor, compositor)
“Historicamente a classe artística sempre sofreu bastante com os golpes de estado. Pertencemos a um setor da sociedade que depende e precisa de liberdade não apenas na concepção, mas também necessita de um estado laico, não intervencionista e que promova uma política cultural abrangente, democrática, libertária. E que possibilite ao artista a livre expressão de pensamento e total liberdade pra quebrar paradigmas estéticos, dogmas e regras impostas pela sociedade e pela indústria do entretenimento. Um golpe seguido da extinção do MinC é, claramente, uma atitude reativa e vingativa, tomada para enfraquecer a classe e acabar com uma política cultural que democratizou e mudou pra melhor toda cadeia produtiva ligada à arte.”
“Primeiramente a criação de uma agência nacional nos moldes da Ancine. E o aprofundamento, a retomada, de políticas já implementadas como os Pontos de Cultura. A criação de centros de referência federais de teatro, música e artes plásticas em regiões pobres por todo território nacional. Além disso é urgente uma revisão nas leis de incentivo pra desburocratizar e democratizar a distribuição da verba advinda de renúncia fiscal, dando mais autonomia ao MinC.”
Kiko Dinucci (Metá Metá, Passo Torto, cantor, compositor)
“Esse golpe promovido pelo Temer e por todo o sistema judicial, midiático e boicotador (via EUA também) desencadeia uma série de fatores desastrosos. Na arte, é de um impacto destruidor. Com esse golpe, abriu-se a porteira do inferno para o crescimento do fascismo, do fundamentalismo cristão no congresso, da opressão, da bancada da bala, do agronegócio. Quando se é permitido um golpe judicial em que se condena uma presidenta sem ela ter cometido crime de responsabilidade, quando se ignora os 54 milhões de votos diretos que ela recebeu, entramos na era do ‘tudo é permitido’. Assistimos nos últimos 10 anos uma série de pequenas audácias desse setor conservador. Eles foram avançando aos poucos, aumentando essa audácia na medida em que estávamos distraídos ou impotentes. Assim cresceu o fascismo no séc XX, através de pequenas audácias. Assistimos a presidenta ser grampeada, o Lula ser praticamente condenado antes de ser julgado. E assistimos ainda uma série de audácias nos primeiros dias de (des)governo Temer. A elite, empresários, industriais, famílias ricas donas de jornais, rádios e TVs, somados a uma classe média selvagem, violenta e subserviente (aos que estão acima deles), perderam de vez a tolerância diante dos programas sociais do antigo governo. O fato de eles destruirem o MinC faz muito sentido, querem se vingar. É a política do rancor: Temer, Cunha, STF, Marta Suplicy, Cristóvam Buarque, Hélio Bicudo, entre outros, são personagens que tem questões mal resolvidas com o PT. Questões pessoais que movimentam toda uma política com o intuito de se vingarem. O fim do MinC foi o rancor materializado, pelo golpe não ter sido apoiado pela maioria dos artistas e setores intelectuais. A cultura é instrumento de lucidez, senso crítico, eles deram um tiro bem no coração do pensamento, pra poderem deitar e rolar em suas audácias.”
“Pelo que eu sei o MinC estava perto de lançar uma Agência de Música, algo parecido com a ANCINE. Seria um passo avançado para o futuro. Estavam querendo mapear a música do Brasil, desde a cultura tradicional até vanguarda. Estavam buscando mecanismos de incentivo como bolsas, cursos, formação, residências, turnês. Seria algo inédito, mas foi praticamente abortado pelo golpe. Teremos, daqui em diante, pensar em alguma alternativa. Os avanços do MinC na época do Gil e Juca foram grandes, mas sofreram retrocessos duros nas gestões Ana e Marta. Juca estava arrumando a casa. Agora o mapeamento de mais de uma década será descartado. Mais grave que o fim do MINC é um governo golpista no país. Não adianta o MinC continuar com um governo golpista, eles vão destruir o ministério da mesma maneira.”
João Martins (cantor, compositor)
“A movimentação dos sambistas da chamada ‘Nova Geração’ vive no cenário marginal da cultura: à margem dos meios de comunicação, grandes contratantes e estrutura básica de produção. Contudo, muitos como eu já tem a possibilidade de conhecer os confins do Brasil e, com a ajuda da Internet, divulgam seu trabalho pra quem se interessa pelo movimento. Precisamos estimular uma unidade nacional pró-renovação, cientes dos cartéis culturais, incluindo, por exemplo, a política das grandes cervejarias.”
“Nunca participei de projetos como o Pixinguinha e outros que aconteceram no passado na Funarte, onde era possível apresentar shows com som bom, iluminação, banda bem remunerada a preços populares. Agora, então, isso está mais distante ainda. Fora os registros do MIS, incentivos etc… Em resumo: se discordar das políticas de retrocesso desse golpe significa ‘mamar nas tetas do governo’, como muitos reaças (inclusive sambistas) propagam, estamos nós todos ‘trabalhados’ no leite C de saquinho, ainda dissolvido na água pra render pra família toda!”
Henrique Diaz (Compositor e instrumentista, Baobá Stereo Club e Salão Extremo)
“Acredito que tanto o golpe quanto o fim do MinC só evidenciam o momento triste e patético que o Brasil passa politicamente e, mais do que tudo, socialmente. Acredito ser uma crise que passa por questões sociais muito fortes, de uma elite oligárquica que se sente provocada e incomodada por um país mais igual. Não acredito que seja fruto só de uma racionalidade, mas sim de algo muito bem enraizado e que se transparece emocionalmente e cega totalmente esses ‘cidadãos do bem’. A turma da sala de jantar pega nas panelas pra batê-las. Não pensam. Nesse sentido, o fim do MinC é exatamente a base que querem para a nossa sociedade, pessoas sem cultura pensam e questionam menos. Privatizar a cultura, algo feito nos anos 90, já era um nó difícil de se desatar. O fim do MinC é um passo ainda mais atrás disso.
Mas, sinceramente, num país como o Brasil, onde o povo que é mais atingido sofre e se manifesta através de dança, música, literatura, não da violência, ele ganha munição. A cultura aqui é latente. Vivemos nas ruas. Acho que, como artista, estamos ganhando munição. Infelizmente a munição que não queríamos, mas já que é, tem que ser. O fim do MinC é algo muito fácil de entender da ótica econômica: tira da pauta da discussão, da exclusividade, dilui, controla-se, joga na mão do setor privado, e esvazia de significado um dos elementos de plataforma e solidez social. Quem não se envolver nisso é bunda mole.”
“O MinC é uma forma de se organizar a cultura, de ampliar uma discussão e produção para toda sociedade. O MinC não deve ser voltado para o espetáculo, mas sim por criações de base sólidas e de democratização de produção e acesso. Ter como foco tirar o peso dos conglomerados de mídia e proliferar culturas que não dependam de rentabilidade, lucro, audiências consistentes: a base se vem no volume de produção, na verdade de cada artistas, no regionalismo e beleza de cada rua, cidade, estado. O MinC é um catalisador de cultura, pra pulverização do país todo. Sem essa pasta, voltamos a ter exclusividade (que já existia) de meios e canais que urgem mais por anúncios publicitários do que um compromisso a longo prazo de construção de identidade em um país tão grande. O MinC é algo não só necessário ou fundamental, é impossível não existir. Quem não enxerga isso ou não bate panela pra isso tá conservando o pior que temos em nossa sociedade. Cultura não espetáculo em teatro com Naming Righ ou musical com atores globais. Cultura muda, transita, não cobra, entrega.”
Felipe Cordeiro (cantor, compositor, guitarrista)
“O fim do MinC significa um retrocesso incomensurável e de proporções incalculáveis, trazendo prejuízos para além da área da cultura, atinge a própria ideia de desenvolvimento estratégico do país, atinge a própria força subjetiva da cultura do país. O governo interino economiza pouco com a extinção (fusão?) do Ministério e perde muito, foi um tiro no pé. Eu nunca participei tão diretamente de ações do MinC, este sempre teve o imenso defeito de ter ações centralizadas na região sudeste do país, basta ver como o funcionamento da Lei Rouanet é radicalmente desproporcional entre as regiões. No entanto, tive discos gravados e projetos viabilizados através de Lei de Incentivo do Estada do Pará, a SEMEAR, criada nos anos 90. Com a extinção do MinC, a tendência é que o processo de aperfeiçoamento das políticas culturais, que tiveram seu ápice de diálogo e construção na gestão Gilberto Gil e Juca Ferreira, percam força. Todos saem perdendo com a medida descabida, desastrada e arbitrária do governo.”
“Estimular o diálogo entre gestores, produtores e artistas é um grande passo. Teve um curto período em que as coisas caminhavam nesse sentido, acompanhei algumas feiras de música como a de Fortaleza e de Belo Horizonte. Tudo isso era fortalecido com o diálogo e a presença do MinC. Cogitou-se uma feira de Música na Amazônia, seria (ainda é) fundamental. O MinC forte e presente estimula e torna consistente os circuitos das feiras e dos festivais de música. Fortalece toda uma rede de gestores, produtores e trabalhadores da cultura em geral. A produção musical independente e livre é estimulada e adquire condições de sustentabilidade. Tudo isso perde força sem o MinC.”
Rodrigo Campos (Passo Torto, cantor, compositor)
“Acho que o golpe influencia meu trabalho à medida que entendo melhor meu país e em que momento intelectual ele se encontra na história. O buraco é muito mais embaixo e entendo que minha arte dialoga com muito menos gente do que eu imaginava, preciso trabalhar muito mais. Pela primeira vez é absolutamente clara a ignorância e a falta de interesse na construção de uma democracia forte e madura no país. E me refiro ao país, não só ao Congresso, porque grande parte da população brasileira, se não a maioria, apoiou cada movimento do jogo proposto. O Brasil mostrou a cara: é um país preconceituoso, conservador e elitista e, enfim, tem o governo que merece.”
Bruno Abdala (produtor, compositor, responsável pela Propósito Recs)
“Acho que uma das coisas mais complicadas do golpe é a questão do convívio humano básico. Não que fosse fácil, pelo contrário. Mas, pelo menos por aqui é complicado você se expressar, diante de tudo que aconteceu e acontece, sem que a discussão se transforme numa conversa pífia de melhor e pior, como essas que acontecem com futebol. Isso sem aprofundar no poderio dos coronéis (em todas as esferas da sociedade) e no modo como isso interfere diretamente no propagar da informação e do conhecimento em diferentes camadas. Essa tem sido uma das partes mais pesadas, porque tem dado muito espaço pro pensamento conservador se aflorar com a sua pior face.
Sobre o fim do MINC, no meu caso mais especificamente (Propósito Records), não tem uma influência direta no que acontece no dia a dia, levando em consideração que nossas ações, assim como de boa parte do Brasil nas últimas duas décadas, tem sido pautadas por outro tipo de iniciativa: a pessoal. De ser humano pra ser humano. Por outro lado, também levando em consideração a mesma produção de pessoas espalhadas pelos quatro cantos do país nos últimos vinte anos, o fim do MINC é também a extinção de uma pequena possibilidade que existia de contato com o estado. Mas, não sei se entrando em certa contradição, dentro do meio que convivo conheço poucas pessoas que buscavam um diálogo com o governo e que acreditavam que isso poderia resultar verdadeiramente em melhora.”
“Ao meu ver, quem mais sai perdendo com o desaparecimento do MINC é a cultura popular brasileira, essa mesma que até com a própria existência do MINC já não estava bem. As tradições e resistências ,que ao longo dos séculos vem lutando para não serem esmagadas, só existiam para o MINC quando o poderio branco resolvia que aquilo poderia ser institucionalizado, isso depois desses próprios coronéis fazerem a conta de quanto aquilo poderia ser vantajoso economicamente.”
“Meu conhecimento a respeito da atuação do MINC hoje é ingênuo/ignorante. Meu contato mais direto com as ações do ministério foram em festivais de música independente, como artista e como público. Goiânia, cidade onde vivo, tem uma história musical sendo construída através desses festivais. Existiram edições, acredito que a maioria delas, sem apoio governamental, mas também já tiveram as que o estado apoiou. Como artista ou como público não deu pra mensurar a importância da participação do MINC. Por outro lado, baseado em conversas com pessoas das mais distintas regiões, acho que o principal ponto é a questão de que entra governo, sai governo, o acesso ainda continua restrito aos coronéis e isso não é só na música. E quando digo acesso não é só aos projetos, acesso ao diálogo, acesso ao saber, o básico, do básico, do básico ainda não mudou.”
Vicente Barreto (cantor, compositor e violonista)
“Com a extinção do MinC, o artista deixa de ter um órgão que lhe representa e, penso eu, isso afeta a minha criatividade. Com o MinC voltando, valeria incluir pessoas que conheçam profundamente a cultura do país, em todas sua manifestações.”
Rafa Barreto (cantor, guitarristas e compositor)
“O Fim do Minc representa um grande ‘cala boca’ na classe artística. A arte, ao meu ver, tem a função de subverter, de aguçar os sentidos críticos de uma sociedade. Silenciar artistas e a possibilidade de instigar cabeças pensantes é tudo o que este governo ilegítimo quer. A cultura é a porta de entrada para o novo e desconhecido. É o caminho para o aprendizado sobre outras lógicas, outras formas de se relacionar. Acabar com o MinC é retrocesso abissal.”
“Para não ser leviano, vou me ater às minhas experiências no âmbito da cultura. Aponto duas questões que julgo primordiais para o começo de uma mudança:
— Retomada das rédeas da cultura pelo governo. O departamento de marketing de empresas privadas não pode e nem deve decidir qual projeto cultural circula ou não no país, visando apenas seus lucros com a exposição de suas marcas.
— Criação de um órgão público que tenha transparência e que atenda aos interesses públicos na arrecadação e repasse dos direitos autorais e intelectuais.”
Marcelinho da Lua (DJ, produtor, Bossacucanova)
“Nunca montei um projeto próprio pelo Minc, minha banda o Bossacucanova fez um documentário. Não sei exatamente em quantos participei como artista, mas pouco importa quem perde é o Brasil. Essa gestão pretendia iluminar pontos mais distantes, ainda não estabelecidos. Sendo assim perdemos grandeza e pluralidade. Sobre o golpe é isso, sempre que se fala em reformas fundadas em mudanças essenciais no social há golpe.”
“Acho que o MinC estava tomando um caminho legal, mas poderíamos registrar mais em áudio com estúdios públicos, ter uma estação de rádio comandada por discotecários e pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre nossa música, trazendo à tona manifestações musicais novas e antigas. Poderia também se comunicar melhor com o Turismo e ampliar o turismo musical no Brasil, movimentando também a economia!”
Maurício Takara (Hurtmold, São Paulo Underground, baterista, percussionista, compositor)
“Eu acho que toda arte acaba refletindo, mesmo que de forma bem sugestiva, o ambiente onde é criada. Por isso o heavy metal brasileiro não é o mesmo da Escandinávia, o rap não é o mesmo do de Nova Iorque, etc. No meu caso, que sempre fiz uma música que na maior parte do tempo passa longe de projetos governamentais, o fim do MinC influencia diretamente muito pouco na minha arte. Mas o que ele representa (junto com a tomada do governo) é algo muito forte. Eu raramente tenho considerações reais sobre a minha própria música, mas venho notando que nos últimos meses ela tem ficado naturalmente mais extrema e urgente novamente. Acho que isso tem muito a ver com o contexto atual. Acredito que em momentos de forças retrógradas, a música acaba ganhando um poder forte de criação de novos meios, de pequenas políticas mais comunitárias e de diálogos mais profundos.”
Ricardo Dias Gomes (Do Amor, compositor, cantor)
“Sinto que o golpe, o fim do MinC, mas, principalmente, o apoio raivoso intolerante de grande parte da sociedade brasileira a essas ações, gera um clima hostil em relação aos meus valores mais básicos. Meu ímpeto de criar e tocar independe da forma de governo ou da quantidade de fomento do estado, mas torna minha atividade e minha vida como um todo mais marginalizada e mais dura. Antes das minhas atividades artísticas, sou pai de três e os últimos acontecimentos me expulsam do lugar onde quero construir para que meus filhos aprendam a viver.”
“Acho que os Pontos de Cultura, que a uns 10 anos tive a oportunidade de conhecer um pedaço, é uma política de resultados profundos e de longo prazo. Acredito em políticas culturais que valorizam manifestações folclóricas, raízes da nossa cultura, reveladoras de quem somos ou que dêem espaço incondicional para a música que surge das vivências ricas e inesperadas, que inauguram novos vetores possíveis a se relacionar. Vejo que isso já acontece em alguma escala, mas precisa muito mais.”
Gabriel Muzak (cantor, compositor, guitarrista)
“Diretamente não influencia muito, já que a maior parte dos projetos dos quais participo não tem grana do MinC. Indiretamente o impacto é igual ao que acontece para toda a sociedade: a diminuição de obras disponíveis a serem assistidas/ouvidas. Menos filmes, menos peças, menos discos e shows etc…”
“A melhoria da ação do MinC pra música, imagino que consista em cortar o fomento aos projetos que já estão estabelecidos e não dependem de incentivo (como é o caso da Claudia Leitte, Luan Santana e da querida Maria Bethânia) e apoiar primordialmente a formação e renovação da arte. Menores valores contemplando maior número de artistas.”
Isabel Nogueira (cantora, compositora, professora)
“Eu trabalho com música, especialmente dentro do enfoque da desconstrução das normatividades de gênero, tanto em termos musicais como de sexualidade. O golpe de estado foi conduzido desacreditando e personalizando uma figura de mulher, com referências que não teriam sido consideradas cabíveis no caso de um homem. Em um pais onde a violência contra a mulher é quase institucionalizada e opera concebendo os ataques, seja físicos ou verbais como normalizados, isto representa um retrocesso enorme. A extinção do ministério representa também, eu entendo, um retrocesso para o setor, e não apenas para o setor. A cultura, mesmo que precise de melhorias e políticas de investimento mais inclusivas, representa um espaço que contribui para fomentar a diversidade e a crítica. Ao mesmo tempo, a mesma Porto Alegre que há alguns dias se ressentia do aumento dos assaltos, da falta de segurança nas ruas e da ausência de policiamento, agora se cala e se amedronta com um enorme contingente policial nas ruas, a cada esquina do centro, com suas lanças e seus cavalos. Os olhares apavorados para estes grupos de homens, lanças e cavalos, calou as ruas e se reflete nas gravações de campo que tenho realizado. Além disto, as pessoas que vão para as manifestações falam do medo e da insegurança quanto à repressão policial, e percebo que proliferam os discursos de medo, por um lado, e ódio, por outro, quanto à diversidade (cultural, sexual, de posicionamento político ou escolhas de vida). Parece que a estratégia do golpe plantou muito rapidamente certezas e paixões, ferozes e veementes.”
“Creio que a política do MinC poderia mudar no sentido de incluir as produções musicais que vão além dos discursos já estabelecidos e considerar a inclusão efetiva das manifestações que priorizam a diversidade de estilos, gêneros, raças e etnias, formato, espaços e do publico ao qual se direciona.”
Maurício Pereira (Os Mulheres Negras, cantor, instrumentista e compositor)
“Independente de ter ministério ou não — embora essa escolha simbolize bem a visão que um governo tem sobre cultura — o que afeta mais nesse momento é a mudança de abordagem. A abordagem do Juca Ferreira, tanto na gestão do Gil como na dele próprio, foi mais plural, mais capilar, mais contemporânea, no sentido de dar voz pra mais segmentos do país, ouvir o país de baixo pra cima. Ir levar, mas também ir buscar, arte e cultura, onde ela esteja, fora do eixo Rio-SP, nas periferias, na juventude, nos coletivos e seus novos jeitos de gerarem e gerirem a cultura, nos dinheiros menores.
Pulverização e diversidade. Multiplicou, democratizou.
Pontos de cultura, software livre, direito autoral, o florescimento de festivais de música independente, o Fora do Eixo, a Lei do Audiovisual, a tentativa de reformular a Lei Rouanet, são algumas coisas interessantes da gestão dele.
Esses caras que chegam mudam essa abordagem. Certamente vai se enxergar a cultura de cima pra baixo, dum jeito mais careta, uma visão do centro para a periferia, do gabinete pra a rua. Independente da ilegitimidade do processo como eles chegaram ao poder, isso é um jeito de pensar. Se chegassem pelo voto também seria assim.
(bom lembrar que, caretice por caretice, no primeiro governo Dilma a gente teve duas ministras — Ana de Hollanda e Marta Suplicy — que foram um tremendo retrocesso também. Ou seja, a falta de sensibilidade pra a lida com a cultura não é exclusiva da cabeça neoliberal).
Enfim, a impressão que me fica – bastante triste – é de que não tem uma política de estado pra cultura. Cada governo que entrar vai fazer as coisas que lhes dão na telha, na ideologia e na conveniência política.
E que esses anos dessa gestão arejada do Juca Ferreira na Cultura foram pura sorte…
Será?
Já pra mim, diretamente, é assim:
Fui criado numa ditadura. Um golpe me mete medo. De repressão a quem pensa diferente. O momento é moralista, no mau sentido. Já era com a Dilma, piora com o Temer. Eu vi a foto da posse dele e o que me veio à cabeça foi: Arena.
Por outro lado, acho que lugar de artista é longe do governo, do estado, dos gabinetes. É sozinho, solto por aí, viralata. Então pra mim não muda muito, normalmente eu quero estar longe do poder. Mas é inegável que tendo um ambiente em que a cultura seja gerida duma maneira multiplicadora, cria-se uma teia, o setor oxigena, e eu vou junto.
PS.: Só pra registrar que, sim, eu acho que lugar de artista é longe do governo, mas se for pra ir trabalhar no governo, no serviço público, botar knowhow humanista a serviço da população, como o Gil fez por exemplo, opa, aí tá bonito…”
“Eu sempre sou levado a achar que a música popular é uma atividade que deve viver num certo caos, que é uma coisa que se resolve na rua. Seja seja na parte criativa, artística, seja na atividade econômica. O que não quer dizer que o Estado não tenha que zelar de algum modo por essa atividade, proteger as partes mais frágeis dela. E uma parte frágil é: como o artista independente pode sobreviver diante do poder econômico do setor. Por um lado, o estado pode subsidiar a música. Mas eu sinto que o showbiz brasileiro acaba dependendo demais do dinheiro público pra se viabilizar.
Se você tirar esse dinheiro — leis de incentivo, as instituições todas, Sesc/Sesi/CCBB/Viradas/Itaucultural/CaixaCultural/Festivais/Centros Culturais de Prefeituras/Estados/Governo Federal, Funarte, etc — sobra pouco lugar pra tocar duma maneira economicamente viável. Essas instituições são importantes, mas a existência delas, subsidiada e subsidiadora, matou um bocado o empreendedorismo. Os caras que enfrentam uma produção no risco, que têm uma pequena casa e tentam fazê-la sobreviver, caras que têm uma curadoria mais livre, mais louca, mais aberta pro novo. Esse cenário acomodou produtores e artistas. E olha que em SP até tem uns tantos guerreiros que levam pequenas casas adiante, viu? Mestres guerreiros vitais pra a cena paulistana… Mas é muito no sacrifício, precisa uma alternativa pra a sustentabilidade da cena musical, principalmente a independente, a autoral. Tem que ter algum tipo de incentivo ou proteção do estado ao trabalho desses caras porque é aí que nasce e se cria a cena autoral.
Por outro lado, o ministério ter enfrentado com força o jabá nas rádios teria sido ótimo; um repertório maior de músicas e artistas abriria a cabeça do público pra ele buscar música mais diversa, abriria mercado pra a diversidade. Não enfrentou, agora é tarde, acho que a importância do rádio como mídia musical democrática já era, a lavagem cerebral já foi feita, esse espaço de trabalho já foi perdido, agora ele é pontual. Talvez uma política pública interessante pudesse ser essa busca de tornar sustentável o mercado pra os pequenos (economicamente) artistas poderem viver de bilheteria/direitos/vendas. Seja essa renda grande ou pequena, mas que seja constante. Pra isso, imagino, seriam interessantes programas de formação de público, incentivo a casas e festivais independentes (não só dinheiro, mas knowhow, desburocratização, divulgação), programas de circulação, a busca de padrões de direito autoral, alguma legislação defesa do mercado pra artistas/casas/emissoras mais experimentais, coisas assim.
Mas na minha cabeça, o grande fator pra o showbiz ser sustentável não tem exatamente a ver com um ministério de cultura.
Aí entra a política.
A gente precisa de público. E acho que o que realmente poderia criar público pra a arte profissional é distribuição de renda e educação básica (boa) em massa, políticas que buscassem isso pro país, intensamente. Pra o cidadão ter tempo, condição material e referências pra consumir arte, pra achar que gastar tempo e energia fruindo arte é uma coisa importante (tipo “a gente não quer só comida…”, como diziam os Titãs). Pra criar público que busque variedade e não apenas os hits de sempre. Enfim, um país com mais bem estar vai buscar a diversidade na arte naturalmente, acho.
Não faltam trabalhos interessantes, não tem crise criativa. Faltam é saídas pra que a atividade possa ser sustentável.”
César Lacerda (cantor, compositor)
“O que se assiste hoje no Brasil é a ação violenta e opressora de seguimentos específicos da sociedade contra qualquer possibilidade de avanço. É triste perceber que um projeto de país reacionário ganha eco em vozes tão distintas. O discurso emburrecedor ficou forte e o setor cultural sofre por tabela. A proliferação desse vírus da burrice, da falta de informação, está fazendo com que nós todos, a nação inteira, entre em retrogradação. Diante desse cenário terrível, é possível pensar que recaia sobre todos nós, artistas e agentes culturais, um manto de ódio e descaso. Em todo caso, vejo também crescer um movimento forte de apoio e luta contra tudo isso. é ainda cedo para prever o que virá. Mas não deixo de acreditar que as minorias e a sua amplidão diversa de vozes, todas unidas e em conjunto, serão o passo seguinte, o degrau necessário que fará a nação chegar a um novo estágio.”
“A gestão de Gilberto Gil no MinC foi a mais próxima de nos fazer pensar que aquela pasta existia. É necessário uma reformulação completa. E ainda antes, um aprofundamento naquelas questões que surgiram ali, naquele momento: estimular a cultura de forma ampla e transversal. Especificamente sobre o setor musical, há por aí uma ideia de se criar uma Agência da Música, assim como a há a Ancine para o cinema. Gosto da ideia e penso nela com urgência. Não deixo de pensar também na reformulação da Lei Rouanet e nos editais municipais e culturais.”
Michele Leal (cantora)
“Antes de mais nada, quero deixar claro o quanto fiquei perplexa com tamanho retrocesso. Um ministério que foi criado há 30 anos, foi destruído em 30 segundos por uma ‘canetada’ e, foi ao meu ver, responsável por uma volta ao tempo obscuro. Um tempo onde não se valoriza a cultura, o fomento a mesma e, consequentemente uma banalização maior ainda da educação e da cultura. Fora que o orçamento do MinC já é o menor de todos. Isso não vai resolver nenhum problema financeiro do governo.
Ao meu ver não existe fusão de ministério. Isso é balela. Histórinha pra boi dormir. Existe extinção, descaso e desprestígio. Com a cultura e com a educação, que já está sucateada há tempos. Isso demonstra claramente a postura medíocre de um governo que está andando na contramão das grandes democracias que querem construir, formar pessoas, oferecer o acesso aos insumos pra uma vida de não alienação. Um país sem educação e cultura é uma país sem pessoas que argumentam, que contestam, que pensam, que surtam, que agem, que fazem, que desconstroem e constroem olhares sob diferentes aspectos. Isso é determinante. Ou seja querem nos deixar como cavalos de fazenda. Querem nos cegar. Querem nos direcionar o pensamento. Querem nos tirar a capacidade analítica deste próprio governo que nos levou de volta ao estado alienação. Extinguir o MinC é simbólico. Negativamente simbólico. Nos tiraram um direito fundamental. A cultura é um direito humano fundamental.”
“Assistir a extinção do Minc e reduzir tal fato ao que EU posso sofrer com isso é praticamente irrisório perto da perda pra uma nação inteira e o que essa representa. Podemos perder e sofrer alterações nas leis de incentivo. Sem contar na redução da verba e nos fundos para o fomento a cultura como um todo, não só a música, claro. No último dia 03 de Maio foi o lançamento do conjunto de Políticas de Estado para a Música, proposto pelo MinC. Dentre essas políticas seria proposto a criação de um órgão público específico para o setor musical. Além de uma linha de créditos voltados a cultura e aos MEI que com certeza iria ser de grande ajuda já. Contudo, isso foi-se feito espumas ao vento.
Havíamos planejado fazer um circuito de shows na Funarte e já estamos sem saber se vai acontecer ou não, obviamente. A pessoa responsável provavelmente será exonerada em pouquíssimo tempo. E seu trabalho, tão bom, tão forte, tão educativo, será reduzido a nada. Onde já se viu? O cenário completamente incerto e agora mais do que nunca, desprezado. Os circuitos previstos para incentivo a música contemporânea, caíram por terra. Circuitos esses que poderia participaria. O planejamento de pessoas que pensaram a cultura e sobretudo entendem a necessidade e o papel da mesma , caiu por terra.
Já não tínhamos direito a muita coisa. Quase mendigamos verba pra construir espetáculos, fazer circuitos e agora ainda estamos saindo como vagabundos que querem mamar nas tetas corruptas deste governo ilegítimo. Isso que da ter um país quase que sem educação e cultura. Vamos continuar construindo pessoas com esse pensamento medíocre? Que tipo de cidadãos querem formar assim?
‘…nossa vida política é, em seu jogo diário, de um nível mental espantosamente medíocre. Mental e moral. Há uma cansativa tristeza, um tédio infinito, nesse joguinho miúdo de combinações através das quais se resolve o destino da pátria…’ (Rubem Braga).
“Conforme eu disse acima, no ultimo dia 03 de Maio o extinto MinC lançou, graças ao diálogo de frentes que brigam pelo espaço da música (grupos como fora do eixo etc) algumas propostas já com esse objetivo. De dar uma atenção maior e mais focada na área musical. Isso possibilitaria mais projetos, uma maior produção de conteúdo, festivais e fomento a nova música. Acho que isso tem que acontecer. E vamos brigar por isso. Falar só não adianta. Temos que fazer e disponibilizar para o público. A palavra de ordem é fomento. Contudo, acho que antes de mais nada, tinham que se preocupar em forma espectadores, público, fortificar o hábito de consumo a cultura. E isso começa na escola.
Temos várias frentes culturais a serem atendidas. E a música, de acordo com os números, pode ser considerada uma das mais importantes e de maior produção aqui no Brasil. Apesar do impacto que a indústria sofreu como um todo, o setor movimentou 580 milhões. Merece atenção especial mesmo. De toda forma, o MinC poderia mudar e fortalecer diversos pontos a fim de fomentar de forma efetiva, justa e abrangente a cultura e música no país. Até porque esse número de 580 milhões não significa qualidade de produção, certo? Está mais ligado a indústria do entretenimento do que a arte e cultura propriamente dita. Por isso ser mais atuante nas políticas e ações que se relacionam com as escolas públicas e municipais seria tão importante. Desenvolver programas específicos pra elas. Seria incrível.
Poderia promover e estudar políticas pra nos ajudar a chegar com essa música para as pessoas. Como formar público? Não poderiam ser criados mais pontos de cultura atrelados as escolas para nos ajudar a fomentar o que se produz e fazer-se existir? Digo, não se tem formação/acesso e educação musical. Tudo está ligado. Por que uma criança que mora na periferia não pode gostar de música clássica, bossa nova ou música contemporânea?
Existe uma dificuldade nessa formação que o MinC deveria/poderia ajudar a desconstruir. Já seria de grande valia. Um enorme passo pra derrubar esse muro social que nos separa já há muito tempo. Mas quando digo políticas efetivas, me refiro a propostas para essa formação de público, de conteúdo para eles e junto com eles. Isso é interessantíssimo, uma vez que o estado atual em que se encontra o nosso país está completamente ligado ao fato de não termos boas políticas ligadas a formação, educação e à ética. E tudo sempre passa pela educação e cultura. Sempre vamos cair no mesmo problema. Mas nesse aspecto, acho que o Minc poderia ser mais atuante.”
Luciano Zanatta (instrumentista, compositor, professor)
“O golpe foi a tomada do poder por uma visão de mundo retrógrada e violenta, a qual eu combato. Combato quando faço música, combato quando ensino, combato quando faço política. Neste sentido o fim do MinC está inserido num contexto maior que afeta diretamente tudo o que faço. São tempos difíceis, uma espécie de repuxo depois de um tempo de avanços.”
“Especificamente quanto ao MinC, meu trabalho não é diretamente ligado. Isso parece excluir alguma influência direta: nenhum projeto do qual participo será interrompido ou inviabilizado, por exemplo. O rebaixamento da cultura como área representada no primeiro escalão do governo, porém, é uma influência forte e com consequências no tempo futuro.
Acredito que essa maior consistência se daria por realizar ações baseadas em idéias pós-coloniais e contra-hegemônicas. Claro que isso passa por discutir o que isso significa em música, o que está longe de ser uma discussão fácil e consensual. Penso que passa também por fomentar redes múltiplas de formacao e circulação, tanto de artitas quanto de obras. Principalmente, o MinC precisaria ser um componente valorizado do cenário político do governo (ou seja, o oposto do que acontece com o golpe), inclusive com dotações orçamentárias suficientes, o que nunca ocorreu.”
Rodrigo Caçapa (Compositor, produtor, instrumentista)
“Não acredito que o projeto político imposto por este governo ilegítimo afete com mais intensidade a mim como artista do que a qualquer outro cidadão que tenha apreço pela democracia e que precise trabalhar para pagar suas contas e viver com dignidade. Afinal de contas, este ataque ao Estado atinge de forma negativa e profunda não apenas o setor cultural, mas praticamente todas as áreas de interesse público: comunicação, saúde, educação, previdência, direitos trabalhistas, direitos humanos, assistência social, pesquisa científica, relações internacionais, economia, segurança, recursos naturais…
A extinção do MinC (e mesmo a sua recriação nada convincente) tem um enorme peso simbólico, mas é também uma questão fundamentalmente pragmática.
Este episódio evidencia o lugar que os diversos aspectos da cultura (arte, memória, patrimônio, criatividade, reflexão, crítica, imaginação, abstração, e mesmo o entretenimento) ocupam no projeto político dos novos e velhos grupos de direita e de grande parte da elite econômica. São frequentemente considerados como de valor decorativo, secundário, periférico, raramente compreendidos como fundamentos de qualquer país que se pretenda civilizado e democrático. É justamente a partir do pouco valor simbólico atribuído à cultura – e aos trabalhadores que a cultivam no cotidiano – que se decide por retirá-la das prioridades da esfera pública, ameaçando as iniciativas e investimentos já existentes e frustando qualquer expectativa de continuidade e fortalecimento. Decide-se assim que toda a energia necessária para produzir cultura seja uma atribuição exclusiva de indivíduos abnegados (artistas) e de algumas poucas almas caridosas (patrocinadores e mecenas). Num país com tanta concentração de renda e poder, esta é a receita certa para atrofiar e desacelerar a produção cultural.
No meu caso, a presença do Estado é tão importante quanto a iniciativa privada e o investimento pessoal. O primeiro disco que gravei, em 1998, foi produzido apenas com os cachês dos shows da própria banda que eu integrava. Era algo quase inimaginável, no Recife daquela época, recorrer ao poder público pra viabilizar um CD. Ou você assinava com uma gravadora do Sudeste ou tinha que bancar tudo do próprio bolso, sem acesso a crédito, na total informalidade. Nos anos 2000, com a gestão do PT (na prefeitura do Recife e no governo federal) e do PSB (no governo de PE), foram implantadas e fortalecidas políticas públicas (em consonância com as diretrizes do MinC) que fizeram muita diferença na produção musical local. Durante boa parte da década passada participei de discos e eventos de outros artistas, os quais dificilmente seriam viabilizados sem estes recursos públicos. Meu próprio trabalho solo recebeu apoio da Funarte – por meio de Bolsa de Incentivo à Criação Artística — e posteriormente do programa Petrobras Cultural — pelo qual gravei o Elefantes na Rua Nova. Morando em São Paulo há dois anos, vinha sentindo que a relação entre os recursos públicos e privados investidos no meu trabalho estava começando a se equilibrar.
Infelizmente, com este mudança política brusca, a perspectiva de muitos músicos é retroceder aos anos 90: precariedade, informalidade e escassez de recursos. O que não quer dizer parar de produzir e criar: quem é músico faz música durante, contra e apesar de toda e qualquer crise política e econômica.”
“As gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira à frente do MinC, durante o governo Lula, foram importantíssimas. Contribuíram para ampliar a visão oficial da cultura no país, como elemento fertilizador de outras esferas, como fundamento e garantia de diversidade, e também como atividade autônoma e auto-sustentável. Com Gil, a criação dos Pontos de Cultura possibilitou a chegada de recursos públicos em ambientes historicamente marginalizados pelo Estado e pela indústria cultural, e também foram fortalecidas as instituições responsáveis pela memória e pelo patrimônio. Evidentemente a música de tradição oral – aquela não ligada à indústria fonográfica ou à academia – foi uma das áreas mais beneficiadas por esta gestão.
Durante as gestões de Ana de Holanda e Marta Suplicy, tive a impressão que o rumo mudou (embora sem direção clara) e que algumas ações perderam força. Uma das poucas iniciativas importantes foi o fortalecimento da Secretaria de Economia Criativa, responsável por iniciar um estudo sistemático das relações e potenciais econômicos da atividade cultural brasileira. Este esforço desaguou numa das últimas ações de Juca Ferreira no governo Dilma: o lançamento das políticas de estado para Música, que incluem pela primeira vez uma linha de crédito para micro e pequenos empreendimentos musicais, e novas regras para gerenciamento de direitos autorais na internet. É uma iniciativa muito bem-vinda, apesar da realização tardia e da ameaça de abandono por parte do desgoverno atual. Com esta medida, acredito que o MinC estava finalmente criando o tripé essencial de sua atuação.
Penso que é papel do MinC equilibrar e articular o investimento nesses três campos principais: a preservação da memória e do patrimônio (manutenção e criação de fonotecas, acervos e publicações); a valorização das culturas tradicionais e de seus praticantes (historicamente colocados à margem da indústria e da academia); e o estímulo à economia criativa (visando a autonomia e sustentabilidade do mercado cultural). Além disso, é fundamental articular esta política cultural ao fortalecimento da comunicação e da educação públicas. Nenhuma produção musical terá seu potencial plenamente aproveitado enquanto não houver espaço aberto e acolhimento em rádios, TVs, escolas e universidades.
Nada disto significa uma hegemonia do Estado sobre o mercado musical. Trata-se apenas de entender que estas duas forças não são opostas, mas complementares. Não dever haver campo prioritário: em doses erradas, qualquer remédio vira veneno, e este equilíbrio só será alcançado se o Estado promover o estudo sistemático dessas dinâmicas. Ou seja: a criação de algo como um Observatório da Música também seria essencial para o levantamento e cruzamento de dados que fundamentassem a criação e reajuste de políticas públicas para o setor.
Tudo o esforço realizado nos últimos 13 anos está ameaçado e sua continuidade depende do retorno à normalidade institucional e democrática. Hoje, a única reivindicação coerente a ser feita àqueles que sentaram nas cadeiras da presidência e dos ministérios é exigir suas renúncias.”
Lucas Vasconcellos (cantor, compositor)
“A forma mais veloz é a influência composicional. O jeito de escrever, de compor. Depois de um golpe (anunciado pela história, desde sempre, mas ainda assim surpreendente) as chamas da revolta e da indignação passam a dar o tom em algumas escolhas líricas e de arranjo. De uma maneira executiva, prática, o fim de um ministério voltado pras artes é uma aniquilação profissional pra minha classe embora eu, diretamente , tenha me beneficiado muito pouco das políticas públicas oriundas do extinto MinC.”
“Acho que o MinC poderia ser uma via de fomentação incrível pra música atual se estivesse voltado pra realizações que trouxessem à luz a música que fica eclipsada pelos interesses dos grandes escritórios de artistas já estabelecidos e onipresentes na cultura e na mídia do país. Se desse visibilidade real a expressões musicais vindas de locais de difícil midiatização, se fomentasse com mais vigor uma inclusão de projetos que ativasse o desejo musical em áreas negligenciadas pelo Estado. Enquanto for considerado ‘saudável’ dar isenção fiscal pra grandes corporações pra que estas façam propaganda em show e projetos de grandes artistas, chove-se no molhado e não se cria grandes oportunidades.”
*Professor da Faculdade de Educação/UFRJ, autor de “Tom Zé — Estudando o Samba” (Editora Cobogó, 2014).
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