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Análise Diária de Conjuntura – 24/05/2016
Gilmar, Moro, ministros do STF, vocês não me enganam.
Por indicação do amigo Rogério Dultra, professor de direito na UFF, doutor em ciência política, tornei-me leitor de Otto Kirchheimer, em particular de sua obra-prima Political Justice (Justiça Política).
A academia brasileira precisa urgentemente traduzir o livro de Kirchheimer. Hoje ele só está disponível em sua versão original, em inglês, e em espanhol.
Trata-se de um clássico, pouco difundido talvez em função das informações algo constrangedoras que difunde – para o status quo no mundo inteiro, embora o autor e o livro sejam reconhecidos.
Todas as artimanhas do judiciário brasileiro são desmascaradas nesse livro de 1961, impresso pela gráfica da Universidade de Princeton.
O uso do judiciário e do julgamento penal como instrumentos políticos é uma velha estratégia dos regimes autoritários — e, em especial, de regimes autoritários travestidos de democracia.
O julgamento é o instrumento mais adequado para se impor uma determinada narrativa política, e por isso depende intimamente dos meios de comunicação.
Quando as ferramentas de manipulação da opinião pública se juntam às ferramentas de manipulação judicial, cria-se um poder descomunal para destruir adversários políticos.
Em Political Justice, o autor explica que o regime soviético abusou de julgamentos políticos, em especial no período estalinista, mas a eficácia nunca foi grande, porque os resultados já eram conhecidos de antemão. Em termos de propaganda, os julgamentos estalinistas tiveram, em verdade, efeito negativo — a hegemonia do aparelho executivo impediam que as farsas judiciais fossem bem executadas. Os julgamentos soviéticos eram teatro de má qualidade.[/s2If]
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Um julgamento político precisa ser uma farsa extremamente bem montada, na qual a opinião pública veja o réu como um indivíduo que tenha todos os seus direitos de defesa garantidos. Na prática, porém, ele não tem nenhum direito: está imerso numa farsa tão brutal que em outros regimes comunistas, conhecidos por sua severidade contra a dissidência, como a Alemanha oriental, seus dirigentes preferiam não utilizá-la em nome de razões “humanitárias”.
Hilde Benjamin, ministra da Justiça da Alemanha comunista, um quadro linha dura do partido, defendia ações mais duras de repressão contra os adversários políticos, ao mesmo tempo em que rejeitava julgamentos políticos por entender que era preciso “preservar alguma humanidade”.
No julgamento político, os acontecimentos são interpretados ao sabor dos interesses dominantes.
Kirchheimer argumenta que um magistrado não tem condições de julgar os aspectos políticos de uma decisão tomada por um dirigente, no passado.
Nem interessa aos regimes (não existem democracia no mundo, ensina Robert Dahl, moderno politólogo americano, mas poliarquias, sistemas híbridos que reúnem autocracia, oligarquia e democracia) supostamente democráticos que o juiz tenha capacidade de entender os dilemas e ambiguidades das decisões políticas.
Decisões políticas, diz Kirchhmeier, implicam em escolhas que nos levarão a determinadas ações políticas no futuro. Ignorantes da indecifrável combinação de variantes que irão determinar um curso de ação, os homens meditam sobre seu desempenho no passado, tentando encontrar alguma pista sobre qual melhor curso seguir.
É um pensamento interessante, que nos leva a pensar na questão da autocrítica. Ela é necessária e fundamental, sou mesmo adepto de que seja pública. Ao mesmo tempo, porém, devemos nos lembrar que as decisões políticas se dão no escuro: seus agentes jamais podem conhecer as consequências de seus atos.
Entretanto, o julgamento político, necessariamente, precisa recortar uma ação tomada no passado, desligando-a da cadeia de acontecimentos aos quais ela se conecta organicamente. Esse recorte é sempre de uma arbitrariedade enorme, porque poderíamos fazer recortes sobre qualquer acontecimento.
Sob a luz esterilizante de um magistrado contaminado por preconceitos, qualquer ação política se torna contaminada de anseios obscuros, sobretudo porque julgam-se os motivos que levaram àquela decisão com base na realidade política do momento em que o julgamento se realiza e não com base nas circunstâncias de outrora.
Um juiz, justamente por ser um juiz e não um político, não tem instrumentos intelectuais ou morais suficientes para julgar uma ação política. Nem interessa ao sistema que isso aconteça, porque isso seria também o fim da política.
Os jornais informam que Gilmar Mendes foi escolhido como o juiz responsável pelo julgamento da Lava Jato no Supremo.
Isso significa apenas uma coisa. Há uma orquestração nas esferas mais altas do sistema judicial para que a Lava Jato reproduza os mesmos parâmetros arbitrários, truculentos e golpistas da Ação Penal 470.
Kirchhmeir teria, no Brasil, exemplos magníficos de julgamento político, e no estilo que ele decerto considerava mais fascinante e diabólico: julgamentos que, ocorrendo sob a égide de um regime supostamente democrático, repete os mesmos processos de depuração ideológica e vendeta política que caracterizam a brutal história dos julgamentos políticos, desde tempos imemoriais.
A ser confirmado, as cartas estão marcadas. Gilmar Mendes foi escolhido por ser o único com colhões para mandar prender Lula e consolidar a narrativa do golpe: criminalização do PT, cassação das eleições de Dilma Rousseff, e blindagem de Michel Temer, de seus ministros, e do PSDB.
Mendes já demonstrou, nas últimas semanas, que não dá a mínima importância à sua imagem na mídia, na opinião pública ou na história.
Mandou parar até a coleta de provas num processo contra Aécio Neves.
Hoje, indagado sobre os áudios de Romério Jucá, Gilmar botou panos quentes, dizendo que não tinha visto nada demais.
Se o áudio envolvesse Lula, ou fosse Lula o interlocutor de Sergio Machado, Gilmar estaria agora dando vinte entrevistas por hora, com imprecações violentíssimas, partidárias, contra o ex-presidente.
Gilmar não dá a mínima bola para a ética do magistrado, aquela que diz que não se deve falar fora dos autos sobre um processo que ainda se irá julgar.
Ao se nomeado chefe da Lava Jato no Supremo, Gilmar desmoraliza ainda mais esse golpe de Estado que deixa o mundo cada vez mais perplexo.
Os movimentos do judiciário nos últimos meses tem sido claramente golpistas. Primeiro, Gilmar sentou em cima, por mais de um ano, do seu voto sobre doação empresarial de campanha. Apenas o liberou após muita pressão social, mas só depois das eleições de 2014, que em virtude da ação de Gilmar, se deram ainda sob as regras antigas, permitindo ao capital comprar a Câmara mais corrupta e conservadora da nossa história.
Recentemente, o ministro do STF Luis Roberto Barroso deu estranhas declarações, contraditórias com seu mesmo voto sobre o tema (fortemente contrário à doação empresarial para campanhas políticas), praticamente autorizando o congresso a aprovar mudança na lei que permita novamente o financiamento.
Há alguns dias, o mesmo Barroso, juntamente com Sergio Moro, participou de evento patrocinado pela Veja. O golpismo perdeu a modéstia.
Sergio Moro não foi punido pelo triplamente vazamento criminoso dos áudios do ex-presidente Lula: criminoso por grampear, criminoso por vazar e criminoso por vazar à Globo.
Lula, por sua vez, tem sido vítima de todo o tipo de perseguição judicial, e nenhum ministro do STF até o momento teve a coragem de defender as garantias do ex-presidente. Ao contrário, o STF impediu Lula de ser ministro do governo Dilma sob acusação de que estaria procurando o fóro especial concedido a ministros, apesar de Lula ainda sequer ter sido indiciado.
A própria presidenta Dilma foi alvo, dias atrás, de um pedido de indiciamento, por parte do procurador geral da república, outra lideranças destacada do golpe, por “obstrução de justiça”, em função de ter nomeado Lula para o ministério da Casa Civil.
Ora, o presidente interino Michel Temer nomeou para seu ministério sete políticos já indiciados na Lava Jato e nenhum ministro se pronunciou. O PGR também não promoveu nenhum ataque político contra Temer.
Após a divulgação dos áudios de Sergio Machado e Romério Jucá, o golpe nunca ficou tão escancarado.
Só que é preciso retificar uma confusão narrativa comum ao próprio campo governista. O “grande acordo nacional” mencionado por Romério Jucá para frear a Lava Jato é uma consequência natural e necessária da própria Lava Jato.
A Lava Jato derrubou Dilma e pôs no poder o grupo político que, sim, poderá impor um pouco de moderação aos arbítrios de Sergio Moro e força-tarefa: moderação sobretudo em relação ao PMDB e PSDB. Esse é o jogo acordado entre o capital e os savonarolas do Ministério Público.
A pressão da imprensa não vai parar, como se viu na própria divulgação, oportunamente tardia, dos áudios de Jucá. Mas a pressão da imprensa se dará no sentido de torcer a narrativa da Lava Jato para que ela se transforme numa sentença de morte política para Lula e o PT.
Há coisa mais emblemática dessa triste era de conspirações judiciais do que o editorial da Globo sobre o golpe, compartilhado por Romério Jucá?