O oportuno empoderamento da Lava Jato

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Análise Diária de Conjuntura – 23/05/2016

Uma das enormes vantagens de se estudar a história é entender a profundidade intuitiva do profeta quando dizia que “nada há de novo debaixo do sol.”

Lendo Justiça Política, do Kirchheimer, descubro que a Lava Jato não foi inventada hoje.

Há muitos séculos que os sistemas de poder utilizam os tribunais para impor agendas políticas, destruir adversários, coibir dissidências.[/s2If]

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No livro de Kirchheimer, está lá, tudo explicadinho: às vezes os governos, ou castas burocráticas hegemônicas dentro do Estado (como é o caso do Brasil), usam processos puramente administrativos para demolir seus adversários, mas em regimes constitucionais, em especial aqueles que precisam manter as aparências democráticas, o instrumento preferido, o mais eficaz para efeitos de propaganda, são julgamentos políticos disfarçados de criminais.

Os métodos são sempre parecidos: dá-se apenas uma aparência de direito de defesa ao réu. O alvo do Estado, porém, não é o réu, mas o grupo político ao qual ele pertence. Por outro lado, para atingir o objetivo, a degradação moral do réu cumpre uma função estratégica. Todos os membros do grupo político ao qual o réu esteve associado entenderão bem o recado.

Entretanto, falemos da Lava Jato e dos acontecimentos do dia. Qual o sentido dos áudios vazados por Sergio Machado, ex-presidente da Transpetro, uma das principais subsidiárias da Petrobrás, de uma conversa dela com Romério Jucá.

Inúmeras teorias afloraram imediatamente.

Alguém disse que o governo Temer acabou.

Outros afirmaram que se trata de uma estratégia para empoderar a Lava Jato: e com isso, preparar o terreno para indiciar Dilma e prender o Lula.

A questão toca uma dúvida constante em todos que tentam pensar os últimos acontecimentos: até que ponto as manobras políticas são planejadas, até que ponto derivam do acaso?

Tocqueville, em Souvenirs, observa a participação preponderante do azar na evolução dos fatos históricos.

Por outro lado, desde o século XIX até os dias de hoje, muita coisa mudou. As conspirações modernas são infinitamente mais complexas e mais orquestradas.

A atual época no Brasil, futuramente será conhecida como a era das conspirações midiático-judiciais, ou era dos vazamentos. Todos grampeiam todos.

No áudio vazado, Romério Jucá tece comentários sobre os métodos de Sergio Moro: “torre de Londres”, diz ele, referindo-se a um local de triste lembrança para a humanidade, onde milhares de pessoas foram torturadas, para que confessassem seus crimes, reais ou imaginários.

O desespero de Jucá, notório representante das facções mais fisiológicas e corruptas da política brasileira, reflete a instabilidade gerada pelo terrorismo judicial criado pela Lava Jato.

Isso explica o golpe.

O terrorismo judicial produziu a atmosfera de desespero que levou setores do PMDB, até então propensos a acordos, a apoiarem uma solução extrema: um impeachment ilegal.

Entretanto, na fala de Jucá há um outro elemento interessante, que ajuda a entender o contexto político que nos levou até aqui: ele fala nas pressões da imprensa por trás da Lava Jato.

Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca.

“Os caras” são quem? A própria imprensa, a Fiesp ou os meganhas da Lava Jato? Para mim, são estes últimos.

A Lava Jato tem alguns objetivos políticos bem claros, já cumpridos em parte: derrubar Dilma, prender Lula e criminalizar o PT.

A operação, porém, tem um outro objetivo, que os políticos todos sabem porém não podem expressar, com medo das consequências: instalar uma ditadura “constitucional” liderada por juízes e procuradores.

Não é novidade.

Trata-se de uma tendência do século XXI. É um desdobramento natural de um capitalismo dominado por instituições financeiras que não suportam os riscos de uma democracia.

A democracia implica no eterno risco político do povo eleger agentes políticos que decidam romper com as regras que beneficiam as instituições financeiras. Como reduzir o risco? Através da implantação de regimes nos quais a política estará inteiramente submetida à lógica de castas burocráticas profundamente conservadoras, imunes ao vírus da democracia e das preocupações sociais.

Uma democracia técnica, burocrática, repressiva, policial.

Na verdade, é mais ou menos o que já existe no mundo desenvolvido, só que eles chegaram lá após uma série de conquistas sociais, trabalhistas e de infra-estrutura pública.

É igualmente lógico que o Brasil seja o campo de experimentação perfeito para este novo tipo de democracia.

Aqui temos as burocracias apropriadamente conservadoras para levar adiante um tal projeto.

Um elemento que pode prejudicar um cenário como este, por exemplo, é uma educação politizante, o que explica a tentativa dos mesmos setores de castrar qualquer iniciativa, por parte do magistério, de politizar a juventude.

Isso explica também a reticência dos governos conservadores em investir em educação. É um dilema grave para os conservadores: se investem em educação (e isso inclui uma boa merenda, naturalmente, além de transporte adequado, e instalações modernas), eles criam uma juventude preparada politicamente para protestar contra esse tipo de “democracia técnica” que os conservadores sonham para o Brasil.

Ao não investirem em educação, porém, eles criaram, dentro das escolas, núcleos revolucionários, liderados às vezes por cidadãos ultrajovens, conscientes de que ali se joga o seu futuro pessoal e o futuro do país.

De qualquer forma, o áudio vazado por Sergio Machado trouxe frases memoráveis, que se tornaram memes fantásticos.

O fato de ser hoje um blogueiro de oposição nos permite gozar a política com um distanciamento contemplativo e um prazer cheio de malícia que há muito não sentíamos.

Abaixo, um meme que fez enorme sucesso na página do Cafezinho no Facebook. O outro está na capa do post.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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