Cunha, ‘zumbi político’, age na Câmara e emplaca três nomes com Temer
Desde que foi considerado indigno pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para presidir a Câmara dos Deputados e afastado do cargo, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é uma espécie de bode que quase foi retirado da sala. Na imagem jocosa usada por dois deputados que discutiam a situação dele nesta terça-feira em Brasília, ele “empacou” ao passar na porta. É nesta qualidade de zumbi político, com influência para emplacar ao menos três nomes no Governo Temer e tumultuar o andamento na Casa que presidiu com mãos de ferro, que Cunha prepara o seu arsenal para a próxima quinta-feira, quando irá depor ao Conselho de Ética, que analisa uma representação contra ele por quebra de decoro parlamentar. Enquanto seus adversários políticos o consideram fragilizado no cenário, o peemedebista vai repetir sua estratégia, a de se defender das acusações na Operação Lava Jato atacando seus inquisidores.
Já foram empossados três aliados de Cunha na gestão interina de Michel Temer (PMDB) no Palácio do Planalto e mais um está próximo de sê-lo. Dois ex-advogados de Cunha estão em postos estratégicos da União. Alexandre de Moraes é o ministro da Justiça, o órgão ao qual a Polícia Federal é subordinada, e Gustavo do Vale Rocha é o subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil – por esse departamento passam todos os atos legislativos aos quais o Governo precisa se posicionar, como elaborações de medidas provisórias e aprovações de vetos às leis recém-aprovadas no Congresso Nacional. O terceiro homem de Cunha na nova administração é seu ex-assessor especial Carlos Henrique Sobral, o novo chefe de gabinete da Secretaria de Governo.
Outro posto almejado que pode ser considerado como alvo de sua influência é o do comando da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Nesta terça-feira, o então titular do cargo Ricardo Melo foi exonerado, apesar do mandato de quatro anos, recém iniciado. Melo anunciou que vai à Justiça. Seja como for, dois nomes ligados a Cunha estão cotados. Um deles é Laerte Rímoli, cujo trabalho mais recente foi o de diretor de comunicação da Câmara sob Cunha. Antes, ele, além de trabalhar nos maiores jornais, como Melo, assessorou campanhas de Aécio Neves e Geraldo Alckmin. O outro é o do diretor-executivo da Comunicação Social da TV Câmara, Claudio Lessa.
Caso Maranhão
Na própria Câmara, a influência de Cunha parece não ter fim. Ele conseguiu esvaziar quase todas as sessões que seriam presididas pelo primeiro-vice-presidente, Waldir Maranhão (PP-MA), nada foi votado desde que ele deixou o cargo, no dia 5 de maio. A primeira sessão de Maranhão, nesta terça, foi de embates, com os neogovernistas PSDB e DEM exigindo sua saída e o acusando de ser fantoche de Cunha. Maranhão tem repetido que não renunciará e se fia numa coalizão de partidos do chamado Centrão, que buscam proeminência no Governo Temer, para dizer que fica onde está.
Nesta semana, o deputado Arthur Lira (PP-AL), da tropa de choque do peemedebista e também investigado pela Lava Jato, foi escolhido para presidir uma das principais comissões do Congresso Nacional, a Mista de Orçamento. Depois dessa vitória, o peemedebista luta para emplacar outros de seus fiéis seguidores na liderança do Governo Casa e na presidência, caso o cargo de presidente seja considerado vago nos próximos dias e seja necessário realizar uma eleição para um mandato tampão. As funções seriam disputadas por três aliados: André Moura (PSC-SE), Rogério Rosso (PSD-DF) e Jovair Arantes (PTB-GO).
Moura é considerado por alguns deputados o “papel-carbono de Cunha”. É uma espécie de representante do baixo clero que tem no peemedebista sua “fonte inspiradora”. Investigado pela Lava Jato, o deputado sergipano é o favorito do grupo do “centrão” para ocupar a liderança de Temer na Câmara. O presidente em exercício é reticente ao nome dele, preferia ter na vaga Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas teme que se isso for feito sua base no legislativo não seja tão segura como estima. Rosso e Arantes foram, respectivamente, presidente e vice da comissão do impeachment. O primeiro concorreria a uma vaga de presidente-tampão. O segundo seria candidato ao mandato do próximo biênio (2017-2019), mas caso o representante do PSD não consiga a indicação de seus pares, estaria disposto a ocupar a vaga já.
“A atual situação é de desconforto para a Câmara. Não podemos continuar com um presidente afastado e outro escondido. Temos de mudar isso já”, reclamou o líder do DEM, Pauderney Avelino. O partido dele juntamente com outros três deverá apresentar três questionamentos sobre a vacância do cargo de presidente. Um para a Mesa Diretora, outro para a Comissão de Constituição e Justiça e o último para o STF.
Recados pela imprensa
Enquanto faz suas articulações, Cunha continua vivendo na luxuosa residência oficial do presidente da Câmara e recebendo seu salário integral, de aproximadamente 33.000 reais, cota parlamentar de 96.000 e benefícios de saúde. Aos que imaginam que ele está recebendo sem trabalhar, se enganam. Ainda que o trabalho não seja o específico de um parlamentar. Desde a queda de Dilma Rousseff (PT) ele continua se reunindo com lideranças políticas. Manda recados pela imprensa de que não se afastou de Temer (apesar do presidente em exercício não admitir essa proximidade e dizer ao programa Fantástico de que tanto faz tê-lo na presidência da Câmara) e prepara, junto com seus advogados, suas defesas em cinco processos que responde no STF por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.
Seus aliados dizem que sua principal indignação é ter perdido a possibilidade de frequentar a Câmara e, consecutivamente, não ter mais acesso aos meios de comunicação que usava para se defender das diversas acusações que surgiam contra ele quase semanalmente.
Nesta terça-feira, no Conselho de Ética quem depôs foi o advogado José Tadeu de Chiara, contratado por Cunha para elaborar um parecer sobre as contas que ele possui no exterior. A sessão foi esvaziada. Nem os representantes da tropa de choque do peemedebista nem seus adversários fizeram intervenções longas. O vice-presidente do colegiado, Sandro Alex (PSD-PR) disse que a reunião parecia uma pós-graduação sobre trust, o nome dado à conta que o deputado, e pouco acrescentou no debate que se estende há seis meses – é o caso mais longo do Conselho de Ética.