A perversidade de um golpe que não aceita críticas

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Análise Diária de Conjuntura – 18/05/2016

Um dos aspectos mais perversos desse golpe, e não é de hoje, é que ele se pretende legalista. Em 1964, não tiveram essa pretensão, apesar do chapa branquismo radical da imprensa, que chamava a derrubada de um governo eleito de “retorno à democracia”. Tanto não tiveram essa pretensão que chamavam o golpe de “revolução”. [/s2If]

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Digo que não é de hoje porque o golpe vem sendo costurado há tempos, através da manipulação sistemática da opinião pública. A Lava Jato de Sergio Moro tornou-se o símbolo maior do golpe, e não por outra razão, os coxinhas que marchavam pelo impeachment exaltavam Sergio Moro, vestiam camisas da Lava Jato, ao mesmo tempo em que alguns tucanos eram vaiados e enxotados.

A Lava Jato ganhou notoriedade por sua truculência judicial, mais uma vez demonstrada hoje, com a condenação de José Dirceu a 23 anos de prisão. Mais uma vez, uma condenação sem base em provas. Não se encontrou nenhuma movimentação financeira que justificasse isso. No depoimento de Dirceu a Moro, questiona-se a compra de uma modesta casa para a mãe de Dirceu. Casa esta que Sergio Moro, em mais um gesto de arbítrio e crueldade, mandou apreender, humilhando não apenas Dirceu.

Hoje eu leio que um deputado quer proibir a presidenta de usar o termo “golpe”, e teria contado com o aval da ministra Rosa Weber, autora aliás da famosa frase, usada em seu voto para condenar Dirceu: não tenho provas contra ele, mas a literatura me permite condená-lo…

Ora, Dilma pode responder fácil: vocês podem dar um golpe; eu não posso usar a palavra golpe? Não estaria havendo uma inversão de valores aqui. O que deve ser proibido é violar o voto de 54 milhões de brasileiros. Falar em golpe, todo mundo pode falar, porque deveria existir liberdade de expressão no país.

Se querem proibir Dilma em falar em golpe, deveriam antes proibir Jair Bolsonaro de falar em “revolução” ao se referir a 1964, e a fazer homenagens a torturadores do alto da tribuna da Câmara dos Deputados.

Querer proibir a denúncia de golpe é típico de um… golpe.

É assim: pretendem instalar uma ditadura branca, sinistra, um silêncio de morte. Por isso tantas matérias agressivas contra os blogs, sempre inspirados por ministros do governo. Até a imprensa internacional tentaram silenciar, num gesto de desespero, conforme se viu na ameaçadora carta do próprio José Roberto Marinho ao The Guardian, protestando contra a publicação de artigo de David Miranda.

A mídia brasileira, que está no centro do golpe, não entrevista a presidenta Dilma Rousseff, não entrevista nenhum cientista ou personalidade ou movimento que denunciam o golpe. Por quê? O jornalismo não deveria sempre ouvir o outro lado?

Ao invés disso, a nossa imprensa faz uma entrevista chapa-branquíssima com Michel Temer e Henrique Meirelles…

Há um lado produtivo nessa terrível crise, que é esclarecer de uma vez por todas a questão da luta de classes no país. Agora, a esquerda não poderá tratar a imprensa plutocrata, como tentou fazer o PT durante toda sua gestão, como uma imprensa democrática.

Não é!

A nossa imprensa é criminosa e golpista. Ponto final. E se mancomunou com setores golpistas do Estado para derrubar um governo eleito e dar curso a um tipo de administração que eles jamais conseguiriam implementar através do voto popular.

Reparem bem: ninguém toca em salários de juízes, ninguém toca em salários de promotor ou delegado. Mas programas sociais, SUS, cultura, são as primeiras vítimas do golpe.

Ninguém fala em reduzir a verba para a grande mídia, mas os ministros enchem a imprensa com promessas de nunca mais democratizar o acesso aos recursos publicitários do Estado.

A democracia brasileira encontrou um dilema, uma pedra no caminho. Ou ela derruba o monopólio prático da mídia ou acaba. Ou muda a cultura patrimonialista da alta burocracia estatal, incluindo aí juízes, procuradores e delegados, ou acaba.

Por enquanto, a democracia acabou. Vivemos uma “pausa democrática”, conforme se expressou com cinismo covarde o ex-presidente do STF, Ayres Brito.

Mas a democracia é uma força viva, e tem hoje organicidade suficiente no Brasil para renascer e voltar a amadurecer.

O comportamento do novo governo, porém, demitindo até garçons do Planalto, por suspeita de serem “petistas”, mostra o lado intolerante e fanático do golpe.

É impressionante o desprezo por uma postura necessária em qualquer governo democrático: magnanimidade e tolerância à crítica. A hostilidade com que o governo trata as críticas, como se estas não devessem existir, não ajuda em nada a apaziguar os ânimos.

Mas isso é bom: o governo golpista age como um golpista. Como não tem legitimidade, não tem autoconfiança para enfrentar críticas.

Um governo eleito pelo voto popular não se preocupa com críticas. Ao contrário, as críticas lhe ajudam a provar, junto à população, que se trata de um governo democrático. Não é o que faz o governo Temer.

A mesma coisa vale para a mídia: se ela tivesse segurança da legitimidade do governo Temer, não estaria preocupada, como parece estar, já que publica diariamente artigos contra os blogs (agora até o Jô Soares, coitado, escanteado pela Globo quando defendeu Dilma, referiu-se aos blogs em entrevista com… Fernando Henrique; não quer morrer na miséria como tantos artistas brasileiros que trabalharam na Globo), não estaria preocupada, ia dizendo, com… textos publicados em blogs!

Essa turma que assaltou o poder foi aliada ao PT durante todos os 13 anos. Essa traição brutal não tem explicação a não ser na mais despudorada corrupção.

Agora sabemos que o Ministério de Desenvolvimento Social não foi apenas desmantelado. Sua estrutura não foi absorvida por nenhum ministério.

Incontáveis programas sociais estão em risco de desparecer por conta dessa irresponsabilidade.

É claro que isso não vai dar certo. [/s2If]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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