A Globo purifica Bolsonaro durante 4 horas nas águas do G1

por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do Cafezinho

O portal G1 virou uma filial do rio Jordão. Após os Marinhos desviarem essas águas sagradas para sua homepage, deixaram Bolsonaro imerso durante boa parte do dia. A imagem entrou no ar por volta das 11:00hs e permaneceu até às 15:30hs, ou seja, um banho que durou mais de quatro horas – ao menos na exposição que a Globo fez questão de dar ao ritual. E não foi uma imagem qualquer a que ganhou destaque, mas uma imagem de lídima pureza, de homens brancos vestidos de branco, e em tamanho superior ao padrão normal. A chamada buscou mergulhar a atenção do leitor no assunto, anunciando que a matéria trazia um vídeo.

A solenidade do momento, os gestos contritos, a atmosfera plácida, a vestimenta branca ainda imaculada, tudo conspira para induzir o leitor a crer numa renovação. O batismo é o ritual de purificação pela água, que em geral nas religiões cristãs se relaciona como o renascimento e a salvação pelo perdão dos pecados. Para aquele que reconhece seus pecados e se arrepende, o batismo é a via de remissão e purificação. Ocorre que o mutismo dos últimos dias de Bolsonaro não é um voto de silêncio, mas um temor advindo do processo aberto pela OAB-RJ.

Não é o primeiro nem o milésimo caso de afonia política. Veja-se o caso exemplar de Sérgio Cabral, há tanto tempo recolhido. Observe-se Aécio, que a cada novo escândalo passa uma ou duas semanas sumido das homes, para depois voltar como se nada se tivesse passado, lépido, faceiro e sorridente. Dificilmente a mídia vai por conta própria desentocar os políticos em reclusão voluntária. O que aliás, pelos efeitos bem conhecidos do agendamento, faz com que esqueçamos que eles um dia existiram.

Essa é uma razão a mais para indagar sobre os interesses da Globo em dar tamanho destaque a Bolsonaro no exercício do seu retiro político e da sua retratação espiritual. Ou será que não, que tudo aquilo não passou de uma encenação calculada para produzir certos efeitos? Na verdade, é interessante observar que não foi só uma mera fotografia casualmente tomada do ritual o que apareceu na home. Foi também um vídeo, o que exigiu uma produção. Basta ver a qualidade do áudio, em que se escuta nitidamente as palavras do pastor e de Bolsonaro.

Muito provavelmente, houve também, além da produção, um ensaio para que nada ficasse fora do script. Enfim, o quadro bíblico que foi estampado nas águas do portal do G1, foi na verdade um produto de exposição midiática com objetivos publicitários e políticos. E, como o assunto é por demais óbvio, não precisamos fazer mistério – se tratava de regenerar a imagem de Bolsonaro após 1) sua exaltação da figura do torturador Bilhante Ustra, que parece não ter sido bem recebido pelos próprios setores que apoiam seu fascismo e 2) o processo aberto pela OAB – RJ, através do seu presidente, ele mesmo filho de um desaparecido político, que pede a cassação do mandato de Bolsonaro.

Além de dizer que Eduardo Cunha entraria para a história, Bolsonaro fez, no dia 17 de abril, uma menção ao torturador e assassino serial Brilhante Ustra, dedicando a ele seu voto favorável ao impeachment de Dilma.  Foram essas as suas palavras:

“Perderam em 64, perderam agora em 2016. Pela família, pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve, contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o Foro de São Paulo, pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, pelo exército de Caxias, pelas Forças Armadas, pelo Brasil acima de tudo e por Deus acima de tudo, o meu voto é sim”.

Com base nessa mixórdia de facínora, que junta no mesmo barco a inocência das crianças e o coronel Ustra, indivíduo acusado de atrozes sevícias e da morte e do desparecimento de 60 pessoas, a OAB pede a cassação de Bolsonaro por quebra do decoro parlamentar e ainda que, por elogiar um notório torturador, responda na justiça por apologia à tortura.

O resultado disso, foi que Bolsonaro sofreu a primeira tosa, e como se sabe, o pássaro que tem as asas cortadas fecha o bico por algum tempo. Quem tem dado asas a esse pássaro sinistro são a complacência da mídia e a indiferença da Justiça, que fingem não ver nem ouvir. Bastou, porém, o processo aberto pela OAB, em 25 de abril, pedindo sua cassação para que o pássaro ficasse mudo. Aliás, já teria sido um grande serviço da OAB-RJ nos ter mostrado que toda aquela fanfarronada estridente hauria sua coragem do silêncio das instituições. Ou seja, Bolsonaro só chegou aonde chegou, pela cumplicidade da Justiça, do Ministério Público Federal, da mídia e das centenas de colegas parlamentares.

Sua ficha corrida inclui inúmeras barbaridades, violações verbais indescritíveis, como a que cometeu com a deputada Maria do Rosário por discordar de sua defesa dos direitos humanos, afirmando que não a estupraria por ela não merecer. Essas práticas, em si mesmas, já configuram assédio moral grave, ou seja, tortura psicológica e terrorismo mental.  O fato de que a Câmara não o tenha expulso ainda, constitui um claro índice de indigência e nulidade política dessa instituição.

No entanto, o que é novo na situação atual, criada após a denúncia da OAB, é que a própria Globo tenha erguido em sua home um templo para a purificação de Bolsonaro. Por que fez isso?

A única explicação é o que tentamos expor no artigo anterior a este, Suprema Esquizofrenia ? Globo ataca o projeto de aumento do STF. A Globo não está brincando de derrubar presidente, o que está em jogo para ela é questão de vida ou morte, um tudo ou nada em que todas as alternativas tem que ser cogitadas e antecipadas. É muito elucidativa, nessa direção, as últimas linhas do Editorial da revista Época que a Globo usou para se expressar e que analisamos na matéria citada acima:

“Outra patologia da política brasileira é o corporativismo arraigado. Os deputados não querem se indispor com integrantes de corporações poderosas como o Judiciário e o Ministério Público Federal. Os lobbies organizados prevalecem. A sociedade que não consegue fazer ouvir sua voz só pode se perguntar: a quem apelar?”

A quem apelar?

Aqui está o motivo para reabilitar Bolsonaro. Ele, mas não apenas ele, são alternativas que a Globo pretende manter no bolso do colete para o caso de fracasso do golpe que trouxe Temer na cabeça. Se, como está dito ali em linhas e entrelinhas, o governo de Temer, que se camufla num mimetismo pouco convincente de democracia, desmoronar, a quem apelar? A Globo já respondeu: um de suas alternativas é Bolsonaro, ou seja, se for preciso, um golpe militar.

É interessante observar que a home do G1, deu destaque ao longo do “dia da purificação”, em proporções próximas de tempo, aos nomes que provavelmente imagina que podem ser promovidos em caso de desespero de causa. Assim, se a foto de Bolsonaro ficou aproximadamente das 11:00hs às 15:30hs, passou a partir das 13:50 hs, a ter a companhia da advogada Janaína Paschoal e, a partir das 15:30 hs, junto com o discurso de Temer, entrou a imagem do juiz Moro discursando, com destaque para a frase: “É preciso não ter ódio no coração”. A partir daí, e durante algum tempo, permaneceram na home as imagens de Bolsonaro, Janaína e Moro. Enfim, a Globo semeia as suas alternativas. Mas não poderá esquecer que quem planta vento costuma colher tempestade.

Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.

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