Foto: Jornalistas Livres
por Bajonas Teixeira de Brito Junior, colunista do Cafezinho
A Globo dirigiu ataques pesados ao Judiciário, ao MPF e à Câmara, críticas que envergonhariam qualquer adulto quanto mais instituições que são pilares do Estado. Em resumo, ela usa adjetivos muito duros para dizer que essas instituições, tendo derrubado Dilma com o argumento do zelo pelos recursos públicos, se permitem encaminhar uma farra com esses mesmos recursos públicos no dia seguinte à vitória. Através de editorial da revista Época (14), a Globo diagnostica nelas sintomas de “uma esquizofrenia política aguda”.
Em especial, o editorial mira o STF e seu aumento posto em regime de urgência. Pode parecer estranho esse ataque, mas o fato é que a Globo tem muito mais a perder que o Judiciário se o golpe não funcionar. Ela arriscou todas as suas fichas na jogatina do impeachment. Se Temer não se firmar, e se um governo de esquerda vier a assumir em 2018, seus riscos são muito grandes, já que ela se vale de uma concessão pública. Por isso, sua luta para o sucesso de Temer é questão de vida ou morte.
Invocando a crise, recordando o fato de que o déficit público chegou em fevereiro a 10,75% do PIB, que a agência Fitsch voltou a reduzir a nota de crédito do Brasil, e que, por tudo isso, o país ou contém gastos ou vai para o abismo, o editorial A nossa Opinião – A nova pauta-bomba mostra sua perplexidade com os políticos e a o STF:
“O país precisa, urgentemente, de um plano de redução e estabilização dos gastos públicos. No entanto, os projetos que ganharam urgência na Câmara jogam gasolina na fogueira. O reajuste dos ministros do STF deverá gerar gastos adicionais de R$ 717,1 milhões com os subsídios de magistrados. O aumento dos servidores do Judiciário acarretará despesas extras de R$ 5,99 bilhões ao ano.”
Em regime de urgência estão projetos de lei que dão reajustes salariais para os servidores do Poder Judiciário (entre 16,5% e 41,47%) e para os ministros do Supremo Tribunal Federal (cuja remuneração modesta subiria dos atuais R$ 33.763,00 para R$ 39.293,38 mensais). O impacto desses aumentos nas despesas públicas sobe a muitos bilhões. E ai entram a esquizofrenia e seus “sintomas patológicos”:
“A esquizofrenia política brasileira tem uma série de sintomas patológicos. (…) É um sinal de alheamento da gravidade da situação do país que a cúpula do Judiciário patrocine um projeto de reajuste de 16,38% dos próprios vencimentos.”.
O Dicionário Aurélio dá a seguinte definição abreviada da esquizofrenia: “Doença mental complexa, caracterizada, por exemplo, pela incoerência mental, personalidade dissociada e ruptura de contato com o mundo exterior”.
Para a Globo, o “mundo exterior” a ser sintonizado é o da economia e da política. A personalidade jurídica do STF sofre de aguda incoerência mental quando o assunto é aumento de salário.
O fato é que a cúpula do Judiciário entrou em choque com Dilma em 2011, quando ela resistiu à pressão para aumentar seus salários de R$ 26.723,13 para R$ 30.675,48. A briga continuou em 2015, quando a presidente reduziu seu próprio salário e o dos ministros em 10%, enquanto o STF pedia aumentos que iriam a R$ 39.293,38, com o efeito agravante de ampliar o teto do funcionalismo público no país inteiro.
Dilma decidiu então vetar o aumento que já tinha sido aprovado considerando seu enorme impacto negativo nas contas públicas:
“O governo se posicionou contra o projeto porque, segundo o Ministério do Planejamento, os percentuais representariam aumento de R$ 25,7 bilhões nos gastos nos próximos quatro anos. O impacto será de R$ 1,5 bilhão, em 2015; em R$ 5,3 bilhões, em 2016; R$ 8,4 bilhões, em 2017; e R$ 10,5 bilhões, em 2018.”
A manutenção do veto levou a uma luta acirrada na Câmara, com os defensores do aumento conseguindo 251 votos, apenas seis a menos que o necessário para a derrubada o veto. O efeito, evidentemente, apenas poderia ser uma intensificação do “ódio salarial” do STF, e de boa parte do Judiciário, contra Dilma e o PT.
Foi Eduardo Cunha quem, por último, encaminhou sofregamente e aprovou o regime de urgência para o aumento do Judiciário e do STF quando se amarrava os últimos fios da tramitação do impeachment. Sintomaticamente, no dia 03 de maio a urgência foi aprovada por Cunha e no dia 05 ele foi afastado pelo STF do exercício do mandato e da presidência da Câmara. Ou seja, cinco meses depois do pedido da PGR enviado ao Supremo, mas apenas dois dias após ter aprovado o aumento do Judiciário.
O Editorial da Globo chega ao seu cheque mate contra o STF apontando esse regime de urgência num momento em que as finanças públicas estão em estado crítico:
“O STF, que assume cada vez maior protagonismo na cena política, deveria assumir também a vanguarda da austeridade.”
Significativa indiscrição da Globo que aponta para o excessivo protagonismo (talvez lembrando de Gilmar Mendes, que há poucos dias bradava, ao saber que Dilma recorreria ao SFT, “Eles podem ir para o céu, o papa ou o diabo”), que parece não ser condizente com a independência e à imparcialidade, que a lei atribui ao exercício da Justiça. O Editorial termina com um diagnóstico sombrio:
“Outra patologia da política brasileira é o corporativismo arraigado. Os deputados não querem se indispor com integrantes de corporações poderosas como o Judiciário e o Ministério Público Federal. Os lobbies organizados prevalecem”.
Mas por que os deputados se indisporiam? Por que colocariam obstáculos? Para terminar como Dilma?
Eis aonde a toda poderosa Globo se meteu ao apoiar a “voz das ruas”. Para que a crise econômica não empurre Temer ao desastre, ela se vê obrigada a assumir a coordenação política, a orientar, conduzir e educar os seus aliados, ou seja, agir como um verdadeiro partido político. Melhor dizendo, como o único verdadeiro partido político da coalisão no poder. Ocorre que ela também é movida por interesses. Aqueles a quem ela critica por se darem altos salários não aceitarão abrir mão deles enquanto essa empresa embolsa bilhões em lucros. Essa é a sinuca de bico em que a Globo se meteu.
Bajonas Teixeira de Brito Júnior – doutor em filosofia, UFRJ, autor dos livros Lógica do disparate, Método e delírio e Lógica dos fantasmas, e professor do departamento de comunicação social da UFES.