Por Luis Edmundo Araujo, editor de esporte do Cafezinho
Com todo o respeito pela paixão enlouquecida de centenas de milhões no Brasil inteiro, de bilhões em todo o mundo, com a devida reverência a quem pratica e ama o esporte em todos os níveis, do profissional multimilionário ao amador pobre que madruga e faz dupla, tripla jornada de trabalho, com a obrigatória homenagem aos vencedores e vencidos de hoje, de ontem e do amanhã, o blog começa, a partir de agora, a tratar também de futebol, de vôlei, do basquete, do atletismo, do handebol, do remo e de qualquer modalidade que merecer atenção neste ano em que, além do golpe, da resistência e das consequências disso tudo, teremos Olimpíada no Rio de Janeiro.
E se no esporte, no futebol principalmente, o dinheiro fala tão alto quanto em qualquer outro setor, os poderosos dão as cartas e vencem, quase sempre, os principais campeonatos, este texto de abertura saúda os pequenos grandes campeões improváveis, dos quais não há exemplo mais recente do que a incrível história do Leicester City, quase rebaixado na temporada passada e campeão inglês pela primeira vez em sua história, iniciada em 1884, nesta última que termina amanhã, com o jogo entre Manchester United e Bornemouth. A partida em Old Trafford, casa do United, deveria ser realizada neste fim de semana, como todas as outras da última rodada, mas foi adiada devido a uma ameaça de bomba, um telefone estranho achado num dos banheiros do estádio, conectado a tubos e que depois, com o jogo já cancelado, foi reconhecido como uma das peças usadas num exercício de equipes de segurança, a falsa bomba de um teste para um esquadrão anti-bombas.
Sob o comando do discreto treinador italiano Claudio Ranieri, o time da agradável cidade relativamente perto de Londres (menos de duas horas de trem) assumiu a liderança definitiva, para não mais largar, a 15 rodadas do fim do campeonato. Jogadores como o atacante Jamie Vardy e o meia Andy King pareciam tocados por uma inspiração coletiva, inexplicável, que fez do Leicester uma equipe quase imbatível, com apenas três derrotas em todo o campeonato. Em carta emocionada, publicada no jornal The Players Tribune, quando faltavam apenas seis rodadas para o término do campeonato e o título do Leicester, Ranieri relatou a trajetória da equipe e revelou seu discurso aos jogadores antes da primeira partida do certame:
Antes de jogarmos nossa primeira partida da temporada, eu disse aos jogadores: “Eu quero que vocês joguem por seus companheiros. Nós somos um time pequeno, então temos que lutar com todo nosso coração, com toda nossa alma! Eu não me importo com o nome do adversário. Tudo o que eu quero é que vocês lutem! Se eles são melhores que nós, ok. Parabéns para eles. Mas eles terão de nos mostrar que são melhores”.
Vice-artilheiro do campeonato com 24 gols, o mesmo número do argentino Kun Agüero, do Manchester City, e a um tento do também inglês Harry Kane, do Tottenham, Vardy estendeu a tal inspiração à sua estreia na seleção inglesa, contra a Alemanha. Jogando em Berlim, os atuais campeões mundiais abriram 2 a 0 aos 12 minutos do segundo tempo. Kane diminuiu quatro minutos depois e o técnico inglês, Roy Hodgson, decidiu botar Vardy em campo. No primeiro toque na bola, o atacante do Leicester fez, de letra, o gol de empate. Nos acréscimos, o zagueiro Eric Dier decretou a vitória inglesa.
Já rebaixado, o tradicional Aston Villa, de Birmingham, um dos clubes chamados grandes, fundadores da primeira liga de futebol da história e sete vezes campeão, protagoniza o reverso da moeda nesta temporada inglesa, ainda que o segundo rebaixamento de sua história (o primeiro foi na temporada 1986-87) não tenha sido nenhuma surpresa. Sem reação, goleado seguidamente e matematicamente relegado à segunda divisão na 34a rodada, o Villa só provocou protestos de seus torcedores, que guardam na memória a maior conquista do clube, quando, também eles, estiveram no papel da zebra, do time menor que o oponente e que, no entanto, surpreende. Foi na final da Copa dos Clubes Campeões, a hoje globalizada Champions League, num tempo em que só os campeões nacionais, além do detentor do troféu, disputavam o título. No dia 26 de maio de 1982, em Roterdã, na Holanda, o Aston Villa encontrou o então tricampeão europeu (hoje penta) Bayern de Munique e venceu por 1 a 0.
Por aqui, os times das séries A e B do Campeonato Brasileiro começaram neste fim de semana a disputar o título e só terminam no dia 4 de dezembro. Ainda temos um torneio sob forte influência da principal patrocinadora dele, a Globo, que muda a tabela, troca e estipula horários de acordo, em primeiro lugar, com sua grade de programação; e continuamos a ter, por conta disso, clubes que dependem fundamentalmente do dinheiro dessa patrocinadora, reféns, portanto, da emissora. Mas há sinais de mudanças no ar, e não apenas por conta da entrada em cena do canal Esporte Interativo, que passou a disputar os direitos de TV fechada do Brasileiro a partir de 2019 e já fechou contrato com Santos, Internacional, Atlético Paranaense, Coritiba e Bahia, entre outros clubes.
A concorrência forte do canal do Grupo Turner é inédita para a Globo, que também convive, desde o fim da temporada passada, com protestos direcionados especificamente contra ela por torcidas como a Gaviões da Fiel, do Corinthians, além de torcedores avulsos em jogos por todo o País. Faixas contra a emissora já vêm sendo vistas em estádios reclamando, entre outras coisas, do horário dos jogos no meio de semana, que começam depois da novela e terminam perto da meia-noite, um inferno para quem trabalha cedo no dia seguinte, para quem depende do transporte coletivo para voltar pra casa, para toda a parte menos favorecida da população, enfim.
No próximo dia 21, começa a Série C do Campeonato Brasileiro, com 40 times divididos em dois grupos de 20. Já a Série D, com 68 times, só começa no dia 12 de junho. Em nenhum desses torneios estará o Bangu, tradicional equipe carioca que vivia a expectativa de herdar a vaga do Boavista na Quarta Divisão. O time de Saquarema havia desistido de participar da competição por questões financeiras, mas voltou atrás na terça-feira, deixando de fora o vice-campeão brasileiro de 1985, em uma final que reuniu não apenas um time estreante em decisões nacionais, mas dois. O Coritiba, grande no Paraná, conquistou aquela que, até hoje, é sua maior glória, num torneio que teve ainda o Brasil de Pelotas entre os quatro semifinalistas.
E para não ficar apenas no futebol, para afagar um pouco o orgulho nacional nesses tempos difíceis, não há como deixar de citar, entre as equipes que subverteram a lógica, que enfrentaram sem medo adversários ditos mais fortes, favoritos, e saíram vencedoras, a seleção brasileira de basquete de Marcel, Oscar e Cia, que deu show no Panamericano de Indianápolis, em 1987, ao levar a medalha de ouro derrotando os Estados Unidos na final.
Foi a primeira derrota dos americanos em casa numa competição oficial, no esporte em que eles são reis. Foi também mais uma prova de que tudo é possível, de que há meios de reverter as situações mais desfavoráveis, de que os fracos não só têm vez como podem ser, às vezes, incrivelmente fortes.
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