Por Denise Assis
O senador da República Cristóvão Buarque estava no entroncamento das ruas Guararapes com Dantas Barreto, no Centro de Recife, no dia 1 de abril de 1964. Tal como Jonas Albuquerque e Ivan Aguiar, acreditava que deveria defender o governador Miguel Arraes, que em seguida seria deposto e preso. Apeado do poder, como já o fora o presidente João Goulart, por sua defesa à reforma agrária.
Ao lado dos dois estudantes Cristóvão marchou com a coluna de colegas, gritando palavras de ordem pelo que acreditava ser o justo naquele momento. Hoje, 52 anos depois, ao defender o seu voto ante um novo golpe, este, com o seu apoio e anuência, classificou de “antiga” a luta que custou a vida dos dois jovens naquela tarde, em Pernambuco.
A família de Ivan, indignada, reagiu. Ivan e Jonas tombaram pelo que acreditaram, entrando para a história como as primeiras vítimas do golpe de 1964. Cristóvão seguiu solerte com seu discurso, jogando no limbo tudo o que um dia acreditou.
Ao revisitar as fotos publicadas no Diário de Pernambuco, do dia 2 de abril, o dia seguinte ao fato, ainda se pode observar, mesmo que a imagem esteja amarelecida, borrada pela ação do tempo, a coluna de militares formada, portando submetralhadoras e fuzis acoplados a tripés, apontando ameaçadoramente para os estudantes. Estes, armados apenas por seus gritos e palavras de ordem, se embolaram na hora dos tiros desfechados contra eles, e que atingiram Ivan e Jonas.
Nos dois casos, a morte foi instantânea. Sem chance de reação. Nos atestados de óbito, que durante anos foram trancafiados nos arquivos da Polícia pernambucana, a palavra “homicídio” foi grafada com nitidez. Na foto do jornal, ainda que antiga, sem condições de reprodução, dá para ver a fumaça do tiro recém-disparado, na direção dos estudantes.
Impressiona o aparato pesado frente àquele aglomerado de não mais do que 200 jovens, munidos apenas da coragem de lutar pelo que acreditavam.
A mesma coragem que Cristóvão Buarque – titubeante como só os que se acovardam podem estar, na hora de cometer uma grande injustiça – não teve para impedir um golpe em curso. Ivan e Jonas estão, hoje, na história reescrita pela Comissão Nacional da Verdade, no espaço dedicado aos que tombaram em busca de liberdade.
Cristóvão Buarque ainda está escrevendo a sua história, no Senado Federal, onde já deu mostras de que o verbete que lhe está reservado deverá ser bem menor do que quando ali entrou, professando a defesa dos direitos dos cidadãos.